Arquivo da tag: Rio de Janeiro

O abraço de Eduardo Galeano no Rio de Janeiro

Na noite de terça-feira, 15 de abril de 2014, Eduardo Galeano levou uma verdadeira multidão à PUC do Rio de Janeiro. Gente que queria vê-lo, ouvi-lo e, quem sabe, até tocá-lo. O evento, que aconteceria em um auditório para 150 lugares, acabou transferido para o ginásio com capacidade para 3.ooo pessoas, onde o escritor uruguaio leu trecho de Os filhos dos dias, o mais recente livro publicado pela L&PM. Hoje, o dia seguinte inunda as redes sociais de fotos e relatos emocionados com o de Caio Renan, um jovem que, logo depois do encontro, publicou um texto que transcrevemos aqui:

O dia em que ganhei um abraço de Eduardo Galeano

Um relato bobo, escrito logo depois do encontro com um ídolo

Por Caio Renan – Via medium.com/@caiorenan

A partir de uma certa idade, eu adquiri o hábito de ler. Ler bastante. A enorme quantidade de tempo dentro de ônibus pelo Rio de Janeiro me deu bastante tempo pra exercitar o hábito. Daí, como qualquer um que conheça a obra dele, tornei-me admirador de Eduardo Galeano.
A visão latina, o viés político, poético, filosófico, o gosto pelo futebol… Tudo nesse gigante inspira admiração.

Há um tempo soube que ele viria ao Rio. A data: hoje, dia 15 de abril de 2014. A partir daí enchi o saco de vários que possivelmente estão lendo isso atrás de contatos que pudessem me levar a Galeano. Uma entrevista, uma conversa, uma foto, um autógrafo… Qualquer coisa que pudesse guardar na memória eu queria. Cheguei a um uruguaio. Este é amigo de Galeano há mais de uma década, trabalha em uma mídia fundada por Galeano. Num espaço pequeno e com contato com o escritor, ele garantiu que eu poderia ter alguns minutos com o gigante.

Cheguei a PUC, encontrei a Rebeca Letieri, pegamos as senhas e entramos no auditório. Esperávamos. Mas Galeano não é um qualquer. Além de genial e inspirador, é popular. Levou uma multidão à universidade católica. Multidão ensandecida do lado de fora. Evento movido pro ginásio. Ótimo, porque todos que queriam conseguiriam ouvir as palavras de sabedoria do uruguaio. No entanto, a aproximação que queria o amigo Gabriel foi perdida. Ainda tentamos nos aproximar. Mas o mau humor atestado por Gabriel e a veemência que Galeano disse a seu editor “Não vou dar entrevistas!” encerraram qualquer esperança de contato com ele.

Depois disso, sentamos e ouvimos. Rimos, pensamos, duvidamos (tudo precisa ser questionado, afinal), aplaudimos de pé e absorvemos o que foi possível.

Na hora de sair, a surpresa. Isso era o que eu procurava: algo pra me recordar do encontro com um ídolo, com uma mente que admiro. Quando descia uma escada, fecharam meu caminho para que Galeano passasse. Depois que ele passou, fui. No fim da escada, duas moças que sorriam de orelha a orelha disseram: “Muchas gracias, Galeano!”. Ele se virou tranquilo. Sorriu, pegou a mão da primeira, deu um abraço. Repetiu o ritual com a segunda. Fez o mesmo comigo. Riu de novo. Agradeceu. E seguiu viagem.

Pode ser bobeira minha. Idolatria desmedida. Mas ganhar um abraço e um aperto de mão de um cara que escreveu obras que moldaram minha mente e tantas outras… Pra mim, foi algo que não vou deixar de lembrar. O riso de um cara que trazia um semblante tão mau humorado antes de receber o calor daqueles admiradores todos, o agradecimento e a simpatia… Vou lembrar.

Hoje, o corpo é festa.

(Momento sem foto por causa do inexplicável sumiço de Rebeca Letieri, que tava atrás de mim e quando fui pra escada, sumiu como um avião da Malaysia Airlines)

Eduardo Galeano lotou o ginásio da PUC-RJ / Foto Ivan Pinheiro Machado

Eduardo Galeano lotou o ginásio da PUC-RJ / Foto Ivan Pinheiro Machado

Foto de Ivan Pinheiro Machado

Foto de Ivan Pinheiro Machado

Fernanda Montenegro e Millôr Fernandes

Fernanda Montenegro e Millôr Fernandes eram amigos. Ela encenou peças escritas por ele. Ele escreveu um texto sobre ela da Série Retratos em 3 x 4 de alguns amigos 6 x 9 que está no verbete “Fernanda Montenegro” do livro Millôr definitivo – A Bíblia do Caos:

Sua vida é um palco iluminado. À direita, as gambiarras do perfeccionismo. À esquerda, os praticáveis do impossível. Em cima, o urdimento geral de uma tentativa de enredo a ser refeito todas as noites, toda a vida. Atrás, os bastidores, o mistério essencial. Embaixo, o portão, que torna viáveis os mágicos, inspiração do teatro, que é uma fé, e comove montanhas. (…) Incansável operária, pisa na ribalta nua e mostra todas as noites que o teatro e a vida são apenas duas tábuas e uma paixão. (…) E após o final, na solidão da glória, poder escutar, no silêncio e no escuro, o último espectador que se afasta das aleias desertas.

