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Você é um turista ou um viajante?

Por Angélica Seguí*

Nestes dias de “folga” descobri a obra Teoria da Viagem, de Michel Onfray. Uma maravilhosa leitura para este começo de ano, para este tempo de férias. Onfray, a geografia poética, uma forma diferente de ver o mundo, de ver a viagem. O escritor descreve as características de um nômade, de um desbravador de culturas, de um viajante:

Viajar supõe, portanto, recusar o emprego do tempo laborioso da civilização em proveito do lazer inventivo e alegre. A arte da viagem induz uma ética lúdica, uma declaração de guerra ao espaço quadriculado e à cronometragem da existência. A cidade obriga ao sedentarismo através de uma abscissa espacial e de uma ordenada temporal: estar sempre num  determinado lugar num momento preciso. Assim o indivíduo é controlado e facilmente identificado por uma autoridade. Já o nômade recusa essa lógica que permite transformar o tempo em dinheiro, e a energia singular, único bem de que dispõe, em moeda sonante e legal.

Você é um turista ou um viajante? Quando viaja faz o que os guias lhe indicam ou sai desbravando as cidades, pessoas, culturas? Depois de ler TODO o livro em uma tarde de ondas bravas e sol queimante, descobri que sou nômade, viajante. Não sou turista, mas nem por isso ignoro uma boa dica de viagem. Para os viajantes que vão desbravar o Brasil, tenho três sugestões.

São Paulo – Até 20 de fevereiro, você pode visitar a exposição “Entre Tantos”, que reúne a obra do artista Geraldo de Barros. A mostra pretende ampliar a noção de arte para além da pintura e escultura.  Geraldo de Barros, pintor e fotógrafo brasileiro, criava imagens a partir da desconstrução. O efêmero, o fragmento, o tempo, o descontínuo, a ação estão presentes em suas obras. A partir da reordenação de elementos, criava uma nova composição. Em seus trabalhos estão sempre presentes as questões sociais e urbanas, além da inquietude diante da relação entre a arte e a sociedade. Foi fundador e membro de grandes e importantes movimentos e associações artísticas como o Grupo 15, a Galeria Rex, o grupo Ruptura, o grupo FormInform. Geraldo faleceu em 1998. Imperdível.

Belo Horizonte – Entre os dias 15 de janeiro e 20 de fevereiro de 2011, Belo Horizonte terá uma programação que ocupará 24 espaços culturais com apresentações de mais de 42 grupos ou artistas. É o VAC 2011 (Verão Arte Contemporânea) , festival de arte que chega a 5ª edição. Diversidade de linguagens é o que você vai encontrar na capital mineira nesses dias. Teatro, dança, música, artes visuais, cinema, literatura, moda, gastronomia e ecologia. Tudo isso a preços populares ou de grátis.  De 15 de janeiro a 20 de fevereiro de 2011. Informações: www.veraoarte.com.br

Vai para outra cidade? Não tem paciência para exposições ou shows? Aproveite praças e parques para tirar o mofo que restou de 2010. Leia, caminhe, conheça. Crie sua geografia poética, seja um viajante. É possível viajar mesmo sem sair do lugar onde se mora. Basta querer. Feliz ano novo!

* Angélica Seguí é jornalista, blogueira, curiosa e viajante.

Aos curiosos: El agua es nuestra, carajo!

Por Angélica Seguí*

A diferença entre a história real e a que você aprendeu na escola sempre é do tamanho da sua curiosidade. Aliás, curiosidade será a palavra que vai direcionar minha pesquisa para os posts que vou escrever toda sexta-feira aqui no blog da L&PM. A final, se não existissem os curiosos e os caçadores de novidades, o homem não teria descoberto o fogo, a Princesa Diana poderia estar viva e Colombo não teria chegado à América. Ah! Sim! Colombo… impossível não começar por ele. Mas, antes de prosseguir devo avisar: há aqueles que não gostam de saber a verdade. Têm medo, ou vergonha, de conhecê-la. Para estes, recomendo que parem a leitura por aqui. Aos curiosos… sigam-me os bons!

Dois amigos estão rodando um filme em terras bolivianas. Sebastián, o diretor do filme, está interessado em mostrar a verdadeira história de Cristóvão Colombo: um homem interessado no ouro e nos escravos. Mas, o produtor do filme, e também amigo íntimo de Sebastián, quer que a rodagem acabe logo, mesmo que para isso pague esmolas vergonhosas aos figurantes bolivianos. (Esta história deve parecer MUITO familiar para qualquer um que tenha contato mínimo com profissionais do cinema, não? O produtor quase sempre é o chato do set! Coitado. É muita pressão!) Paralelamente, enquanto rodam o filme, o povo da Bolívia entra em confroto com o governo e se inicia la Guerra del Agua. O motivo? Una empresa privada tomou o controle da água e cobra preços que só alguns bolivianos podem pagar. Curiosamente, Daniel, o índio que protagoniza o filme de Sebastián, é o líder da revolta popular. O produtor do filme, Costa, tenta evitar de todas as formas que Daniel se envolva na Guerra del agua, pois se o ator for preso, o filme nunca mais será finalizado. Esta é a história que serve de pano de fundo para relatar o lado pouco conhecido de Colombo, no filme español También la lluvia. Escrito pelo roteirista  Paul Laverty, e filmado em Cochabamba. O filme revisa a figura de Colombo não como um homem empreendedor e conquistador, mas como cruel governador e pioneiro da exploração do ouro na América. Exploração esta que ainda hoje teima em persistir. A “herança empreendedora” de Colombo está presente, mesmo que com outro nome, em grandes projetos que mineradoras multinacionais tem em países como Peru, Bolívia, Argentina, Brasil e, em breve, Uruguai.

Depois de ver o trailer, e ler algumas entrevistas da diretora Icíar Bollaín, é impossível não refletir acerca da curiosidade e ganância que move os grandes descobridores, os grandes nomes da história, os grandes nomes do capitalismo mundial. Impossível não pensar em “o que é bom pra você, poder não ser bom pra mim”, a velha teoria etnocentrista ou “meu umbigo é mais bonito”. Teorias utópicas à parte, só me resta dizer que a distância que separa a ganância da crueldade, provavelmente é a mesma que separa a sua cabeça das orelhas. E a crueldade nem sempre é física, violenta. Aquela que não se vê , a crueldade silenciosa e estatégica, pode ser mais dolorosa do que uma navalhada na carne.

Clique no play e veja o trailer de También la lluvia, que tem como presente um lindo, e talentoso, par de olhos verdes como protagonista (aka Gael García Bernal). A estreia mundial será no dia 7 de janeiro de 2011. Vale a pena ler as notas da diretora no site http://www.tambienlalluvia.com Por lá, Iciár relata detalhes da extensa pesquisa realizada para a elaboração do roteiro. O filme representará a España na 83ª edição do Oscar.

Começo hoje o desafio de postar semanalmente bacanices culturais aqui no blog da L&PM. O nome da série? Balaio da Angélica. E que Colombo me guia. O Colombo que conheci no colégio, of course.

* Angélica Seguí é jornalista, blogueira, curiosa e uruguaia.