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Verbete de hoje: Matthias Schultheiss

Com o lançamento da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert, o Blog L&PM publicará, nos domingos um verbete do livro. O verbete de hoje é MATTHIAS SCHULTHEISS:

O cinema já tentou adaptar, para imagens, o espírito da obra de Charles Bukowski. Não chegou perto, porém, dos acertos e da incrível transposição para os quadrinhos realizada pelo desenhista alemão Matthias Schultheiss. Ele desenhou com um estilo realista, paradoxalmente belo, o universo dos bêbados, das prostitutas, dos marginais e dos desesperados que povoam os contos e novelas de Bukowski. Foram várias narrativas publicadas em álbum pelo Editor Heyne Verlag, da Alemanha, logo traduzidas para outras línguas. No Brasil, com os títulos de Delírios cotidianos e N. York, 95 cents ao dia, os contos de Bukowski/Schultheiss foram publicados na coleção “Quadrinhos L&PM” e depois lançados num só álbum, em 2008. Antes disso, Schultheiss havia desenhado uma série sobre caminhoneiros (“Truckers”, para a revista Zack, em 1980). Convidado para colaborar com revistas francesas, fez Le Théorème de Bell, para L’Echo des Savanes. Colaborou também para a revista Circus. Depois de levar para os quadrinhos de maneira perfeita Bukowski, Schultheiss tentou outras transcrições, não com a mesma felicidade. O sonho do tubarão saiu completo, em três partes, na revista Animal. O teorema de Bel teve uma primeira e uma segunda parte. Ele alcançou mais sucesso com uma série supererótica, “Talk Me Dirty” (assim mesmo, em inglês), que saiu na Europa e na Argentina (na revista Super Sexy), editada nos anos 90 por Carlos Trillo.

Guido Crepax, o verbete do dia

A partir de hoje, nos domingos, o Blog L&PM publicará um verbete da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert. O verbete de hoje é GUIDO CREPAX:

“Em grande parte foi graças ao trabalho de Guido Crepax que as histórias em quadrinhos passaram a ser consideradas como a Nona Arte”. Frase do estudioso Marco Giovannini, que de certa maneira sintetiza a enorme importância desse desenhista e criador milanês, um dos mais importantes nomes dos comics pós-guerra. Depois de graduar-se em Arquitetura, Guido resolveu seguir a carreira artística de ilustrador, em Tempo médico (1958). Embora tivesse tentado os quadrinhos ainda adolescente, foi só mesmo em 1965, quando Giovanni Gardini criou a revista Linus, que Crepax fez sua estreia numa narrativa chamada La Curva di Lesme. O personagem principal era Philip Rembrandt, um crítico de arte e criminologista, cujos poderes concretizavam-se numa figura conhecida pelo nome de Neutron. A permanência de Neutron/Philip durou pouco. Em viagem à Itália, Rembrandt era recebido no aeroporto de Milão, pela Signorina Valentina Rosseli, uma fotógrafa que logo se torna sua amiga íntima.

Valentina, feita à imagem e semelhança de Elisa Crepax (a mulher de Guido) e também a atriz do cinema mudo norte-americano, Louise Brooks, aos poucos foi tomando conta da série “Neutron”. Posteriormente, Philip, casado com ela, acabou sempre um personagem subalterno. Com o correr do tempo, Crepax abandonou em Valentina as histórias convencionais. Preferiu desenhar, numa complexa diagramação de páginas, buscando detalhes em primeiríssimos planos (como montagem cinematográfica), os sonhos, as lembranças e as divagações de sua heroína. Isso garantiu para os quadrinhos modernos as mais maravilhosas narrativas ambientadas no terreno da subjetividade erótico-psicológica. Valentina, antes mesmo do final da década de 60, já era um sucesso internacional, tornando pequena outra heroína sexy que havia surgido quase junto, Barbarella de Jean Claude Forest. Hoje com quase duas mil páginas, Valentina continua fascinando os leitores do mundo inteiro e suas histórias, além das características assinaladas, tem uma certa cronologia familiar. Valentina tem um filho, Mattia, que já é adolescente.

Nos anos 80, a L&PM Editores publicava Valentina, de Guido Crepax

Crepax, entretanto, tinha uma capacidade muito maior do que a limitação ao sucesso de Valentina. Criou outras figuras femininas notáveis – Bianca, Anita – e realizou versões de clássicos da literatura fantástica, como Drácula, de Bram Stoker, e O médico e o monstro, de Stevenson. Fez também adaptações de obras eróticas como A história de O e Emmanuelle. E arranjou tempo para dar sua contribuição à Larousse, em obras como “A Descoberta do Mundo” (mais de mil páginas, junto com Battaglia, Toppi, Sio, Manara e outros) e “A História da China”. Até o fim de seus dias, Crepax morou em Milão, sempre em companhia de Elisa e os três filhos do casal. Seu grafismo inconfundível certamente influenciou muitos jovens a seguirem a carreira de quadrinistas. Isso sem falarmos nos adultos, que descobriram em Crepax quadrinhos para gente grande. Além dos álbuns acima citados, Crepax trabalhou para a série “Um Homem, Uma Aventura”, nos títulos Harlem Blues e Rússia em chamas, não publicados no Brasil. Igualmente inéditos ficaram os álbuns Poe (1979), reunião de histórias baseadas nos escritos de Allan Poe; Lanterna mágica (1981), histórias sem balões com texto; As viagens de Bianca (1991); e The Turn of The Screw (Eurotica, 1995), baseado num original de Henry James. Traduzido para o Brasil tivemos A Vênus das peles (Opera Erótica/Martins Fontes, 1984), versão da obra de Leopold Sacher Masoch. Para uma leitura crítica mais abrangente, sugerimos o álbum de Marco Aurélio Luchetti, Desnudando Valentina (Opera Graphica, 2005).