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John Fante, uma das paixões de Bukowski

Um dia, quando o velho Bukowski ainda era o jovem Bukowski, ele encontrou uma velha edição de Pergunte ao pó, de John Fante, na Biblioteca Pública de Los Angeles. Segundo suas próprias palavras, foi “ouro no lixo”. Bukowski apaixonou-se pelo personagem de Fante, Arturo Bandini, um aspirante a escritor sem recursos que mora em motéis baratos, passa fome e se embebeda sempre que pode. Foi a inspiração que faltava para Bukowski seguir o caminho de uma literatura visceral, de humor ácido e carregada de passagens autobiográficas. No artigo “Eu conheço o mestre”, que está em Pedaços de um caderno manchado de vinho, Bukowski conta com detalhes como descobriu “John Bante” – assim mesmo, com “B”, numa escrachada brincadeira ou talvez para mostrar que o seu Johh Fante era diferente, era só dele:

Nessa tarde eu matava o meu dia com o costumeiro baixar de livros das prateleiras, o abrir de páginas, ler uma ou duas de cada volume, devolvê-los aos seus lugares. Bem, peguei mais um. Sporting Times? Yeah?, de um tal John Bante. Abri numa das páginas, esperando o de sempre, mas as palavras, sim, as palavras pularam sobre mim, assim mesmo. Saíram do papel e me perfuraram. As palavras eram simples, concisas, e falavam de alguma coisa que estava acontecendo agora! Até mesmo a fonte parecia diferente. As palavras era legíveis. Havia alguns espaços e então mais palavras. As palavras eram quase como uma voz na sala. Peguei o livro e fui me sentar a uma mesa. Cada página era poderosa. Não podia acreditar naquilo. Era como se as páginas fossem pular do livro e começar a caminhar por ali, voar ao meu redor. Possuíam uma força notável, um realismo total. Por que esse homem nunca tinha sido mencionado antes? Eu também estava lendo crítica literária, Winters, todos aqueles vigaristas, os queridinhos da Kenyon Review e da Sewanee Review, e nunca haviam mencionado este homem. O mesmo ocorreu nos meus dois anos de coma profundo no LA City College, nem uma menção sequer.

Ergui os olhos da minha mesa. Bem, não era minha, pertencia à cidade, aos contribuintes, e eu não podia me enquadrar nessa categoria. Mas eu tinha o livro de John Bante diante de mim e eu olhava para as pessoas nas outras mesas, para as pessoas que caminhavam por ali ou que estavam apenas sentadas, muitos vagabundos como eu e nenhum deles sabia sobre John Bante… ou teriam começado a brilhar, a se sentir melhor, não teriam se importado em ser o que eram ou que deveriam ser.

John Fante era filho de imigrantes italianos pobres e toda a sua literatura estava ligada às suas origens. Mas assim como o seu personagem, Bandini, Fante não teve o devido reconhecimento em vida e trabalhou durante 40 anos como roteirista em Hollywood. Sua trajetória só começaria a mudar a partir dos anos 1980, quando a Black Sparrow Press, editora dos livros de Bukowski, tirou Pergunte ao pó do limbo. Foi a vez do discípulo salvar o mestre. Fante morreria em 8 de maio 1983, já cego devido ao diabetes. Dele, a Coleção L&PM Pocket publica 1933 foi um ano ruim e Sonhos de Bunker Hill.

fante

Bukowski no novo livro de David Coimbra

Neste sábado, 2 de novembro às 19h, David Coimbra autografa na Feira do Livro de Porto Alegre. As velhinhas de Copacabana e outras 49 crônicas que gostei de escrever, seu novo livro, traz textos que oferecem a experiência genuína, gratificante e insubstituível do prazer da leitura. Entre o mais variados temas das crônicas, até Bukowski está presente:

O velho Buk

Lembro bem quando me caiu nas mãos o meu primeiro Bukowski.

Cartas na rua.

Li aquilo e fiquei pensando: então alguém escreve assim! Alguém que faz a história escorrer página abaixo e faz com que ela penetre aravés dos poros dos dedos do leitor e logo a história já se lhe infiltra nas veias e lhe toma o corpo e a mente e o leitor é tomado, como se lhe atacasse a Bolha Assassina.

Ah, o Velho Buk não era como aqueles estilistas nacionais, chatos para parecer profundos.

Como há desses por aqui, Deus! No colégio, uma vez eles me vieram com O tronco do ipê.

Cara, foi uma dor ler O tronco do ipê.

Todas aquelas mocinhas que enrubesciam ao ver os rapagões cofiando os bigodes.

Passei a odiar personagens que cofiam.

Um personagem simplesmente não pode cofiar.

Sobre o que se trata O tronco do ipê? Quem é mesmo o maldito autor de O tronco do ipê? Não faço ideia.

Só sei que nunca mais quero ler O tronco do ipê, nem nada que seja remotamente parecido.

Mas o velho Buk não tinha nada disso.

O velho Buk escrevia sobre pessoas de verdade, que não falam por mesóclise.

Bem.

Tempos depois, alguém me disse, acho até que foi meu amigo Sérgio Lüdtke:

– Todas as pessoas precisam ler o John Fante!

Uau! Era importante aquilo. Fui ler o John Fante. Pergunte ao pó.

Mal abri o livro e com quem deparo na apresentação? Ele: o Velho Buk. E o Velho Buk dizia ali, sobre o John Fante, o que eu dizia sobre o Velho Buk: que John Fante escrevia com as entranhas.

Bukowski confessou ter se apaixonado de tal forma pelo personagem de Fante, um candidato a escritor chamado Arturo Bandini, que , certo dia, ao discutir com uma de suas ex-mulheres, brandou:

– Não me trate assim! Eu sou Arturo Bandini! Eu sou Arturo Bandini! Eu sou Arturo Bandini.

Gostaria de poder dizer isso.

Porque Arturo Bandini era um homem de verdade, que cedia aos seus desejos, sem ceder à sua integridade. E é disso que o mundo precisa: de pessoas que saibam aproveitar a vida sem se aproveitar das outras pessoas.

(Crônica de As velhinhas de Copacabana, de David Coimbra)

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