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Quadro de Modigliani vendido por mais de R$ 600 milhões, um dia já causou escândalo e foi chamado de porcaria

170,4 milhões de dólares – cerca de 647,2 milhões de reais, foi o preço pago pelo quadro “Nu Couché” (Nu Deitado), de Amedeu Modigliani, arrematado nesta segunda-feira, 9 de novembro, pelo multimilionário chinês Liu Yigian em um leilão da Christie’s.

O nu de Modigliani arrematado em leilão por mais de R$ 600 milhões

O nu de Modigliani arrematado em leilão por mais de R$ 600 milhões

Mas quem diria que esse mesmo quadro, em dezembro de 1917, foi um dos que foram chamados de “porcaria” por um comissário de polícia que ficou chocado com os nus do pintor na vitrine e interior de uma conhecida galeria parisiense. Organizada pelo poeta polonês Leopold Zborowski, amigo e marchand de Modigliani, uma exposição individual na Gallerie Berthe Weill deveria acontecer entre os dias 3 e 30 de dezembro daquele ano, mas acabou durando apenas um dia por causa do escândalo. Nu Couché era uma dessas pinturas.

Material da exposição com texto do poeta Blaise Cendrars

Material da exposição com texto do poeta Blaise Cendrars

Leia o trecho do livro Modigliani, de Christian Parisot (Coleção L&PM Pocket Biografias) que conta como tudo aconteceu:

biografiamodiglianiZborowski tivera a boa ou má ideia de colocar na vitrine dois nus para atrair os visitantes. Escândalo fenomenal! Berthe Weill o relata em seu livro de memórias. No domingo 2 de dezembro, haviam sido pendurados os suntuosos nus de Modi na galeria e dois então na vitrine. Na segunda-feira dia 3, às catorze horas: vernissage. Como de hábito, a Srta. Weill enviara convites a todo um grupo de conhecedores especialmente escolhidos. Amantes das artes, colecionadores, mas também cronistas, críticos, pintores, personalidades. Por volta das quatro horas, com o dia terminando, a galeria é iluminada. Intrigado em ver tanta gente dentro da loja, um transeunte para, depois dois, depois três. Uma multidão de simplórios brincalhões se amontoa, logo atraindo os burgueses que se desviam de seus caminhos para informar-se sobre o objeto desse ajuntamento. Nunca os escândalos artísticos precedentes, e Deus sabe quantos houve, os chocaram tanto!

Afronta ao pudor! Ultraje aos bons costumes! Crime de leso-transeuntes bem-pensantes e intransigentes sobre as leis imutáveis do que eles decretaram que deviam ser as boas maneiras! Alarmado com a aglomeração, o vizinho da frente, que não é outro que o comissário Rousselot, superintendente do bairro, fica perturbado:

– O que é isto? Um nu!

Um nu está colocado bem em frente a sua janela. Ele envia um agente à paisana:

– O senhor comissário ordena que você retire este nu.

– Ora! Por quê? – surpreende-se Berthe Weill.

Acentuando, num tom mais alto, o agente acrescenta:

– O senhor comissário ordena também que você retire este.

Nem Berthe Weill nem os convidados entendem, mas os dois quadros são retirados da vitrine. Lá fora, a multidão cada vez mais densa fica agitada. Temendo um motim, o comissário envia seu agente novamente:

– O senhor comissário roga-lhe que suba.

– “Roga-lhe” é melhor, mas você vê, não tenho tempo – observa a proprietária da galeria.

Subindo o tom, o agente insiste:

– O comissário roga-lhe que suba.

Atravessando a rua sob as vaias e gracinhas da multidão, Berthe Weill resolve subir até o comissário:

– O senhor pediu-me para subir?

– Sim! E eu ordeno que você retire todas essas porcarias! – diz ele num tom de estranha insolência que não tolera réplica.

– Mas há conhecedores que não têm essa opinião… – arrisca timidamente a infeliz galerista, intimidada pela irritação do comissário. – Mas o que têm esses nus?

– Esses nus! Eles têm PELOS! – berra então o comissário, com uma voz estrondosa e os olhos esbugalhados.