Autor de hoje: Gustave Flaubert

Rouen, França, 1821 – † Croisset, França, 1880

Filho de um cirurgião francês, estudou no colégio Real, na França, onde conheceu a literatura através de poemas, reconstituições históricas e romances. Em 1840, frequentou a faculdade de Direito em Paris, mas abandonou os estudos para viajar à África do Sul e ao Oriente. Depois disso, recolheu-se a um sítio em Croisset, na França, onde viveu solitário por cerca de trinta anos. Um caso de adultério, seguido do suicídio da mulher, inspirou o romance Madame Bovary. Pouco compreendido à época, o livro veio a tornar-se um clássico. O prestígio de Flaubert como escritor deve-se, sobretudo, à criação de um estilo literário elegante, rigoroso e claro. Ao questionar a incompreensão burguesa, sua obra tenta superar a herança romântica, estabelecendo os paradigmas do romance ocidental.

OBRAS PRINCIPAIS: Madame Bovary, 1857; Salambô, 1862; A educação sentimental, 1869; Três contos, 1877; Bouvard e Pécuchet, 1881

GUSTAVE FLAUBERT por Maria Luiza Berwanger da Silva

Madame Bovary, c’est moi. Madame Bovary ou le roman sur le rien. A obra de Gustave Flaubert, vista como um todo, desloca-se entre estas duas margens, da profunda subjetividade à inapagável negatividade, margens nas quais a voz do sujeito só se faz ouvir para se diluir no indistinto e no inominável, como se o trânsito entre ângulos paradoxais diminuísse o espaço entre fronteiras, espaços e territorialidades. Assim, o projeto literário de Flaubert concede a todo leitor o prazer de compartilhar de singulares paisagens, aquelas que o impacto da leitura possibilita redesenhar.

Permitir ao leitor de hoje experimentar, ampliando-o, o “lazer interior” a que se refere Paul Valéry: eis, em síntese, a sublime sensação a que nos remete a obra de Gustave Flaubert na representação exemplar de Madame Bovary, A educação sentimental, A tentação de Santo Antônio e Três contos. Nessas obras, a composição romanesca e a constelação de temas, mitos e motivos tanto identificam o imaginário e a arte da França quanto estabelecem diálogos com literaturas de outras nacionalidades. Acrescente-se a essas aproximações as relações com campos diversos de conhecimento, como medicina, religião, história, sociologia e psicanálise, a título de amostragem, nos quais o prazer do texto emerge justamente da constante insinuação, ao leitor nacional e ao estrangeiro, sobre o real, enigmático e indecifrável em sua totalidade. Põe-se, pois, em Flaubert, a página e o mundo.

Imagem-síntese da obra flaubertiana, Três contos e, especialmente, a personagem Félicité, de Um coração simples, remete, elucidando-o, ao paradoxo nomeado entre a redução à subjetividade de “Madame Bovary, c’est moi” e a declarada negatividade de “Madame Bovary ou le roman sur le rien”. Articulado pelo projeto de reter o fluxo do tempo e do espaço, nesse conto, o ato de empalhar um papagaio “gigantesco” retém, sob o simbolismo dessa busca da continuidade, a busca da memória inapagável e em contínuo refazer-se, gosto que agrega ao título Um coração simples o próprio desejo de uma subjetividade que vê e que se vê.

Vasto é todo romance que configura a ilusão dessa constante travessia em busca do diferente e do múltiplo. Envolve-nos Flaubert, em seu processo criador, nessa decifração infatigável do novo, com tal intensidade que toda tentativa de compreender as faces do Outro (estrangeiro) retorna ao leitor, reconfigurando-lhe a própria subjetividade. Esta é a paisagem com que a revisitação de Flaubert brinda seu leitor desde sempre.

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. A partir de hoje, todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Pra melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

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