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Verbete de hoje: Peyo

Com o lançamento da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert, o Blog L&PM publicará, nos domingos, um verbete do livro. O verbete de hoje é PEYO:

Asterix, Lucky Luke e os Smurfs. Sem dúvida, e nessa ordem, eis os personagens de humor mais conhecidos da escola franco-belga. Enquanto os dois primeiros destinam-se também ao público adulto, os Schtroumpfs (como se chamam no original) fazem a alegria principalmente da garotada. Estão em muitos outros meios também: ajudam a vender os mais variados produtos e viraram inclusive desenhos para o cinema e a TV. Os Smurfs é a criação mais conhecida do desenhista Pierre Culliford, que sempre assinava seus trabalhos como Peyo. Nos quadrinhos desde 1945, foi companheiro de Jijé, Franquin, Morris e Paape (todos citados nesta obra). Desenhando para o jornal La Derniére Heure, Peyo criou um personagem chamado Johan, que vivia suas aventuras marcadas pelo humor na Idade Média. Quando “Johan” foi para a revista Spirou, a série enriqueceu-se com outras figuras, e nela surgiram os pequenos duendes chamados Schtroumpfs. Fizeram tanto sucesso que Johan desapareceu e eles tomaram conta de tudo. Mudaram inclusive a vida de seu ilustrador, que criou uma empresa para cuidar dos múltiplos caminhos por onde passaram a caminhar seus pequenos duendes. Peyo foi igualmente o criador de “Benoit Brisefer”, um garoto de força sobre-humana (1960), série depois continuada por Will e Walthéry.

Enciclopédia dos Quadrinhos

por Jorge Furtado*

Ótima notícia: acaba de ser lançada pela L&PM a nova “Enciclopédia dos quadrinhos”, do Goida e do André Kleinert, muito ampliada e atualizada. São mais de 500 páginas com o que há de melhor na história dos quadrinhos no Brasil e no mundo. O livro tem muitas e boas ilustrações, bibliografia e referências, incluindo sites, e ainda uma pequena história da história em quadrinhos, do Goida. É um daqueles livros fundamentais, que para de pé na estante e ao qual sempre voltamos. Presente de Natal perfeito para pais e filhos espertos.

Os quadrinhos vão muito bem, obrigado. São tantos os bons lançamentos que fica difícil escrever sobre eles, há que se encontrar tempo para lê-los. Enquanto as indústrias da notícia, da música e do audiovisual travam uma luta inglória contra a internet, os livros – especialmente os livros bonitos e com boas ilustrações – aumentam sua vendas: nada como o papel para ler ou apreciar bons desenhos. (…)

Reproduzo aqui parte de um texto que escrevi (no século passado) sobre quadrinhos:

Aviso que não sou nem de longe um conhecedor do assunto. Sei o nome de bem pouca gente e detesto a maioria dos novos gibis que estão nas bancas, quase todos envolvendo heroínas modelo barbie (peitudas de cintura fina) enfiadas em roupas colantes de borracha, saltando de nada para lugar nenhum enquanto disparam armas ridículas e dizem coisas que eu nem cheguei a ler mas aposto que são bobagem. Me interesso pelos quadrinhos pelo mesmo motivo que me interesso por cinema, literatura, artes plásticas ou qualquer forma de expressão dos nossos medos e desejos: o prazer de entrar em contato com o que os seres humanos tem de melhor e me sentir menos estranho numa terra estranha.

Quadrinhos só são tratados como arte de segunda categoria por quem: a) não teve a sorte ou a curiosidade intelectual de conhecê-los; b) ao conhecê-los, não teve a sensibilidade ou paciência para distingui-los; c) é ignorante mesmo. Para quem não gosta e se enquadra nas categorias a ou b, sugiro a leitura de “Desvendando os Quadrinhos“, de Scott McCloud, um estudo ainda mais abrangente que o clássico “Quadrinhos e Arte Sequencial“, do Will Eisner. É um curso completo, melhor que a maioria dos livros sobre cinema que eu conheço.  McCloud analisa com perfeição o nascimento simultâneo da representação pictórica e da palavra escrita no teto das cavernas. Imagem e palavra nasceram juntas, representando um homem, um boi ou uma arma de caça. Lentamente o ícone se afasta da imagem que o gerou e o homenzinho vira a letra T ou A, e o boizinho vira Mu e logo ninguém lembra mais porque e surgem as escolas de alfabetização. Pobre do Ivo, vê a uva mas não sabe como se escreve.

