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Começa a grande exposição em homenagem a Moacyr Scliar

Abre nesta terça-feira, 16 de setembro, para convidados – e a partir de quarta para o público -, a mostra Moacyr Scliar, o Centauro do Bom Fim. A exposição, que tem o apoio da L&PM Editores, acontece em Porto Alegre e vai prestar uma grande homenagem ao escritor, apresentando sua vida e a obra em uma área de 900 metros quadrados no Santander Cultural.

Com muitos recursos audiovisuais, fotografias e réplicas de objetos, a exposição começou a ser planejada em março do ano passado e custou cerca de R$ 1,5 milhão. O projeto foi idealizado por Judith Scliar, viúva do escritor, e seu irmão Gabriel Oliven e tem a curadoria de Carlos Gerbase e produção de Luciana Tomasi.

Montagem da exposição em homenagem a Moacyr Scliar que abre em 16 de setembro / Foto Júlio Cordeiro - Agência RBS

Montagem da exposição em homenagem a Moacyr Scliar que abre em 16 de setembro / Foto Júlio Cordeiro – Agência RBS

São 10 ambientes que contam a história do escritor a partir da vinda de sua família para o Brasil – o pai de Scliar, de origem russa, chegou a Porto Alegre no início do século 20, com sete anos. A infância no tradicional bairro Bom Fim, a carreira médica e os livros e personagens do autor.

Uma das imagens da exposição: Moacyr Scliar segura no colo o filho Beto na Rua da Ladeira, em Porto Alegre, em 1981 Foto: Carlos Gerbase / Arquivo Pessoal

Uma das imagens da exposição: Moacyr Scliar segura no colo o filho Beto na Rua da Ladeira, em Porto Alegre, em 1981 Foto: Carlos Gerbase / Arquivo Pessoal

Vídeos e áudios feitos especialmente para a mostra serão projetados em diferentes pontos e trechos de livros estarão em tablets à disposição dos visitantes. Além disso, o espaço contará com jogos de perguntas sobre as criações de Scliar em uma mesa interativa. Outra atração são os manuscritos originais de Scliar que serão expostos pela primeira vez.

Há fotos de diferentes épocas: Moacyr Scliar se prepara para aguardar o resultado da eleição que o escolheu integrante da Academia Brasileira de Letras Foto: Adriana Franciosi

Há fotos de diferentes épocas: Scliar se prepara para aguardar o resultado da eleição que o escolheu integrante da Academia Brasileira de Letras Foto: Adriana Franciosi

Em matéria publicada no Caderno PROA do Jornal Zero Hora,  Carlos Gerbase detalhou os bastidores de exposição. Leia abaixo:

Tive a honra de ser escolhido como curador da mostra Moacyr Scliar, o Centauro do Bom Fim, que será inaugurada no próximo dia 16 de setembro, no Santander Cultural. Conheci o autor – de quem já lera O Exército de um Homem Só e Os Deuses de Raquel – em dezembro de 1981, durante as filmagens do curta No Amor, dirigido por Nelson Nadotti, que adaptou um conto de Scliar chamado O Mistério dos Hippies Desaparecidos. Além de ser um dos produtores, eu atuava no filme como assistente de câmera e fotógrafo de cena. Moacyr foi visitar o set com o filho Beto no colo. Na rua da Ladeira, centro do Porto Alegre, fiz um retrato dos dois. Talvez esse retrato tenha ficado na memória de Judith Scliar, levando-a, mais de 30 anos depois, a me chamar para o desafio de homenagear o escritor talentoso, o médico preocupado com as questões sociais, o cronista incansável e, acima de tudo, o homem afável e bem-humorado que nunca deixou de ser o “Mico”, ou, como disse em seu discurso ao se tornar um imortal da Academia Brasileira de Letras, “o escritorzinho do Bom Fim”.

