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Depois de ser Michael Jackson, Machado de Assis vira Morgan Freeman

Por Paula Taitelbaum*

A Caixa Econômica Federal refilmou o comercial em que Machado de Assis aparecia tão branco quanto o Michael Jackson. Mas parece que agora, talvez para evitar novos protestos, o pessoal não teve dúvida: escolheu um ator negro. Não mulato, como  Machado era de fato – filho de mãe açoriana com pai também mulato -,  mas preto mesmo, da cor do Morgan Freeman. Aliás, se o novo Machado da Caixa tivesse talento, a gente até poderia dizer que ele era uma versão brasileira do oscarizado ator norteamericano. Mas o coitado parece ter sido dublado pelo ex-presidente Lula: tem a língua presa! Alguém sabe me dizer se Machado de Assis tinha a língua presa? Sei que ele era epilético, mas nunca ouvi nada a respeito de problemas de fala.

A iniciativa da Caixa Econômica Federal de, nos seus 150 anos, fazer uma campanha publicitária embasada na  história, com certeza é elogiável. Resgatar episódios e personagens do Brasil é um gesto nobre. O problema é que, em suas produções de apelo histórico, a Caixa (na verdade, a agência de propaganda que criou os roteiros), não parece ter se preocupado muito com os detalhes. Fora o caso da cor do nosso maior escritor (branco demais, preto em exagero…), há outros deslizes que, para um espectador desavisado, acabam passando despercebidos. Mas que, na verdade, fazem toda a diferença.

Por exemplo: a data que aparece no início do comercial é “Setembro de 1908”. Basta consultar qualquer biografia básica de Machado de Assis (até a Wikipedia!) para descobrir que ele morreu em 29 de setembro daquele ano e que, no mês anterior,  já estava convalecendo em casa. Em setembro de 1908, o escritor jamais iria à Caixa fazer depósito em sua caderneta de poupança. Aliás, para que ele guardaria dinheiro se já suspeitava que iria morrer (tanto era assim que escreveu cartas de despedida aos amigos)?

Mais uma coisa: a cena que mostra ele escrevendo seu testamento também é uma falácia. A caderneta de poupança de Machado estaria na primeira versão de seu testamento, escrito em junho de 1898. E mesmo que essa cena se referisse ao seu último testamento, datado de 1906, a impressão que temos é de o episódio mostrado se passa também em 1908.

Mesmo com licenças poéticas, estes são detalhes que não deveriam e não poderiam ter passado despercebidos por uma instituição do porte e da importância da Caixa Econômica Federal. Até porque, no lugar de servir de exemplo para os alunos de nossas escolas, o banco vai acabar sendo motivo de piada dentro da sala de aula. Isso se o pessoal perceber os erros, é claro.

Leia também o meu post anterior: “O dia em que Machado de Assis virou Michael Jackson“.

* Paula Taitelbaum é escritora e coordenadora do Núcleo de Comunicação L&PM.

O dia em que Machado de Assis virou Michael Jackson

Por Paula Taitelbaum*

Já faz uns dias que todos nós acompanhamos o caso do Machado de Assis pintado de branco pela Caixa Econômica Federal. Pobre Machado: sem querer, virou Michael Jackson. Num misto de desleixo e ignorância (talvez mais ignorância do que desleixo), uma das maiores instituições públicas do país cometeu uma gafe de proporções homéricas. Pura estupidez humana. E põe humana nisso, já que a fila de gente que aprovou o casting, acompanhou as filmagens e deu ok ao produto final não deve ter sido pequena. Se pensarmos que envolveu a direção e o marketing da Caixa Econômica Federal, a criação e o atendimento da agência de propaganda (no caso a BorghiEhr/Lowe) e o pessoal da produtora de vídeo (a conceituada Conspiração Filmes), a conta, por baixo, soma umas cem pessoas. Será que ninguém destes leu sobre a vida de Machado (melhor nem perguntar se leram a obra de Machado)? Como assim?

Eu confesso que não assisti ao comercial no ar, vi agora há pouco, pelo Youtube. O ator escolhido é de uma brancura rinso constrangedora. Só falta ter olho azul! Bastaria trocar a assinatura final para virar comercial de OMO: “Fizemos o teste: deixamos  Machado de molho e removemos até as manchas mais difíceis!”.

Caixa Econômica Federal e todos os envolvidos são culpados. Não há perdão para eles. Até porque não é apenas uma questão de valorização dos negros, mas de verdade histórica.

No final, entre comerciais mortos e contas bancárias feridas, vejo algo de positivo no ar. Pense bem: fazia tempo que o povo não falava tanto em Machado de Assis. E, pelo menos agora, as pessoas vão saber que, em uma de suas fotos mais famosas, clicada por ninguém menos do que o célebre Marc Ferrez, Machado não estava bronzeado. Ele era mulato. Que o erro, afinal, sirva de lição.

A L&PM publica todos os romances de Machado de Assis na Coleção Pocket e produziu um documentário sobre o escritor para a L&PM WebTV.

* Paula Taitelbaum é escritora e coordenadora do Núcleo de Comunicação L&PM.