A morte do rebelde e maldito Arthur Rimbaud

Em 1891, após uma sofrida viagem de navio até Marselha devido a dores insuportáveis em sua perna direita, Arthur Rimbaud decide procurar ajuda num hospital local. Ao ser examinado, a reação dos médicos foi alarmante:

Os médicos a serviço do dr. Antoine Trastoul, um senhor de quarenta anos, as enfermeiras e as freiras ficaram atônitos. Nunca viram um membro tão putrefato, tão monstruoso. A perna parece uma enorme e aterrorizante abóbora. E crescerá ainda mais, sem a menor dúvida, caso não realizem a amputação o mais rápido possível.

Como de costume, Rimbaud lamenta sua infelicidade em cartas à mãe e à irmã, Isabelle. Do hospital onde ficara internado, ele escreve uma carta pedindo que venham visitá-lo. Em 27 de maio, sua perna é amputada rente ao tronco. A cirurgia transcorre bem e a recuperação é rápida. Após receber alta, ele providencia uma perna mecânica e decide voltar a morar com a família, que não vê há dez anos, em Roche. Comunica sua volta por meio de uma carta a Isabelle, que promete esperá-lo na estação de Voncq.

Durante a viagem de trem, a cicatriz da cirurgia que parecia resolvida volta a incomodá-lo. Mas ao chegar à estação , o reencontro com a irmã o faz esquecer qualquer sofrimento. Ela já não é mais aquela adolescente apagada e quieta de quem ele se lembrava, mas sim uma mulher de 30 anos, forte e ao mesmo tempo doce e amável, que decorou o quarto do irmão com “cortinas novas, tecidos finos de algodão e graciosos buquês e flores”.

Apesar do esforço de Isabelle, as limitações físicas impostas pela perna amputada e o retorno às lembranças de infância transformaram a estadia num verdadeiro inferno, como descreve a biografia de Rimbaud, publicada recentemente pela L&PM:

O fato é que ele não tem o que fazer em Roche, nesse vilarejo perdido das Ardenas, a que chamam de Terra dos Lobos, a não ser passear seu enfado e sua tristeza, uma tristeza mortal, e ficar deitado no quarto durante longas horas olhando para o vazio, remoendo remorsos, lembranças de infância e pensamentos funestos. (…) Já não suporta mais a luz do dia. É preciso fechar as venezianas, deixar a porta do quarto sempre encostada. O pior é que volta a sentir dores no coto e na virilha. De início, pensa que deve ser por causa da perna artificial comprada em Marselha e toma todas as providências para substituí-la. No entanto, por mais que consulte os médicos da região e de Charleville, por mais que tome as medicações que lhe são prescritas, que recorra a “um simples remédio de benzedeira”, a chás de papoula, a óleos e massagens, continua sofrendo muito. Isso desencadeia crises de desespero, lágrimas, ataques de raiva, cóleras, gritos, xingamentos, blasfêmias, noites intermináveis de insônia… E o leva a persuadir-se de que o único remédio capaz de atenuar suas dores horríveis seria volta a viver em Harar.

Ele decide ir embora e Isabelle o acompanha. Mas a viagem de volta é ainda mais estafante e cruel. A cada trepidação do trem, ele se contorce, aperta o coto com força e geme. Nenhuma posição lhe parece confortável: costas, ombros, braços e principalmente o coto são “pontos terrivelmente dolorosos”. Mas ele insiste em continuar a viagem. A febre o faz delirar, rir e chorar. Quando dá por si novamente, está de volta ao hospital onde amputara a perna. Os médicos se supreendem ao vê-lo de novo e num estado ainda pior do que o encontraram da primeira vez. O câncer se espalhara e Rimbaud está condenado.

Seu tumor cancerígeno, uma espécie de saco pútrido inchado que se estende do quadril até a barriga, atrai agora curiosos do hospital. Os visitantes, os outros pacientes e os médicos que passam por seu quarto “ficam mudos e aterrorizados diante desse câncer estranho”. É como se estivesse diante de uma monstruosidade de circo.

A pedido de Isabelle, católica fervorosa, Rimbaud, que era ateu convicto, chega a se confessar com um padre. Não apenas para agradar a irmã, mas pela última esperança de que alguma força superior possa curá-lo.

Mas não houve santo capaz de mudar o destino daquele homem de apenas 37 anos que, adolescente, havia escrito poemas geniais e inigualáveis. Em 10 de novembro de 1891, por volta das duas da tarde, Arthur Rimbaud morreu. Seu estado de saúde e as sucessivas viagens o impediram de receber uma notícia que talvez tivesse ajudado a melhorar seu estado de saúde ou que, pelo menos, lhe garantiria um fim mais digno: apenas três dias antes, era publicado em Paris pelo editor Léon Genoceaux um livro de 180 páginas reunindo seus poemas sob o título de Reliquaire e que ele havia escrito entre 1869 e 1872.

Para conhecer os detalhes da vida de um dos maiores poetas que o mundo já viu, leia o volume Rimbaud da Série Biografias. E não deixe de conhecer também seus poemas, aqui em edição bilíngue:

Rebeldes_e_Malditos_Rimbaud

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