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O rei do pop não poupa ninguém

Sábado, 1º de março, 1980. Victor Bockris telefonou e disse que o jantar com Mick Jagger na casa de William Burroughs estava confirmado. Victor está escrevendo um livro sobre Burroughs. Decidi ficar no escritório e não ir para casa. O motorista não parou no 222 Bowery, estava indo muito depressa (táxi $3). Subimos, eu não ia lá desde 1963 ou 1962. Certa vez foi o vestiário de um ginásio. Não tem janelas. É todo branco e limpo e parece que tem esculturas por toda parte, com aqueles canos daquele jeito. Bill dorme num outro quarto. Não acho que seja um bom escritor, quer dizer, escreveu um único livro, Naked Lunch, mas agora é como se vivesse no passado.

Nem o sisudo William Burroughs escapou da língua afiada de Andy Warhol. No primeiro volume dos diários do rei do pop, o escritor beat é citado três vezes. Sobre o trecho acima, vale comentar que, em 1980, Burroughs ainda não tinha publicado um de seus livros mais reveladores, O gato por dentro (Série Pocket Plus), que traz reflexões e histórias sobre a ancestral relação entre homens e felinos. Nele, Burroughs relembra os gatos que passaram por sua vida, tudo o que fizeram por ele e por sua saúde mental, e parece concluir que, afora as particularidades físicas, pouca diferença há entre humanos e felinos.

O gato por dentro é um livro irresistível, capaz de sensibilizar até o mais exigente dos críticos – principalmente um crítico como Andy Warhol, que amava os bichanos e os retratou em várias de suas obras. Com certeza, se ele tivesse vivido tempo suficiente para ler O gato por dentro, publicado em meados de 1986, pouco antes de sua morte, sua opinião sobre o autor de Naked lunch seria diferente.

As viagens de William Burroughs

William S. Burroughs foi mais longe do que os outros beats. Não que tenha feito mais sucesso, mas viveu mais do que  seus amigos Allen Ginsberg e Jack Kerouac. Morreu de ataque cardíaco em 2 de agosto de 1997 aos 83 anos. Um verdadeiro sobrevivente a oito décadas de vida junky. Se foi para o céu, ninguém sabe, já que além de um séquito de fãs e amigos famosos, seu currículo incluía relações com garotos menores de idade e o assassinato da esposa (que ele matou sem querer ao brincar de Guilherme Tell).

Dois anos após a controversa morte acidental da mulher, que aconteceu em 1951, Burroughs se lançou em uma viagem pelo Peru e Colômbia, em busca do yage, ou ayahuasca, uma droga usada pelos índios da nascente do rio Amazonas à qual se atribuem poderes sensoriais e anestésicos. Dessa aventura, nasceu Cartas do yage, que traz a correspondência trocada entre ele e Allen Ginsberg. A seguir, alguns trechos:

Querido Al:

De volta a Bogotá. Tenho um caixote de yage. Tomei-o e sei mais ou menos como é preparado. Outra coisa, talvez você veja minha foto no Exposure. Encontrei um repórter chegando quando estava saindo. Certamente veado, mas tão degustável quanto um cesto de roupa suja (…) Todas as noites vou a um bar, peço uma garrafa de Pepsi e derramo dentro um pouco de álcool do laboratório. (…) Fui roubado outra vez. Meus óculos e meu canivete. Perdendo todos os meus fodidos valores em serviço. Esta é uma nação de cleptomaníacos. Em toda minha experiência como homossexual, nunca tinha sido vítima de roubos tão idiotas de artigos sem uso possível para outra pessoa. Até agora, óculos e cheques de viagem. O problema é que compartilho com o falecido padre Flanagan, o da Cidade dos Meninos, da profunda convicção de que não existem garotos maus. Tenho que largar a droga. Minhas mãos tremem tanto que mal posso escrever. Preciso parar.

Amor,
Bill

William Burroughs adorava armas e gatos

De William Burroughs, além de Cartas do yage, a Coleção L&PM publica O gato por dentro.