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Com um pavilhão todo feito em papel, Brasil é destaque na Feira de Frankfurt

O Brasil é o país homenageado da Feira Internacional do Livro de Frankfurt 2013 que abriu suas portas ao público nesta quarta, 9 de outubro e vai 13 de outubro. Este ano, pelos corredores do maior encontro do mercado literário mundial vai se ouvir muita gente falando português. Além dos 70 escritores selecionados para representarem o Brasil, há uma boa quantidade de jornalistas brasileiros e mais as editoras nacionais que nunca deixam de estar presentes para fechar seus negócios. Nossos editores, como vêm fazendo há mais de 30 anos, neste momento devem estar participando de alguma reunião para conhecer – e trazer – novidades para o catálogo L&PM.

Depois da abertura polêmica que aconteceu ontem com direito a vaias ao vice-presidente brasileiro Michel Temer e a um discurso polêmico do escritor Luís Ruffato (que, segundo alguns, “deu a real” sobre o Brasil), o pavilhão verde amarelo foi aberto para quem quiser passar e entrar.

De verde e amarelo, felizmente, ele não tem muito. Criado pela cenógrafa Daniela Thomas (que nem todo mundo sabe, é filha de Ziraldo) e seu marido, Antonio Martinelli, o espaço do Brasil é todo feito em papelão.

O pavilhão brasileiro em Frankfurt - Ralph Orlowski / Reuters

O pavilhão brasileiro em Frankfurt – Ralph Orlowski / Reuters

“O livro é cada vez menos de papel, mas faz parte de uma história de 500 anos. Escolhemos o material não por uma questão ecológica, mas para celebrar o livro impresso”, disse Daniela Thomas a Folha de S. Paulo.

Além de muitos livros, de prestar uma homenagem a Oscar Niemeyer e de exibir um imenso “Menino Maluquinho” em uma das paredes, o pavilhão brasileiro inclui redes nas quais o visitante pode deitar e escutar canções brasileiras, além de totens que mostram personagens da literatura nacional. A ideia é que, ao longo da feira, esses totens desapareçam, pois eles são feitos de papéis com informações sobre os personagens e podem ser levados pelos visitantes.

É neste espaço de 2.500 m² que vai acontecer ainda a maior parte dos debates com os escritores brasileiros que lá estão.

Redes fazem referência às origens indígenas do Brasil e fazem a alegria dos visitantes cansados - Michael Probst / Associted Press

Redes fazem referência às origens indígenas do Brasil e fazem a alegria dos visitantes cansados – Michael Probst / Associted Press

Os totens mostram personagens da literatura brasileira e vão desaparecer - Michael Probst / Associated Press

Os totens mostram personagens da literatura brasileira e vão desaparecer – Michael Probst / Associated Press

49. A arte literária de Iberê Camargo

Em outubro, o “Era uma vez… uma editora” será dedicado a relembrar alguns livros que marcaram não apenas a nossa memória, como toda uma época. São obras que atualmente estão esgotadas, mas que permanecem na lembrança, no imaginário e na prateleira de muita gente. O escolhido de hoje é “No andar no tempo”, de Iberê Camargo.  Iberê era amigo de Ivan Pinheiro Machado* que, além de editor da L&PM, também é artista plástico. Ivan poderia contar melhor esta história, mas como no momento ele está na Alemanha, onde amanhã tem início a Feira Internacional do Livro de Frankfurt, vamos nos limitar a falar do livro.

Era Outono de 1988 quando mais uma obra de Iberê Camargo foi concluída. Desta vez, no entanto, sua arte não estava impressa na tela, mas em um livro publicado pela L&PM Editores. No andar do tempo ­– 9 contos e um esboço autobiográfico era o nome da obra que, em pouco mais de 100 páginas, trazia além do que o título prometia, mais dez ilustrações do pintor gaúcho de renome internacional (duas delas estão logo abaixo).

Os cinco primeiros textos de No andar do tempo, escritos na década de 80, eram marcados pela ironia e segundo escreveu o jornalista Antonio Hohfeldt na orelha do livro “Atingem certa dimensão metafísica por trás da brincadeira aparente”. “Ao fazer a barba pela manhã, vejo pelo espelho um mosquito pousado na parede do banheiro, às minhas costas. É apenas um traço vertical, minúsculo risco a creiom, na alvura vítrea do azulejo. Vou aniquilá-lo, penso comigo, com um golpe de toalha. Concedo-te a vida somente o tempo que necessito para fazer a barba. Devo usar a lâmina com cuidado, devagar, para não cortar o lábio superior já chupado pela idade. Torno a fitar o mosquito. Ele continua imóvel na imagem do espelho, à espera, sem o saber, de sua morte, como todos os viventes.” escreveu Iberê em “O mosquito”, conto que abre o livro.

