29. “Revista Oitenta”: histórias do jornalismo utópico

Por Ivan Pinheiro Machado*

A Revista OITENTA foi uma publicação cultural da L&PM Editores que circulou nacionalmente entre o final da década de 70 e meados da década de 80. Inspirada num clássico da época – a Granta Magazine inglesa – tinha cara de livro e edição de revista. Os ensaios, artigos, entrevistas, resenhas de livros, quadrinhos publicados na Oitenta, traziam a marca do novo, do revolucionário, do singular. Sua presença foi marcante e aqueles que a conheceram não esquecem. Foram 9 volumes. O primeiro foi lançado em setembro de 1979 e o último em setembro de 1984.

Quando concebemos o projeto e o nome, tínhamos a intenção de celebrar a nova década que, segundo se previa, seria a década da ressurreição do país; democracia, liberdade, progresso social e econômico. Os anos 70 terminavam sem deixar saudades. O país preparava-se para mudar. José Antonio Pinheiro Machado, meu irmão, morava em Roma naquela época. Ele era o entusiasta principal do projeto da revista-livro. E numa longa e intensa troca de cartas, nós fizemos o projeto, a pauta e colocamos de pé o primeiro número em setembro de 1979.

Tal foi a repercussão do primeiro volume, que decidimos comemorar o lançamento do volume 2 com uma grande festa de réveillon. Durante muito anos, setores da  inteligentzia portoalegrense relembrariam o fantástico réveillon “Revista 80”, realizado no inesquecível bar “Doce Vida”, na rua da República, primeiro boteco-ícone do bairro Cidade Baixa de Porto Alegre, hoje a meca da boemia local. Neste copioso réveillon, foram destruídos casamentos sólidos, foram bebidas mais de 2 mil garrafas de cerveja, 600 garrafas de champanhe e, às 10 horas da manhã, ainda se comemorava a entrada da nova década que, certamente, seria a porta dourada do futuro. Nosso e do país.

Pela revista OITENTA passaram todos os grandes intelectuais da época. Aquela que Millôr considerava sua melhor entrevista foi publicada em Oitenta. Fellini, Josué Guimarães, Woody Allen, Simenon e muitos outros falaram para a OITENTA. Umberto Eco pré-Nome da Rosa, estreou no Brasil, via Revista OITENTA. Éramos 6 editores, o José Antonio Pinheiro Machado, o Paulo de Almeida Lima, o José Onofre, o Eduardo “Peninha” Bueno, o Jorge Polydoro e eu.

Os seis primeiros volumes da Revista Oitenta

A revista acabou, como tudo acaba. A utopia de uma publicação ousada e eminentemente cultural, sustentada somente pelo leitor, naufragou com o fim das ilusões. As nossas vidas e o país mudaram. Veio a democratização e o que se viu foi um país destroçado pelo projeto fracassado da ditadura. O começo da década que nós celebramos numa festa sem fim naquele réveillon de 1980 foi o contrário do que imaginávamos. A tão sonhada década de ouro virou historicamente a famosa “década perdida”. Inflação, hiper-inflação, corrupção, foram as marcas da volta do país à democracia. O presidente Tancredo, no qual o Brasil acreditava, adoeceu antes da posse. E nós herdamos a era Sarney. E como se não bastasse, ainda teríamos Collor no réveillon de 1990…

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o vigésimo nono post da Série “Era uma vez… uma editora“.

2 ideias sobre “29. “Revista Oitenta”: histórias do jornalismo utópico

  1. Nathalia

    Parece ter sido uma publicação muitomuito interessante, por que vocês não lançam em livro :)? Como a Desiderata fez com o Pasquim…

    Responder

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