Cinema e quadrinhos são formas de expressão muito semelhantes, pelo uso simultâneo de imagens e palavras. (Na manipulação de ritmos e no fazer sentir o passar do tempo, cinema se parece mais com música. E na construção dramática, com o teatro.) Detesto usar a palavra arte, mais gasta que corrimão de asilo, para definir qualquer coisa, mas partindo da definição de Gombrich de que “não há arte, só há artistas”, acho que há cada vez mais arte nos quadrinhos e menos no cinema. O cinema é cada vez mais (sempre foi) uma forma de expressão coletiva. O cinema é cada vez mais (nem sempre foi) um negócio. O artista raramente convive bem com as dezenas de filtros que a indústria coloca entre intenção e gesto. Seria impossível para Robert Crumb sobreviver a uma série de reuniões com agentes, produtores e patrocinadores para fazer seu primeiro filme. Bem mais fácil para ele foi abrir um caderno e riscar com um lápis. Que depois tenha virado capa de disco da Janis Joplin ou frequentasse milhares de pára-lamas dos caminhões americanos foi conseqüência do seu talento, óbvio até para o pior dos fariseus.

Texto integral publicado no “Não” em 12.06.1999:
http://www.nao-til.com.br/nao-63/imagens.htm

*Jorge Furtado é diretor de cinema, roteirista e escritor. Pela L&PM publicou Meu tio matou um cara. O texto acima foi escrito originalmente para o blog da Casa de Cinema de Porto Alegre e postado em 07 de novembro de 2011.

Verbete de hoje: Jim Davis

Com o lançamento da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert, o Blog L&PM publicará, nos domingos um verbete do livro. O verbete de hoje é JIM DAVIS:

Depois de trabalhar por algum tempo como assistente de Tom K. Ryan (o criador da tira Tumbleweeds Kid Farofa, no Brasil), Davis estava pronto para lançar sua série própria. Surgiu, em 1978, através da United Feature Syndicate, Garfield, uma animal strip sem grandes novidades ou aparentes possibilidades de sucesso. Afinal, os felinos já haviam frequentado demais os quadrinhos, desde O gato Felix, de Pat Sullivan (década de 30), A gatinha Princesa, de Ruth Carrol (década de 40) até o Fritz, the Cat (década de 60), de Robert Crumb, isso para citarmos apenas os mais famosos. Garfield (imagem), porém, surpreendeu. Gordo, preguiçoso, hipócrita com o seu dono e o cachorro desse, esse novo gato dos quadrinhos em pouco tempo se tornou o “best seller” da UFS. Veiculado em mais de 2.500 jornais do mundo inteiro, Garfield transformou-se num grande e duradouro sucesso. Seus álbuns vendem como água, assim como as mercadorias diversas com imagens desse gato gorducho. Até no cinema Garfield foi parar (dois longas-metragens, onde se misturam atores reais e o gato feito por animação computadorizada). No Brasil, além dos pockets feitos pela L&PM – já em dez volumes, publicados entre 2005 e 2010 – há uma edição especial, com mais de 600 páginas e 2.582 tiras, na coleção “L&PM Série Ouro” (2009).

Verbete de hoje: Matthias Schultheiss

Com o lançamento da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert, o Blog L&PM publicará, nos domingos um verbete do livro. O verbete de hoje é MATTHIAS SCHULTHEISS:

O cinema já tentou adaptar, para imagens, o espírito da obra de Charles Bukowski. Não chegou perto, porém, dos acertos e da incrível transposição para os quadrinhos realizada pelo desenhista alemão Matthias Schultheiss. Ele desenhou com um estilo realista, paradoxalmente belo, o universo dos bêbados, das prostitutas, dos marginais e dos desesperados que povoam os contos e novelas de Bukowski. Foram várias narrativas publicadas em álbum pelo Editor Heyne Verlag, da Alemanha, logo traduzidas para outras línguas. No Brasil, com os títulos de Delírios cotidianos e N. York, 95 cents ao dia, os contos de Bukowski/Schultheiss foram publicados na coleção “Quadrinhos L&PM” e depois lançados num só álbum, em 2008. Antes disso, Schultheiss havia desenhado uma série sobre caminhoneiros (“Truckers”, para a revista Zack, em 1980). Convidado para colaborar com revistas francesas, fez Le Théorème de Bell, para L’Echo des Savanes. Colaborou também para a revista Circus. Depois de levar para os quadrinhos de maneira perfeita Bukowski, Schultheiss tentou outras transcrições, não com a mesma felicidade. O sonho do tubarão saiu completo, em três partes, na revista Animal. O teorema de Bel teve uma primeira e uma segunda parte. Ele alcançou mais sucesso com uma série supererótica, “Talk Me Dirty” (assim mesmo, em inglês), que saiu na Europa e na Argentina (na revista Super Sexy), editada nos anos 90 por Carlos Trillo.

