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Crônica de Martha Medeiros é tema de redação do vestibular da UFRGS

O tema do ano da prova de redação do vestibular da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), aplicada na segunda-feira, 8 de janeiro, foi um texto de Martha Medeiros, Pai da Pátria, publicado em agosto de 2017 na Revista Donna, do Jornal Zero Hora, e que estará no próximo livro de crônicas da escritora s ser publicado pela L&PM em 2018.

“Quem me dera ser crédula, confiante. Do tipo que admite estarmos em meio a uma crise medonha, mas que dela brotará um Estado maior, melhor. Já fui assim otimista, mas o tempo passou e me cobrou alguma lucidez e coragem para encarar a realidade”. (Trecho de Pai da Pátria)

Na prova, foi solicitado que os candidatos escrevessem sua opinião sobre o texto, posicionando-se contra ou à favor do que Martha Medeiros escreveu. O enunciado pedia, inclusive, que os candidatos escrevessem como se a própria autora fosse ler a resposta, para que ela entendesse claramente o posicionamento adotado.

“É um grande prestígio. Tenho a impressão de que deve ter sido muito bacana para eles, pois não precisam falar sobre o que eu falei, e sim sobre o que eles pensam do assunto, muito atual, com suas próprias palavras.” declarou a cronista ao jornal Zero Hora em matéria publicada no dia seguinte à prova do vestibular.

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Nós, que contamos histórias

Luís Augusto Fischer*

Atenção, muita atenção: livro imperdível na praça, para qualquer leitor interessado em viajar pelos motivos mais profundos da existência da literatura. Livraço, massagem no cérebro, alargamento de horizontes. E tudo isso numa forma de ensaio relativamente livre, que combina otimamente com a matéria. Ainda não disse nem nome, nem título: é A Espécie Fabuladora (com o subtítulo que não é um exagero: Um Breve Estudo sobre a Humanidade), de Nancy Huston, editado pela L&PM com tradução de Ilana Heineberg – e minha primeira sugestão de compra na Feira que vem vindo aí. O livro é uma paciente (embora breve) indagação sobre a força da literatura enquanto uma marca da natureza humana. Somos a única espécie da natureza que sempre se conta histórias; não há grupo humano, de qualquer espaço ou época, que não tenha criado e mantido um conjunto de relatos para explicar o mundo, organizar a vida e transmitir o sentido das coisas aos que vêm chegando. A autora, romancista consagrada (li dela o belo e pungente Marcas de Nascença, também editado pela L&PM), passeia por vários dos argumentos que o senhor e eu alguma vez até já vimos ou ouvimos em torno do tema; mas ela costura tudo por um interesse bem pessoal, que nos aproxima do tema de modo irresistível: conversando sobre literatura com presidiárias, ouviu de uma delas uma pergunta perturbadora: “Para que inventar histórias quando a realidade já é tão extraordinária?”. Aí é que tá: a escritora não apenas aceitou a provocação como encontrou um caminho argumentativo singular e eficaz, que mostra a força da narrativa, para o bem da espécie, como se pode ver nos incontáveis relatos existentes, mas para o mal também, como ocorre com aqueles leitores de um único livro ou, pior ainda, com aqueles leitores que tomam certos relatos como de origem divina e por isso como mandatos, não raro como álibi para matar. Nancy Huston, sem doutrinarismo algum, olha as coisas como uma humanista radical, que concebe a figura divina desde que esta também seja compreendida como criação humana – uma perspectiva freudiana arejada. O texto termina com uma defesa do romance que é um refrigério para a alma de leitores em pânico, como é meu caso, de vez em quando, ao constatar o avanço da imagem e da instantaneidade sobre e contra a palavra e a reflexão: o objetivo da ficção literária chamada romance não é ser mais forte que a realidade, mas sim fornecer outro ponto de vista sobre ela – ele não quer ensinar o certo e o errado, como fazem as ficções familiares, religiosas e políticas, mas sim mostrar a verdade dos seres humanos, “uma verdade sempre mista e impura, tecida de paradoxos, questionamentos e abismos”. Assim simples.

* O texto acima foi originalmente publicado na coluna de Luís Augusto Fischer no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora de 26 de outubro de 2010.