Arquivo mensais:dezembro 2010

Esporte & arte, cada um no seu lugar

David Coimbra – que honra esta casa como autor – fez uma brilhante reflexão sobre esporte & arte. A chamada “mídia ligeira” às vezes confunde  um e outro. David coloca as coisas nos seus devidos lugares. Veja abaixo sua coluna de hoje no Jornal Zero Hora de Porto Alegre, que tem o título de “Como seria bom ser americano”:

A verdade é que todos queríamos ser americanos. Calças jeans, tênis, camiseta, chicletes, rock and roll, cachorro-quente, carros velozes, shoppings centers, consumo, consumo, todos gostaríamos de ter nascido no Grande Irmão do Norte. Mesmo você, que jura abominar os ianques, você gosta de jazz, você vai a Nova York, mas apregoa que Nova York não são os Estados Unidos. Ao contrário, beibe: Nova York é o resumo dos Estados Unidos. Os americanos se tornaram a Nova Roma, sim, mas não pela força dos seus mariners ou do poder verdejante do seu dólar. Os americanos conquistaram a alma do mundo com o cinema. Jamais uma forma de arte angariou tamanho poder como o cinema produzido nos Estados Unidos. A literatura, que teve o seu auge no século 19, a literatura mudou o mundo. Mas nunca com a velocidade e a amplidão do cinema. O cinema americano mudou o comportamento até de quem não vai ao cinema. Até do esnobe francófilo ou germanófilo. Até do lúmpen. E agora, pela primeira vez, surge um filme brasileiro que emociona o país, se infiltra no consciente coletivo e provoca uma mudança palpável de comportamento. Tropa de Elite, em suas duas partes, mudou uma parte do Brasil. Antes de Tropa de Elite, a polícia era desprezada pelos brasileiros. Agora, a polícia integra as forças do “bem” que lutam contra o “mal”. A polícia passou a defender o cidadão; antes o amedrontava. Os policiais tornaram-se heróis; antes eram pobres-diabos. Tropa de Elite cumpriu o seu papel como obra de arte: fez com que os homens se emocionassem, com que refletissem e com que, enfim, mudassem. Uma obra de arte, por meios estéticos, é capaz disso. Nenhum esporte é capaz disso. Nenhum jogo é capaz disso, e aí me refiro ao futebol, que não é esporte, é jogo, como o turfe, como o basquete, como a canastra, como o par ou ímpar. Futebol, pois, não é arte: é jogo, quase, quase é esporte. Jogador não é artista: é jogador; às vezes, atleta. Logo, ao jogador não cabem certas prerrogativas de artista. Há um limite para a excentricidade do jogador – o limite do profissionalismo. Alguns jogadores não conhecem essa fronteira. Acham-se artistas. Não são. Nada mais distante da arte do que um relapso jogador de futebol. (David Coimbra)

De David Coimbra, a L&PM publica o recém lançado Jô na estrada e outros livros que você vê aqui.

A primeira vez de Otelo

“Pudesse a terra ser fecundada por lágrimas femininas, de cada gota por ela derramada nasceria um crocodilo.” Assim disse Otelo, o mouro personagem de Shakespeare que deixou-se consumir pelo ciúmes que sentia da amada Desdêmoda. A peça teria sido apresentada pela primeira vez no dia 1º de novembro de 1604 no Whitehall Palace em Londres. De lá para cá, foi publicado em livro (a primeira edição em 1622, depois da morte de seu criador) e continuou sendo encenada e aplaudida pelos palcos do mundo. Em 1995, o ator afro-americano Laurence Fishburne foi escolhido para viver Otelo no filme de Oliver Parker. Por incrível que pareça, antes disso, nenhum negro havia recebido o papel no cinema. Veja o trailer do filme na L&PM Web TV.

O russo Constantino Stanislavski encarnou Otelo em 1896. Seu rosto recebeu uma pintura mais escura para viver o mouro de William Shakespeare

Paul Robeson como Otelo e Peggy Ashcroft como Desdemoda, encenando a peça em Londres, 1930. Ele foi o primeiro ator negro a ganhar o papel no teatro.

Em 1965, Laurence Olivier viveu Otelo nas telas de cinema, ao lado de Maggie Smith

Cartaz de Otelo, filme com Laurence Fishburne, o primeiro negro a viver o personagem no Cinema

A L&PM publica Otelo na coleção L&PM POCKET, com tradução de Beatriz Viégas-Faria.