Guido Crepax, o verbete do dia

A partir de hoje, nos domingos, o Blog L&PM publicará um verbete da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert. O verbete de hoje é GUIDO CREPAX:

“Em grande parte foi graças ao trabalho de Guido Crepax que as histórias em quadrinhos passaram a ser consideradas como a Nona Arte”. Frase do estudioso Marco Giovannini, que de certa maneira sintetiza a enorme importância desse desenhista e criador milanês, um dos mais importantes nomes dos comics pós-guerra. Depois de graduar-se em Arquitetura, Guido resolveu seguir a carreira artística de ilustrador, em Tempo médico (1958). Embora tivesse tentado os quadrinhos ainda adolescente, foi só mesmo em 1965, quando Giovanni Gardini criou a revista Linus, que Crepax fez sua estreia numa narrativa chamada La Curva di Lesme. O personagem principal era Philip Rembrandt, um crítico de arte e criminologista, cujos poderes concretizavam-se numa figura conhecida pelo nome de Neutron. A permanência de Neutron/Philip durou pouco. Em viagem à Itália, Rembrandt era recebido no aeroporto de Milão, pela Signorina Valentina Rosseli, uma fotógrafa que logo se torna sua amiga íntima.

Valentina, feita à imagem e semelhança de Elisa Crepax (a mulher de Guido) e também a atriz do cinema mudo norte-americano, Louise Brooks, aos poucos foi tomando conta da série “Neutron”. Posteriormente, Philip, casado com ela, acabou sempre um personagem subalterno. Com o correr do tempo, Crepax abandonou em Valentina as histórias convencionais. Preferiu desenhar, numa complexa diagramação de páginas, buscando detalhes em primeiríssimos planos (como montagem cinematográfica), os sonhos, as lembranças e as divagações de sua heroína. Isso garantiu para os quadrinhos modernos as mais maravilhosas narrativas ambientadas no terreno da subjetividade erótico-psicológica. Valentina, antes mesmo do final da década de 60, já era um sucesso internacional, tornando pequena outra heroína sexy que havia surgido quase junto, Barbarella de Jean Claude Forest. Hoje com quase duas mil páginas, Valentina continua fascinando os leitores do mundo inteiro e suas histórias, além das características assinaladas, tem uma certa cronologia familiar. Valentina tem um filho, Mattia, que já é adolescente.

Nos anos 80, a L&PM Editores publicava Valentina, de Guido Crepax

Crepax, entretanto, tinha uma capacidade muito maior do que a limitação ao sucesso de Valentina. Criou outras figuras femininas notáveis – Bianca, Anita – e realizou versões de clássicos da literatura fantástica, como Drácula, de Bram Stoker, e O médico e o monstro, de Stevenson. Fez também adaptações de obras eróticas como A história de O e Emmanuelle. E arranjou tempo para dar sua contribuição à Larousse, em obras como “A Descoberta do Mundo” (mais de mil páginas, junto com Battaglia, Toppi, Sio, Manara e outros) e “A História da China”. Até o fim de seus dias, Crepax morou em Milão, sempre em companhia de Elisa e os três filhos do casal. Seu grafismo inconfundível certamente influenciou muitos jovens a seguirem a carreira de quadrinistas. Isso sem falarmos nos adultos, que descobriram em Crepax quadrinhos para gente grande. Além dos álbuns acima citados, Crepax trabalhou para a série “Um Homem, Uma Aventura”, nos títulos Harlem Blues e Rússia em chamas, não publicados no Brasil. Igualmente inéditos ficaram os álbuns Poe (1979), reunião de histórias baseadas nos escritos de Allan Poe; Lanterna mágica (1981), histórias sem balões com texto; As viagens de Bianca (1991); e The Turn of The Screw (Eurotica, 1995), baseado num original de Henry James. Traduzido para o Brasil tivemos A Vênus das peles (Opera Erótica/Martins Fontes, 1984), versão da obra de Leopold Sacher Masoch. Para uma leitura crítica mais abrangente, sugerimos o álbum de Marco Aurélio Luchetti, Desnudando Valentina (Opera Graphica, 2005).