Anatomia de uma derrota

Por Ivan Pinheiro Machado

A derrota épica tem o toque de grandeza da tragédia. Aquele 2 x 1 de 64 anos atrás construiu um drama sofrido, criou lendas, culpou-se o goleiro, o lateral esquerdo, chorou-se o clima de “já ganhou!”, passou-se e repassou-se cada passe dado no Maracanã lotado de 200 mil pessoas naquele 16 de julho de 1950. Mas nunca ninguém falou em humilhação. Houve, no silêncio dramático que se seguiu o apito final, a grandeza digna de uma tragédia. Foi tão grande e literária esta derrota que a perseguiu a vida inteira o grande intelectual, crítico de cinema, especialista em Sartre e Kierkegaard, Paulo Perdigão (1939-2007). Ele estava lá e registrou num livro antológico “Anatomia de uma derrota” (L&PM Editores, 1986), cada reação, cada lance do célebre Maracanazo. Ghiggia, o autor do gol que deu a Copa de 50 ao Uruguai deixou a célebre frase: “Apenas três pessoas, com um único gesto, calaram o Maracanã com 200 mil pessoas, Frank Sinatra, o Papa João Paulo II e eu”.

Lembrei deste livro porque ele é uma unanimidade entre críticos e imprensa. É a melhor obra jamais escrita no Brasil sobre um jogo de futebol e está disponível somente em e-book nas grandes livrarias brasileiras. O livro é lindo porque trata de homens que deram tudo o que tinham, mas caíram diante de um grande time com homens assombrados pela vontade ganhar. Esta monstruosa vontade de vencer foi encarnada e eternizada pelo capitão uruguaio Obdúlio Varella. Eduardo Galeano, seu amigo, conta que depois do jogo Obdúlio caminhava disfarçado entre o povo de Copacabana. E vendo o abatimento, a tristeza, o desespero daquela gente humilde, Obdúlio chorou. Existe fecho mais magnífico para um drama?

Ontem não houve grandeza. Houve humilhação. As lágrimas de sempre regaram a mediocridade estampada desde os primeiros minutos da Copa do Mundo. Um time pífio, representando o país da Copa e do futebol. Se Paulo Perdigão fosse vivo ele desligaria a televisão com indiferença após o final do jogo e veria pela enésima vez “Os brutos também amam” (Shane), seu filme predileto. Não houve tragédia. Somente um desastre anunciado. Nada que a literatura possa cultuar e eternizar. Houve apenas um time ruim, de garotos milionários, mal dirigido, alguns desconhecidos (com exceção do “cone” Fred e de Jô, todos jogam  no estrangeiro), que tomaram um chocolate inimaginável no torneio mais importante do planeta.

Tomaram 7. Parecia um time sub 15 (tipo time do colégio) jogando contra os meninos grandes. Uma derrota que não teve nada de épico, porque ela foi quase óbvia e sem nenhuma grandeza.

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“Anatomia de uma derrota”, de Paulo Perdigão, está disponível em e-book

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