O primeiro Grenal da história

Panfleto de divulgação do jogo

Há exatos 102 anos, num Domingo à tarde, acontecia aquele que daria origem ao maior de todos os clássicos futebolísticos do Rio Grande do Sul (e um dos grandes do Brasil). Em Porto Alegre, no campo do Moinhos de Vento, aconteceu o primeiro embate entre Sport-Club Internacional e Gremio Foot-Ball Porto-Alegrense. A batalha de estreia entre vermelhos e azuis acabou em goleada e deu início a uma rivalidade que completa mais de um século e que está contada em detalhes no livro A história dos Grenais. Escrito por David Coimbra, Nico Noronha, Mário Marcos de Souza e Carlos André Moreira, os autores dizem que “Pode-se até achar que esta rivalidade foi longe demais. Mas foram 100 anos a aquecer este caldeirão onde os líquidos não se misturam”. Leia um trecho do capítulo “Phrases pouco gentis”, cujo título é autoexplicativo:

(…) as páginas róseas do Correio do Povo de domingo, 18 de julho de 1909, advertiram, abaixo do texto de apresentação do jogo:

Somos obrigados, a fim de evitar factos desagradaveis, a aconselhar aos espectadores a que não se pronunciem, por ocasião do jogo, em favor de um ou de outro team. Ainda domingo ultimo, durante o torneio, deu-se, entre um dos juizes e um grupo de assistentes, lamentavel incidente, tendo os espectadores imprudentes ouvido phrases pouco gentis.

Achamos justo que se formem partidos sympathicos aos teams combatentes, porém que o enthusiasmo seja sempre moderado, para honra dos jogadores. Como se sabe, em todos os matches numerosa é a assistencia nos grounds, notando-se, entre ella, grande numero de senhoras e senhoritas, às quaes não se deve dar o desgosto de testemunhar discussões inconvenientes. Si fazemos esta pequena observação é porque desejamos ver o progresso do sport bretão, que está caindo no agrado da mocidade porto-alegrense.

(…)

Às duas da tarde, os footballers rubros saíram em bonde expresso da sede do club, na Avenida Redenção, em direção ao Moinhos de Vento. Uma hora e dez minutos depois, as duas equipes cruzaram lado a lado a roleta à margem do campo e entraram no gramado, precedidas pelos respectivos presidentes e pela banda da Brigada Militar. As 2 mil pessoas da assistência aplaudiram com entusiasmo. Os jogadores do Grêmio ostentavam fardamento estilo inglês, com camisas metade azul, metade branca, e calções pretos; os colorados, camisas listradas de vermelho e branco e calções brancos, à moda italiana. O árbitro foi Waldemar Bromberg, auxiliado por Castro Silva e Sommes (juízes de linha) e Theobaldo Förnges e Theodoro Bugs (juízes de gol). Os juízes de gol ficavam sentadinhos num banquinho ao lado das goleiras. Eram muito necessários por uma razão bem simples: as goleiras ainda não estavam equipadas com redes. Aí, qualquer chute que passasse próximo às traves originava a maior discussão: foi gol, não foi. Aos juízes de gol competia deliberar acerca dessas angustiantes polêmicas.

Às 15h25 “foi dado o signal de kick-off”, batendo na bola o center forward Booth, do Grêmio. Nos primeiros minutos, indecisão. O Grêmio estudava a força do adversário. Mas logo os “porto-alegrenses”, como eram chamados os gremistas, tomaram conta da partida. Aos dez minutos, Booth marcou o primeiro gol do jogo e da história do clássico Grenal. O goleiro do Inter, Poppe II, até então bem na partida, começou a dar sinais de nervosismo. Aos vinte ele tomou o segundo gol. O Grêmio faria um terceiro, anulado por off-side (impedimento). O primeiro tempo terminou em 2 x 0.

Naquela época, cada tempo durava quarenta minutos, às vezes só meia hora, com um intervalo de dez minutos. O primeiro Grenal teve dois tempos de quarenta minutos. O Grêmio voltou para o segundo período ainda mais empenhado em provar a sua superioridade. O Inter tentou dois ataques, mas, em ambas as vezes, a bola parou nas poças de lama do campo de defesa do Grêmio. Aos dez, quando os gremistas ampliaram para 3 x 0, os colorados mostravam-se cansados. Só os forwards Mendonça, Carvalho e Poppe I continuavam correndo. Foi uma tranquilidade para os bem treinados e experientes jogadores do Grêmio. Em trinta minutos, assinalaram sete gols. O jogo transcorreu todo no lado do campo do Internacional. Estava tão fácil que o goleiro Kallfelz e os beques Deppermann e Becker passaram vários minutos conversando com os torcedores à beira do gramado. No dia seguinte, o juiz Bromberg confessaria ter se cansado de dar a saída de jogo tantas vezes. Quando ele encerrou a partida, o placar estava em 10 x 0 para o Grêmio.

O campo foi invadido pela torcida, que carregou os jogadores do Grêmio sobre os ombros. Às seis da tarde, juízes, jogadores e dirigentes foram até a sede dos Atiradores Alemães, ao lado da Baixada, e lá beberam cerveja e bailaram até a madrugada. Os colorados brindaram e homenagearam os vencedores, como rezava a boa educação, e aproveitaram a festa.

Alguns, contudo, se deixaram abater pela humilhação do primeiro Grenal. Caso do presidente João Leopoldo Seferin. Aos poucos, desanimado, ele foi se afastando do clube, dedicando-se mais ao seu trabalho na Pharmacia Fischer. No final do ano, entregaria a presidência em definitivo para Henrique Poppe. O time passou três meses sem jogar, bem próximo do fechamento. O que não ocorreu devido à fibra de alguns bravos. Com destaque para dois, entre eles: o maragato gritão Antenor Lemos e o primeiro ídolo da torcida, Carlos Kluwe.

No dia seguinte, a chamada na capa de um dos jornais de Porto Alegre

Para conhecer um pouco mais sobre a megarrivalidade entre as torcidas de Grêmio e Intenacional, nossa dica é acompanhar a minissérie Gre-nal é Gre-nal (apenas 4 capítulos), veiculada pela RBS TV, que retransmite a TV Globo no Rio Grande do Sul. O roteiro foi escrito com base no livro A história dos Grenais, de onde foi extraído o trecho acima.

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