Há outros quatro contos escritos por Iberê na década de 1950. Mais densos e dramáticos do que os primeiros, eles às vezes trazem os mesmo elementos de suas pinturas, como mostra um trecho de “O relógio”: “Sobre a enxada enrola-se estranha serpente: um suspensório. Ele o desenlaça e com a arte o estende por terra, desenhando um ipsilone. Encontra também um soldadinho de chumbo com a perna quebrada, uma cornetinha e carretéis…”

Já em “Um esboço autobiográfico”, que fecha o livro, Iberê Camargo conta desde seu nascimento: “Nasci em 18 de novembro de 1914, no Rio Grande do Sul, em Restinga Seca, onde meu pai era o agente da Estação da Viação Férrea” até sua visão de mundo: “Vejo o mundo ameaçado pela insanidade. Em 1984, em Porto Alegre, pintei um cartaz de rua que dilacerou na chuva e no vento, e escrevi um texto em solidariedade àqueles que se opõem ao holocausto nuclear. É preciso criar no Brasil uma consciência ecológica. Talvez um partido. Tenho sempre presente que a renovação é uma condição da vida. Nunca me satisfaz o que faço. Vejo nisso um estímulo permanente à criação. Ainda sou um homem à caminho.”

Este era Iberê Camargo. Eternizado em palavras e pinturas.

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo nono post da Série “Era uma vez… uma editora“.

12. Vítimas do Plano Cruzado

Por Ivan Pinheiro Machado*

O Eduardo “Peninha” Bueno, cujo post anterior eu tracei um rápido perfil, me acompanhou várias vezes à Feira Internacional do Livro de Frankfurt. Como eu já disse, vivenciamos dezenas de histórias hilárias pelo mundo afora. Claro que houve algumas meio desagradáveis, mas nenhuma tão sinistra como esta que eu vou contar.

Era o auge do Plano Cruzado em 1985. O “cruzado” era a moeda da vez e os preços estavam congelados. Nossa moeda era fortíssima e todo o Brasil viajava. Você andava pela rua em Paris, Nova York, Roma e só se ouvia português… Os aeroportos estavam apinhados de brasileiros excitados. Enfim, tudo um pouco parecido com o que acontece hoje em dia. Trabalhamos duro em Frankfurt, passamos uns dias em Paris e fomos para Madrid onde pegaríamos o vôo de volta via Ibéria. Havia uma verdadeira multidão (80% eram brasileiros) em frente aos balcões da Ibéria. Mostramos nossa passagem para a atendente, ela olhou no “sistema” e lascou: “vocês não estão no vôo”. E mais não disse. Ou melhor, nem nos olhou, mandou passar o próximo e nós ficamos gritando em vão no meio de uma multidão totalmente indiferente. Começava aí um drama que duraria 50 horas. Ou seja, ficamos mais de dois dias feito zumbis, nos arrastando pelo famigerado aeroporto de Barajas tentando falar com alguém que nos desse atenção. Quando estávamos já praticamente desesperados, definitivamente invisíveis, Deus, na sua infinita bondade nos mandou um anjo salvador; era de Minas Gerais e trabalhava para a legendária Stella Barros Turismo. Penalizada pelo nosso miserável estado de decomposição depois de 50 horas perambulando pelo aeroporto, dormindo nos bancos de madeira, ela milagrosamente conseguiu nos colocar num vôo da Aerolineas Argentinas para Buenos Aires, com escala em Nova York para troca de aeronave. Só que não tínhamos visto para entrar nos EUA. Portanto, quando descemos do avião em NY, fomos levados escoltados diretamente para a emigração e colocados numa espécie de cela guarnecida por um daqueles rapazes afro-americanos, tipo um negrão de 2 metros de altura. Um gentil policial que nos disse com um sorriso sádico: “esperamos que o pessoal da Aerolineas Argentinas venha buscá-los, se não…”. Ficou aquela ameaça no ar. A temperatura era de 2 graus em Nova York. O Peninha e eu estávamos em mangas de camisa, pois ainda fazia calor em Madrid.  O detalhe é que, por coincidência, a sala dos quase-deportados, era o único lugar do aeroporto que não tinha calefação. Passaram-se 10 minutos, meia hora, 1 hora e quando começou a bater o desespero, eis que, como uma visão do paraíso, surgiu uma lourinha de olhos azuis, sorridente, que dirigiu-se a nós numa maravilhoso sotaque portenho: “Vamos?”. E lá fomos nós com as ilusões no ser humano restauradas até beijar o solo abençoado do aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre depois de quatro dias com a mesma roupa, sem banho, sem cama e sem fazer a barba.

