Todos queriam se despedir de Sartre

Jean-Paul Sartre saiu da vida para entrar definitivamente na história em 15 de abril de 1980. “Eu não penso na morte” dissera ele dois anos antes. “Ela não entra nos meus planos, fica de fora. Um dia minha vida vai acabar, mas não quero, de modo algum, que até lá sofra com o peso da morte. O que eu quero é que  minha morte não se intrometa na minha vida, que não a defina, para que seja sempre um apelo para viver.”

Sartre jamais foi esquecido. Segue no topo da nata da intelectualidade moderna. Em Sartre – Uma biografia, da escritora francesa Annie Cohen-Solal, publicada pela L&PM, pode-se entender o fenômeno da popularidade sartriana. Nas 600 páginas dessa biografia belíssima, a autora conta, com detalhes, como o pensamento – e comportamento – de Sartre atraía e fascinava, por exemplo, os jovens.

A última obra de Sartre, para a qual ele dedicou anos da sua vida, foi O idiota da família, a biografia definitiva de Flaubert. São 3.000 páginas divididas em três tomos que serão lançados pela primeira vez em português pela L&PM. O primeiro volume de O idiota da família já está em revisão e será lançado no segundo semestre de 2013.

O funeral de Sartre atraiu uma multidão de 50 mil pessoas e causou algumas confusões como Annie Cohen-Solal descreve em seu livro (leia abaixo).

50 mil pessoas compareceram ao funeral de Sartre em 19 abril de 1980

50 mil pessoas compareceram ao funeral de Sartre em 19 abril de 1980 / © Guy Le Querrec/Magnum Photos

A multidão acorre em massa, com os filhos nos ombros, para que assistam a tudo. É uma aglomeração imensa, confusa, inesperada, um vagalhão humano que ondula. Empurrões, gritos, brigas. Um homem cai no buraco em cima do caixão. É sábado de tarde, e mais de cinquenta mil pessoas insistem, simbolicamente, em estar presentes. Acontece nesse dia, sob um céu cizento, de chumbo, a longa caminhada desordenada do “povo de Sartre”, num percurso sartriano de três quilômetros, no meio da espontaneidade e dos empurrões. Há quem afirme, ao passar na frente do célebre restaurante La Coupole, ter visto os garçons, do lado de fora, curvando-se diante do cortejo. “Entra-se no túmulo de um morto como se fosse a casa da sogra”, escreve Sartre, um dia, no prefácio de Flaubert. Sem sombra de dúvida, nas cenas desse enterro, nas brigas e nas confusões, tudo confirma isso: e esse povo de Sartre, variado, movediço, heterogêneo, tumultoso e solidário talvez corresponda à descrição. É modesto e, ao mesmo tempo, digno; sóbrio e descontrolado. Sartre se vai, causando com sua partida uma das manifestações mais desconcertantes do poder intelectual nesse final do século XX. O homenzinho solitário, o isolado, o anarquista, o pai sem filhos, ingressa nesse dia numa espécie de lenda. Colocado à força no pináculo oficial. Nômade forçado a arrastar consigo todos os filhos do século e a usar roupas fulgurantes. O escritor refratário às honrarias recebe, impotente, seu tributo de homenagens e glória. (…) Milhões de palavras de louvor para saudar sua partida, milhares de telex das agências de notícias – “Biografia longa”, “Biografia curta” – que se cruzam pelo mundo inteiro e em todas as línguas, análises, sínteses, fotos, citações, histórias pitorescas, tentativas infrutíferas para defini-lo em cada campo de criação, quilos e mais quilos de arquivos, de palavras, papeis, discursos, num inacreditável acúmulo verbal. (Trecho de Sartre – Uma biografia)

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