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“O idiota da família” no jornal O Globo

Leia matéria do jornalista Fernando Eichenberg sobre o lançamento de O idiota da família, escrita diretamente de Paris e publicada no Caderno Prosa e Verso do jornal O Globo em 8 de fevereiro de 2013. Clique nas imagens para ampliá-las.

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‘O idiota da família’: uma vida passada a limpo, por Ivo Barroso

Por Ivo Barroso*

Razão tinha Flaubert quando declarou “Madame Bovary sou eu”. O comportamento dúbio, as reações sentimentais da personagem, seu modo de agir e raciocinar eram todos reflexos de condições psíquicas a que ele se impunha para analisá-las com cuidado e detença. É sabida a morosidade com que compunha seus livros, não só no que respeita à elaboração do estilo, cujas frases revia incansavelmente, mas também no ajuste final de cada gesto e de cada palavra dos seres que animava.

Sua biografia não revela grandes lances: solteirão de muitos amores mas poucas ligações permanentes, arredio da grande cidade, avesso a qualquer tipo de convenções (“As honrarias desonram, os títulos degradam, os empregos entorpecem”), Gustave Flaubert havia se refugiado na literatura, em sua propriedade rural de Canteleu-Croisset, para vencer sua aversão pela tolice humana. Esse recolhimento campestre teve, no entanto, outros determinantes. Flaubert sofria de epilepsia psicogênica, e seu pai, cirurgião-chefe no hospital de Rouen, achou conveniente que o jovem trancasse matrícula no curso de Direito em Paris e se recolhesse à província, onde seria mais bem assistido pela família. Ideal para ele, que só pensava em escrever. Mas alguns infortúnios domésticos iriam marcá-lo: o irmão mais velho, Achille, médico-cirurgião como o pai, acabou louco; a irmã Caroline, por quem tinha manifesta afeição, casou-se em 1845 com Emile Hamard e teve uma filha de mesmo nome, morrendo em seguida; Flaubert assumiu a criação da menina, pois Hamard, desesperado, enlouqueceu após a morte da esposa. O pai, seu grande esteio, morreu no ano seguinte. Restou-lhe a sra. Flaubert, descrita por ele como sua carcereira, confidente, ama, paciente, banqueira e crítica.

Contudo, muitos são os amigos fieis que o cercam, como Louis Bouilhet e Maxim du Champ, este com quem viaja para o Egito, Palestina, Grécia etc., dilapidando boa parte da herança que lhe coubera com a morte do pai. E grande é o número de correspondentes e confidentes, aos quais escreve montanhas de cartas (hoje reunidas em cinco volumes), comentando projetos literários e afãs amorosos. Visto como o “carrasco de si mesmo”, esse cultor do mot juste tornou-se um dos maiores estilistas da literatura francesa do século XIX. Seus livros mais conhecidos (“Salambô“, “Madame Bovary”, “Bouvard e Pécuchet”) trouxeram-lhe grande fama e sucesso financeiro, embora outros, como “A educação sentimental” e “A tentação de Santo Antão” não alcançassem o grande público, e, neste último caso, houvesse até a insistência dos amigos para que o jogasse fora.

Por sua importância literária era natural que Flaubert despertasse a atenção de muitos biógrafos, alguns dos quais da importância de Henry James, Guy de Maupassant, Emile Faguet e Jules Goncourt, interesse que persiste mesmo em nossos dias com a premiada biografia de Frederick Brown (2006).

Em 1971, o filósofo existencialista Jean-Paul Sartre surpreendeu seus leitores com a publicação do primeiro volume de uma biografia de Flaubert intitulada “O idiota da família”. O livro tinha cerca de 1000 páginas, anunciava-se um segundo tomo já para o ano seguinte e havia o plano da publicação de mais outros dois volumes que sairiam em datas não muito distantes. Indagado sobre seu interesse por Flaubert, Sartre respondeu que via nele o seu antípoda, mas que o admirava exatamente por isso, em vez de desprezá-lo. A novidade maior do empreendimento, além de seu indubitável apelo épatant, estava (segundo o autor) na aplicação de um método investigativo que conjugava existencialismo, psicanálise e crítica literária, a fim de tratar o assunto (a vida de um autor) em sua globalidade definitiva. O objetivo foi sem dúvida obtido e a análise de fato vasculha da adega ao sótão, mas depreende-se igualmente da leitura que Sartre quis fazer uma “revisão” completa de Flaubert, como escritor e como ser humano, talvez para “aproximá-lo” um pouco mais de si. Dessa forma, poderíamos imaginar que Sartre quis fazer com Flaubert o que este fazia com seus personagens: incorporar-se neles.

Logo no início, por exemplo, Sartre se vale de um depoimento de Caroline, a sobrinha querida de Flaubert, e embora lhe dê todo o crédito, disseca-lhe as palavras como que para redesenhá-las de modo a que signifiquem a mesma coisa, mas insinuando outras mais. Cada momento da vida de Flaubert é, assim, passado a limpo, ou melhor, reanalisado de modo a aproximá-lo de seu biógrafo, aqui transformado num deus todo-poderoso capaz de reformular o destino. Sem dúvida, um trabalho de amor, de aprimoramento, talvez um impulso de fazer por outrem o que não foi possível (ou desejável) fazer para si mesmo. O resultado final é uma obra-prima do enfoque biográfico, a transformação do reflexo no espelho na imagem mental do refletido. Sartre conseguiu com esta obra assemelhar-se literariamente ao mestre amado a quem odiava no princípio.

*Ivo Barroso é tradutor e poeta

A história e o futuro dos livros de bolso

O Prosa e Verso, caderno de literatura do Jornal O Globo, publicou no sábado, 31 de agosto, uma matéria assinada por Fernando Eichenberg que, diretamente de Paris, conta que os pockets se tornaram um fenômeno na Paris dos anos 60 e que agora seu mercado se encontra em retração. Complementando a matéria, há um texto assinado pelo repórter Maurício Meireles que, durante a Bienal, entrevistou o editor da L&PM, Ivan Pinheiro Machado, sobre como andam os livros de bolso no Brasil. Vale a pena ler:

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