Ivan Pinheiro Machado, Mirian Goldfader, Eduardo Bueno e Lais Pinheiro Machado, Paris, 1985 – Foto tirada pouco antes do embarque para Madrid

O Plano Cruzado foi a primeira grande euforia econômica dos brasileiros. Um congelamento artificial paralisou os preços e a economia, depois de uma inflação beirando os aterrorizantes 40% ao mês. Com os preços congelados e o dólar quase um por um, todos viajavam e compravam muito. Mas a alegria durou pouco. Demagógico, improvisado, “a farra” do Plano Cruzado logo começou a fazer água. Desabastecimento, mercado negro, especulação, em pouco tempo tudo voltou a ser como era antes. O monstro inflacionário atacou novamente! Velho Sarney! O périplo de horrores econômicos que vivemos a partir do fracasso do “Plano Cruzado” acabou levando à presidência da república o famoso Fernando Collor de Mello. E esta história todos conhecem; confisco da poupança, corrupção… A curiosidade, que de certa forma é uma fábula deste país, é que, passados mais de 20 anos, Sarney e Collor – um responsável pelo maior índice de inflação da história do Brasil e o outro condenado no processo de impeachment  –  atualmente são senadores, apoiaram Lula apaixonadamente e circulam pelos corredores do congresso como se nada tivesse acontecido.

 
 

5. Frankfurt: onde o mundo dos livros se encontra

Por Ivan Pinheiro Machado*

A Feira Internacional de Frankfurt faz parte da vida dos editores de todo o mundo. Ela funciona no seu atual formato desde o final da Segunda Guerra e é a maior feira de negócios de direitos autorais do planeta. E tradição é o que não falta ao local: foi há poucos quilômetros de Frankfurt, no século XV, que Johannes Gutenberg inventou os tipos móveis, causando a grande revolução da imprensa. A partir do seu invento, os livros e os jornais poderiam ser impressos aos milhares. Mas voltemos à Feira. São mais de 30 hectares de pavilhões interligados por esteiras rolantes onde se reúnem cerca de 7 mil expositores de 200 países. Apesar destes números impressionantes, mais da metade da Feira de Frankfurt é ocupada por seis países: Grã Bretanha, Estados Unidos, Alemanha, França, Espanha e Itália. E destes seis, EUA, Grã Bretanha e Alemanha comparecem com quase 3 mil expositores. Na pré-história, ou seja, na era pré-fax e pré-internet, era lá que se aceleravam os negócios. Até meados da década de 80, seguindo o time dos correios, para adquirir os direitos autorais de um livro, se levava em média uns quatro, cinco meses. Hoje, numa eficiente troca de e-mails com um agente literário, é feita proposta, contraproposta e pode se fechar um negócio numa manhã. Naqueles tempos bem mais vagarosos, nós chegávamos em Frankfurt com a mala abarrotada de contratos e pendências. Era lá que tudo se resolvia. Minha primeira Feira foi em 1976. Naquela época havia sempre um “tema” que concentrava as atividades culturais (a partir de 1990, devido a confusões políticas e religiosas, foram extintos os “temas”, e o centro cultural do evento passou a girar em torno de um país homenageado). Naquele ano, foi “Literatura latino-americana”. Eu tinha 24 anos. Meu amigo Fernando Gasparian, dono da editora Paz e Terra, falecido no ano passado, me apresentou para um jovem e promissor escritor uruguaio, Eduardo Galeano, seu editado. Trinta e dois anos depois, Galeano é uma celebridade internacional e toda a sua obra é agora publicada pela L&PM. “Veias abertas da América Latina”, seu grande bestseller, foi relançado há pouco em versão convencional e pocket, com nova tradução de Sergio Faraco. Lembro muito bem daquela Feira e do grande debate sobre o “Literatura Latino-americana”. Na platéia do enorme auditório, havia mais de duas mil pessoas. Na mesa estavam Mario Vargas Llosa, Gabriel Garcia Marquez, José Donoso, Jorge Amado, Mario Benedetti, Julio Cortázar, Juan Rulfo, Augusto Roa Bastos, entre outros. Jorge Luis Borges declinara do convite porque havia muito comunista…

