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Uma mineral com gás para Moebius

Por Ivan Pinheiro Machado*

O Maxim’s era um restaurante que causava furor no Rio de Janeiro. Plantado no alto da torre do Rio Sul em Botafogo, aliava à lenda parisiense uma vista paradisíaca. Era difícil conseguir reserva no Maxim’s. Como seu homônimo francês, era o preferido dos ricos e famosos. Jean Giraud, dito Moebius estava sentado diante de mim e do adido cultural francês. Eu estava um pouco nervoso. O consulado da França no Rio havia transmitido um convite a mim, pois Moebius gostaria de almoçar com seu editor brasileiro. Estava no Rio como convidado e estrela da Bienal de Quadrinhos que realizava-se na Fundição Progresso na Lapa. Nos encontramos pontualmente às 13h. Era primavera de 1991 e a L&PM Editores havia publicado em sua saudosa coleção de álbuns de quadrinhos dois clássicos seus, “Major fatal” (1988) e “O Homem é bom?” (1984).

Os títulos de Moebius publicados pela L&PM Editores

Moebius estava além do seu tempo. Seus personagens intrigantes erravam por paisagens estranhas, planetas, cidades futuristas e desertos improváveis. Publicamos na década de 80 do século passado as histórias que nos fascinaram nos nossos vinte anos. Vários episódios de “A Garagem Hermética de Jerry Cornelius” estavam impressos em “Major fatal”. Delirantemente fantásticas, suas histórias fizeram com que eu imaginasse que iria encontrar um personagem inquieto, falador, messiânico. Quando fui apresentado a ele pelo adido, o que vi foi um homem discreto, com um ar clássico de intelectual francês. Estava curioso para saber o que editávamos (naquele tempo não tinha internet, Google, estas coisas que acabaram com os mistérios). Lembro que me achou muito jovem para ser um editor e ficou impressionado por editarmos “Valentina” de Guido Crepax e “Corto Maltese” de Hugo Pratt. Estava fascinado com a beleza  do Rio de Janeiro, cuja baía da Guanabara se descortinava aos nossos pés sob um sol feérico. A vista que os janelões do Maxim’s nos proporcionavam era verdadeiramente deslumbrante. Enfim, rapidamente fiquei à vontade diante daquele homem modesto, simpático e introvertido. Guardo daquele agradável encontro de almoço a imagem dos seus óculos redondos e do seu pedido de “uma água mineral com gás” como bebida. Nem parecia o super star dos quadrinhos; o genial inspirador de Ridley Scott em “Alien” e “Blade Runner”, o colaborador da lendária revista “Metal Hurlant”, aquele que era considerado um dos maiores e mais premiados desenhistas do mundo.

No sábado, 10 de janeiro, ele morreu aos 73 anos. Ao saber da notícia abri meu velho exemplar da “Garagem Hermética”. Fiquei imaginando o silencioso Moebius flutuando nos seus mundos pós-galáticos e fui invadido por uma sincera melancolia ao perceber o vazio real que fica quando um grande criador se vai.

*Ivan Pinheiro Machado é editor