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Adeus, Ruth Rendell

Ruth-Rendell-750495“Eunice Parchman matou a família Coverdale porque não sabia ler nem escrever” – assim começa Um assassino entre nós, livro de Ruth Rendell, escritora britânica que morreu na manhã do último sábado, 2 de maio, aos 85 anos em Londres.

E se a frase inicial do livro é tão marcante a ponto de um leitor jamais esquecê-la, sua autora é ainda mais inesquecível para os que conhecem suas tramas policiais repletas de enredos surpreendentes. “Acho que consigo fazer com que os leitores queiram virar as páginas”, disse ela em entrevista ao The Guardian em 2013. E realmente é impossível parar de ler um livro seu – até mesmo quando você sabe o nome do assassino e seu motivo desde a primeira linha, como é o caso de Um assassino entre nós.

Autora de mais de 60 romances, a escritora deu vida ao inspetor-chefe Reginald Wexford. “Ele é mais ou menos eu, embora não inteiramente. Wexford partilha as minhas opiniões basicamente na maior parte das coisas, por isso colocá-lo na página é relativamente fácil” declarou ela em 2013.

Quando trabalhava como jornalista em Essex, no Reino Unido, Ruth foi encarregada de fazer uma reportagem numa casa considerada mal assombrada e, na matéria, inventou ter visto o fantasma de uma idosa. E ao escrever sobre um jantar em um clube de tênis não mencionou que o orador convidado havia morrido em meio ao seu discurso, simplesmente porque ela não estava lá como deveria. Depois disso, desistiu do jornalismo, mas não da ficção. Só que demoraria 20 anos para publicar seu primeiro livro, tempo em que ficou cuidando do filho e escrevendo sem mostrar a ninguém.

A obra de Ruth Rendell foi traduzida para mais de 20 idiomas e alguns dos seus romances foram adaptados para o cinema, entre eles Carne trêmula, filmado em 1997 por Pedro Almodóvar.

Além de Um assassino entre nós e Carne trêmula, a Coleção L&PM Pocket publica, de Ruth Rendell, Unidos para sempre e Uma agulha para o diabo e outras histórias

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Uma pequena leitura de “A pele que habito”

Por Paula Taitelbaum*

Seriam os cirurgiões plásticos os Doutores Frankensteins da nova era? No lugar de juntar pedaços, agora eles mudam, moldam, delineiam, esculpem… Usam os corpos como matéria-prima de sua arte. Criam novas existências. Dão vida a novas experiências.

Em “A pele de habito”, novo filme de Pedro Almodóvar, o Dr. Robert Ledgard é um cirurgião plástico incansável na busca pela perfeição. Seu objetivo, no entanto, vai muito além do que apresenta a sinopse dos jornais: “Cirurgião plástico cria uma pele sintética que resiste à qualquer dano”. O Dr. Ledgard quer e faz muito mais do que isso. Mas não condene os jornalistas pelo simplismo de seus story lines, pois resumir esta trama de Almodóvar é praticamente impossível.

Mas voltemos ao médico em questão. Consumido por um sentimento de vingança, o Dr. Ledgard dá início a um trabalho que realmente o faz virar uma espécie de Dr. Frankenstein. Ele cria um monstro que passa a habitar sua mente e o consome de paixão. Por fim, torna-se o Deus de sua amargura. Infeliz e solitário em seu castelo high tech.

Como sempre, ninguém no filme de Almodóvar é menos do que intenso. Tão dramático quanto uma novela mexicana – e totalmente genial em tornar seus exageros factíveis – o diretor espanhol vai e volta no tempo, dançando entre os anos 2000 e 2012 (vez por outra vai mais longe do que isso). Sem deixar nenhuma cicatriz em seu roteiro, ele costura as cenas com a maestria de um cirurgião das películas.

No final, a nós meros espectadores, resta a certeza de que não gostaríamos de habitar a pele de nenhum dos personagens criados por Almodóvar. Ao mesmo tempo, sabemos que o mundo não seria tão interessante sem eles (talvez nem tão bizarro). Portanto: Ave Almodóvar!

Antonio Banderas vive o Dr. Ledgard, uma espécie de Frankenstein moderno

* Paula Taitelbaum é escritora, coordenadora do Núcleo de Comunicação L&PM, fã de Pedro Almodóvar e assistiu “A pele que habito” em sua pré-estreia.