Vista de um dos pavilhões da Feira de Frankfurt – Foto: Ivan Pinheiro Machado

Hoje, Frankfurt é uma cidade totalmente diferente, com enormes arranha-céus. Tem muito pouco daquela cidade pós-guerra, sequelada pelos bombardeios aliados. Nestes tempos modernos, a balada pós-feira é no lobby do luxuoso hotel Frankfurter Hoff, onde transitam os agentes, editores, candidatos a autores e autores consagrados. É comum, entre uma taça de champanhe Veuve Clicquot  e outra – à bagatela de 20 euros cada taça – , tropeçarmos em algum prêmio Nobel, como a romeno-alemã Herta Muller, Nobel do ano passado que circulava alegremente em todos os lugares de Frankfurt. Depois do advento da internet, a Frankfurter Buchmesse perdeu sua potência, mas não perdeu seu charme e importância. Com a velocidade estonteante das comunicações, os negócios, quando chegamos à Frankfurt, no início do outono europeu, já estão andando ou realizados. Com sorte, descobrimos alguma novidade entre os milhares de livros expostos. Mas é inegável que o contato pessoal ainda é o que nos faz atravessar o oceano e enfrentar os aeroportos insuportáveis. Trocamos e-mails furiosamente durante o ano inteiro com centenas de agentes, editores internacionais e autores. É muito eficiente, mas tudo é muito impessoal. No fundo, nós ainda vamos a Frankfurt para olhar no olho dos agentes e abraçar os velhos amigos, o que (ainda) é impossível fazer pelo Skype…Para ler o próximo post da série “Era uma vez uma editora…” clique aqui.

 

Adeus a Saramago, o único Prêmio Nobel da língua portuguesa

Por Ivan Pinheiro Machado

Aquela quarta-feira de outubro de 1998 parecia uma quarta-feira comum na Feira do Livro de Frankfurt. Os corredores apinhados de editores, agentes e livreiros em geral cumpriam a rotina de vender e comprar livros e direitos de publicação. O segundo andar da ala 5, no enorme espaço destinado às Feiras, era ocupado pelos estandes das editoras espanholas, italianas, gregas, turcas e pelo estande oficial do Brasil que ficava há poucos metros do estande oficial de Portugal. Um espaço bem grande, onde os editores portugueses recebiam seus clientes e amigos.

Estávamos tomando o primeiro café do dia no estande brasileiro, prontos para cumprir uma agenda que inclui uma média de 10 reuniões por dia, de quarta à sábado, quando ouviu-se uma explosão de gritos, risos e assovios vindos do estande ao lado. Parecia gol de Portugal. Os 30 hectares da Feira de Frankfurt, com seus longos corredores acarpetados e suas esteiras rolantes que comunicam os pavilhões, costumam guardar um certo recato silencioso. Negócios de milhões de dólares são sussurrados pelos estandes. Não é comum gritos, assovios, cantorias. Salvo quando um autor é comunicado de que acaba de ganhar o prêmio Nobel.

Enquanto saíamos curiosos de onde estávamos, tivemos tempo de ver um senhor magro e alto ser arrastado em triunfo por uma multidão de conterrâneos emocionados que cantava o hino da Revolução dos Cravos, “Grândola Vila Morena”. José Saramago havia recebido a notícia, coincidentemente no meio dos livros, em território do seu país, na grande feira internacional. A correria foi infernal. Em minutos, centenas de jornalistas, emissoras de TVs, curiosos e seguranças engolfavam o estande português marcado por aquele momento histórico. Todos estavam comovidos, inclusive nós brasileiros e nossa velha língua portuguesa. José Saramago escreveu, entre outros romances, “Evangelho segundo Jesus Cristo”, “A jangada de Pedra”, Ensaio sobre a cegueira”, “Memorial do convento” e o maravilhoso “O ano da morte de Ricardo Reis”.

Hoje pela manhã, enquanto a Sérvia estava prestes a derrotar a Alemanha na segunda rodada da Copa do Mundo, recebi a notícia de que José Saramago morrera na sua cidade de Lazarota, nas Ilhas Canárias, aos 87 anos. É sempre triste receber a notícia da morte de um homem bom. E com José Saramago morreu um símbolo de humanismo, fé na utopia e esperança de um mundo mais justo e igual. Membro do Partido Comunista Português, foi um dos pilares de sustentação intelectual da famosa Revolução de Cravos de 1975, que acabou com a terrível ditadura Salazarista. Aqueles “que são jovens há menos tempo do que nós”, como diz o Anonymus Gourmet, talvez não saibam. Mas não foi pouco acabar com a sanguinária tirania de Salazar, um déspota à altura dos seus piores colegas latinoamericanos da época. E Saramago lutou pelos seus ideais, foi perseguido, preso e, por fim, venceu a ditadura. Morreu fiel a sua utopia, acreditando que era possível haver um mundo melhor do este em que vivemos.

José Saramago recebendo o Prêmio Nobel de Literatura 1998