Com a ajuda das professoras Regina Zilberman e Marie Hélène Passos, do jornalista Gabriel Oliven, da cineasta Cláudia Dreyer, da produtora Luciana Tomasi, da própria Judith e de uma equipe experiente em exposições, tentei resgatar os aspectos mais significativos de uma vida que, se fosse considerada apenas em seus aspectos literários, já seria extraordinária. A obra de Scliar fala por si. Traduzido para mais de 10 idiomas, constantemente reeditado, com fãs de 10 a noventa anos, o “Mico” tinha um apetite desmedido pela escrita. Num pequeno bloco de notas, uma das joias que estarão no setor de manuscritos da mostra, ele sentenciou: “Escritor escreve”. E, para que não restasse dúvidas sobre o significado da frase em português, embaixo ele a verteu para o hebraico. Moacyr Scliar estava sempre escrevendo. Vamos mostrar suas anotações em guardanapos de bar, em notas fiscais, no verso de folhas da Secretaria da Saúde e em bloquinhos de propaganda de remédio. Ele não tinha problemas com inspiração. Se tinha uma ideia durante o banho, saía pelado para anotá-la, mesmo sob o rigoroso inverno gaúcho.

Em sua obra autobiográfica O Texto, ou: A Vida, que foi de extrema valia para o roteiro básico da exposição, separando o essencial do acessório, Scliar atribui sua voracidade pela escrita a duas circunstâncias de sua infância. Seus pais, José e Sara, eram grandes contadores de histórias e dramatizavam suas narrativas para os vizinhos da rua Fernandes Vieira com gestos vigorosos de mãos e braços. Scliar gostava da piada que pergunta por que judeus nunca se afogam. E respondia: “Mesmo quando não sabem nadar, eles começam a contar histórias. E todos se salvam.”

A segunda circunstância é muito comum na origem dos escritores: o contato cotidiano com os livros ainda na infância. Dona Sara, professora primária, fazia constantes visitas à Livraria do Globo e de lá, apesar do orçamento sempre apertado da família, trazia muitos livros para casa. Não foi fácil encontrar algumas dessas obras em edições dos anos 1940 e 1950 para colocá-las na exposição. Mas, em sua maioria, estarão lá: Cazuza, de Viriato Corrêa, As Aventuras de Tibicuera, de Érico Veríssimo, História de um Quebra-nozes, de Alexandre Dumas, As Aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, e Rute e Alberto Resolveram ser Turistas, de Cecília Meireles (desta só consegui a capa; está esgotada e virou item de colecionador).

As referências mais importantes das primeiras leituras de Scliar, contudo, são de duas coleções que também foram importantes para mim. Scliar é de 1937, e eu sou de 1959, mas esses 22 anos não foram suficientes para diminuir o poder de encantamento do Tesouro da Juventude e da obra infanto-juvenil de Monteiro Lobato. O Tesouro tinha uma grande variedade de assuntos, com excelentes ilustrações. Lobato tinha uma imaginação prodigiosa, fazendo do Sítio do Picapau Amarelo o lugar dos sonhos de todos os seus leitores. Não sei como foi a primeira vez de Scliar, mas a minha foi com Os Doze Trabalhos de Hércules, numa tarde em que a chuva cancelou o joguinho de futebol no pátio e minha mãe, dona Léa, disse que talvez eu gostasse de ler umas histórias sobre um lugar chamado Grécia. Faço meus passeios imaginários pela Grécia até hoje.

Algumas pessoas talvez pensem que um escritor prolífico, quase caudaloso, como Moacyr Scliar, não tem muita autocrítica. No caso de Scliar, isso não é verdade. Em minhas andanças pelos sebos de Porto Alegre, motivadas pela exposição, perguntei para o Guilherme Dullius, do Beco dos Livros da Rua da Ladeira (localizado quase no mesmo lugar em que filmamos No Amor), se ele tinha algum exemplar de Histórias de um Médico em Formação, a primeira obra publicada por Scliar. Ele tinha, mas não estava à venda. E então me contou que, certo dia, Scliar entrou no sebo depois de ver sua estreia na literatura exibida na vitrine. Ele comprou o livro e, ali mesmo, o rasgou sem dó nem piedade. Desisti de exibir o livro na exposição. A autocrítica de um autor deve ser respeitada.

Todos os outros livros de Moacyr Scliar, porém, sobreviveram ao passar dos anos. São dezenas de romances, coletâneas de contos, ensaios, crônicas, literatura infanto-juvenil, obras médicas e, não duvido, muita coisa que ainda está inédita e falta publicar. O jovem leitor de Monteiro Lobato virou um escritor que escreveu sem parar até sua morte, em 2011. A exposição no Santander Cultural é uma pequena homenagem à vida de um grande contador de histórias.