A amizade entre Millôr e Fernanda Montenegro atravessou décadas

A amizade entre Millôr e Fernanda Montenegro atravessou décadas

Fernanda Montenegro e Millôr Fernandes nos anos 1990

Fernanda Montenegro e Millôr Fernandes nos anos 1990

Saudades do amigo: Fernanda participou da inauguração do Largo do Millôr e depois do banquinho do Millôr que aconteceu em 27 de maio de 2013

Saudades do amigo: Fernanda participou da inauguração do Largo do Millôr e depois do banquinho do Millôr que aconteceu em 27 de maio de 2013 na Praia do Arpoador no Rio de Janeiro

A inauguração do Banquinho do Millôr

Este convite chegou hoje pra gente. Na próxima segunda-feira, a ponta do Arpoador vai ganhar um banco especial, que tem o nome do nosso querido e saudoso amigo Millôr Fernandes. Um lugar para sentar e apreciar as belezas cariocas que o grande artista tanto admirava.

O convite oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro

O convite oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro

O “Largo do Millôr” na praia do Arpoador

Millôr Fernandes morreu no dia 27 de março deste ano aos 88 anos. Na segunda-feira, 2 de julho, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, assinou um decreto, dando ao largo que existe entre o fim da praia do Arpoador e o início da Praia do Diabo o nome de “Largo do Millôr”.  Ao fazer esta homenagem, a cidade segue a tradição de batizar alguns de seus locais mais nobres como “Largo do Machado”, “Largo da Carioca” entre outros. Millôr  foi um apaixonado pelo Rio de Janeiro e uma das figuras mais ilustres da cidade. O largo com o seu nome consagrará o local por onde Millôr passou quase todos os dias nos últimos 60 anos. Ali, ele jogou frescobol e por ali ele passou, milhares de vezes, em suas corridas ou caminhadas diárias. Como disse seu filho Ivan Fernandes no e-mail em que convida para a inauguração do “Largo do Millôr”, parafraseando Machado de Assis, “esta sim é a glória que fica, honra, eleva e consola”. A inauguração da placa com o nome de “Largo do Millôr” se dará na próxima sexta-feira, dia 6 de julho, às 17 horas, com direito a show de bossa-nova.

Todos os que estiverem no Rio de Janeiro e admiram este grande gênio da cultura brasileira estão convidados. Como diz o samba, a festa vai ser grande e não tem hora para acabar.

O jovem Millôr, jogando frescobol no Arpoador, praia que agora terá um Largo com seu nome

A L&PM publica várias obras de Millôr Fernandes.

Falta pouco para a estreia do novo filme de Woody Allen

Estreia na próxima sexta-feira, 29 de junho, o novo filme de Woody Allen, “Para Roma com Amor”, uma comédia ambientada na capital italiana e que traz Allen novamente no elenco depois de seis anos afastado das telas (seu último papel foi em “Scoop – O grande furo” de 2006). Em “Para Roma com Amor”, ele vive um diretor de ópera recém-aposentado que viaja à Roma com a mulher para conhecer o noivo italiano da filha. Enquanto isso, do outro lado da cidade, um jovem casal americano tem a relação abalada com a chegada de uma amiga, ao mesmo tempo em que um outro casal, dessa vez de italianos, se envolve com uma prostituta e um galã de TV. Para completar, há um burocrata que vira celebridade e passa a ser perseguido por papparazzi.

No elenco, estão ainda Jesse Eisenberg (de “A rede social”), Penélope Cruz e Roberto Benigni. Em entrevista para o jornal Folha de S. Paulo de hoje, o diretor/ator disse que tem vontade de filmar no Rio de Janeiro, mas admite ter medo da violência: “Fico assustado. A publicidade e torno de lá é ruim. Nova York teve o mesmo problema anos atrás, mas, para quem morava em NY, não tinha nada, ninguém via nada, nada acontecia…”. Quando o repórter pergunta o que ele gostaria de filmar no Rio a resposta é: “Como um turista americano que nunca foi ao Rio, a impressão que tenho é de fotos, mitologias, bossa nova, coisas que cresci ouvindo, vendo. E as imagens da praia. (…) para mim o Rio é uma daquelas cidades românticas”. Na entrevista, Woody Allen diz ainda que as ideias lhe vem mais facilmente quando está no chuveiro. Ainda bem que, pelo que tudo indica, ele toma bastante banho.

Se você ainda não viu o trailer legendado de “Para Roma com Amor”, aqui está ele:

De Woody Allen, a Coleção L&PM Pocket publica os livros Adultérios, Cuca Fundida, Sem Plumas e Que loucura!