MOACYR SCLIAR: O CENTAURO DO BOM FIM

A exposição tem entrada franca e estará aberta à visitação de 17 de setembro a 16 de novembro, no Santander Cultural (Rua Sete de Setembro, 1028), de terça a sábado, das 10h às 19h, e domingos e feriados, das 13h às 19h.

A L&PM está reeditando os principais títulos de Scliar em capa dura. "Max e os Felinos" e "A Guerra no Bom Fim" já chegaram. O próximo título é "O exército de um homem só".

A L&PM está reeditando os principais títulos de Scliar em capa dura. “Max e os Felinos” e “A Guerra no Bom Fim” já chegaram. O próximo título é “O exército de um homem só”.

Clique aqui para ver todos os títulos de Moacyr Scliar ela L&PM Editores.

Scliar para consulta

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Jornal Zero Hora, Segundo Caderno – 02/12/2013 – Por Alexandre Lucchese

Acervo digital do escritor Moacyr Scliar será disponibilizado ao público em 2014.

– Moacyr escrevia muito, e escrevia rápido – conta Judith Scliar, viúva de um dos escritores mais prolíficos do Rio Grande do Sul. Originais e recordações que remontam aos escritos de Moacyr Scliar (1937 – 2011) ao longo da vida estarão em breve acessíveis a todos pela internet.

Mais de 8,6 mil páginas de manuscritos e datiloscritos do escritor que estão sob os cuidados da PUCRS, boa parte deles doados por Judith, estão em processo de digitalização pelo Espaço de Documentação e Memória Cultural (Delfos), pertencente à instituição.

Entre manuscritos e textos enviados para editoras, o acervo congrega originais do primeiro ao último romance de Scliar.

– Temos aqui a primeira composição de A Guerra do Bom Fim, de 1972, e anotações difíceis de estimar com precisão, mas que provavelmente são de um período entre 1962 a 1968 – explica a professora Marie-Hélène Passos, responsável pela organização do acervo.

A maior parte desse material digitalizado estará disponível para livre acesso a partir do início de 2014. A única restrição feita por parte da família são os textos inéditos que aparecem na coleção.

– Acredito que, se o Moacyr não quis publicar este material, foi por algum bom motivo. Não pretendemos deixá-lo público no acervo nem editá-lo em livros – diz Judith.

Além disso, enfatiza, os volumes não publicados têm ideias e trechos melhor trabalhados em outros romances e contos lançados no mercado editorial.

Especialista em crítica genética, campo de pesquisa que trata das marcas deixadas por autores em processo criativo, Marie-Hélène esclarece que a disponibilidade do acervo possibilita maior compreensão de como Scliar praticava a escrita:

– Quando você vê esse material, se dá conta de que ele passava o tempo todo escrevendo, era tão natural como respirar.

Bilhetes de aeroporto, recibos de postos de gasolina, folhas pautadas, blocos de nota: qualquer papel servia como suporte para grafar o que vinha da imaginação do autor. A variedade de materiais do acervo impressiona quem o manuseia, demonstrando que escrever era mesmo uma constante.

O processo de arquivamento virtual e publicação iniciado com os textos de Scliar vai ser também aplicado a outros acervos do Delfos. Regina Kohlrausch, diretora da Letras da PUCRS, esclarece que o autor foi escolhido por conta de sua importância e pela boa relação da instituição com a família:

– Uma parte deste material já tinha sido doado pelo próprio Scliar em 2005, depois Judith complementou o acervo. Os herdeiros são muitos acessíveis e colaborativos com o que estamos fazendo.

Judith conta que ainda pretende lançar um site com booktrailers do autor e textos analíticos de sua obra. A busca é pela preservação da memória do escritor:

– Estamos preparando este espaço, que irá centralizar conteúdos e terá link para os trabalhos acessíveis pelo Delfos.

Destaques do acervo

– A organização estima em torno de 8,6 mil páginas de acervo.

– Páginas datilografadas são povoadas de secções e emendas com trechos, revelando método de trabalho do autor.

– Bilhetes de viagem e recibos de posto de gasolina fazem parte das colagens que compõem os originais.

– Cada romance tem cerca de quatro ou cinco versões.

– O manuscrito mais antigo do acervo é A Guerra do Bom Fim, de 1972, mas estima-se que há papéis anteriores a 1968. Ainda este mês, a L&PM Editores lança este livro em formato convencional e capa dura.