Sherlock Holmes está no Rio de Janeiro

Robert Downey Jr., que vive o detetive mais famoso da literatura no cinema, está na Cidade Maravilhosa. Chegou para a pré-estreia do filme “Sherlock Holmes: o jogo de sombras”, que acontece hoje no Rio de Janeiro. Você não foi convidado? Não tem problema… Os simples mortais que não receberam convite para o badalado (e concorrido) evento poderão assistir à cerimônia dos seus computadores, já que o site G1 promete transmitir a festa a partir das 20 horas. O filme é o segundo da série com o personagem de Sir Arthur Conan Doyle e novamente é dirigido pelo britânico Guy Ritchie (ex-marido de Madonna). Desta vez, o principal inimigo de Holmes, professor Moriarty, faz parte da trama.

Robert Downey Jr. está hospedado no Fasano do Rio, onde pediu frutas orgânicas e ficou um bom tempo na sacada olhando o movimento de Ipanema. Depois de Sherlock Holmes, há rumores de que ele faça parte do elenco da adaptação de Tim Burton para Pinóquio.

Veja mais fotos no UOL.

Stefan Zweig, o criador da expressão “Brasil, um país do futuro”

Em 28 de novembro de 1881, nascia Stefan Zweig. Vienense, herdeiro de uma família da alta burguesia austríaca, sua trajetória se cruzaria com a do Brasil em 1936 quando, ao ser convidado para um congresso em Buenos Aires, o já famoso escritor Zweig aproveitou para visitar também o Brasil. Chegou esperando encontrar “uma daquelas repúblicas sul-americanas que não distinguimos bem umas das outras, com clima quente e insalubre, situação política instável e finanças em desordem…”, como depois escreveria. Mas ao desembarcar no Rio de Janeiro, a sensação foi outra: “Fiquei fascinado e, ao mesmo tempo, estremeci. Pois não apenas me defrontei com uma das paisagens mais belas do mundo, esta combinação ímpar de mar e montanha, cidade e natureza tropical, mas ainda com um tipo completamente diferente de civilização”. A partir de então, Zweig envolveu-se tão intensamente com o Brasil que, em 1941, junto com a mulher, mudou-se para Petrópolis, virou biógrafo de Américo Vespúcio e escreveu o apaixonado ensaio histórico Brasil, um país do futuro.

O pequeno Zweig no colo de seu pai

Foi em Petrópolis que, em 1942, o escritor e sua mulher foram encontrados abraçados e sem vida. Desiludidos com a II Guerra, eles se suicidaram ingerindo uma quantidade elevada de barbitúricos.

Além de seus livros mais conhecidos, entre eles Medo e outras histórias e 24 horas na vida de uma mulher (Coleção L&PM Pocket), Zweig deixou um legado que inclui traduções, ficções, teatro, poemas e ensaios biográficos de gente como Paul Verlaine, Rimbaud, Romain Rolland, Freud, Casanova, Stendhal, Tolstói, Américo Vespúcio e Maria Antonieta.

Brasil do futuro do passado: Stefan Zweig ao lado de Getúlio Vargas

Depois de ser Michael Jackson, Machado de Assis vira Morgan Freeman

Por Paula Taitelbaum*

A Caixa Econômica Federal refilmou o comercial em que Machado de Assis aparecia tão branco quanto o Michael Jackson. Mas parece que agora, talvez para evitar novos protestos, o pessoal não teve dúvida: escolheu um ator negro. Não mulato, como  Machado era de fato – filho de mãe açoriana com pai também mulato -,  mas preto mesmo, da cor do Morgan Freeman. Aliás, se o novo Machado da Caixa tivesse talento, a gente até poderia dizer que ele era uma versão brasileira do oscarizado ator norteamericano. Mas o coitado parece ter sido dublado pelo ex-presidente Lula: tem a língua presa! Alguém sabe me dizer se Machado de Assis tinha a língua presa? Sei que ele era epilético, mas nunca ouvi nada a respeito de problemas de fala.

A iniciativa da Caixa Econômica Federal de, nos seus 150 anos, fazer uma campanha publicitária embasada na  história, com certeza é elogiável. Resgatar episódios e personagens do Brasil é um gesto nobre. O problema é que, em suas produções de apelo histórico, a Caixa (na verdade, a agência de propaganda que criou os roteiros), não parece ter se preocupado muito com os detalhes. Fora o caso da cor do nosso maior escritor (branco demais, preto em exagero…), há outros deslizes que, para um espectador desavisado, acabam passando despercebidos. Mas que, na verdade, fazem toda a diferença.

Por exemplo: a data que aparece no início do comercial é “Setembro de 1908”. Basta consultar qualquer biografia básica de Machado de Assis (até a Wikipedia!) para descobrir que ele morreu em 29 de setembro daquele ano e que, no mês anterior,  já estava convalecendo em casa. Em setembro de 1908, o escritor jamais iria à Caixa fazer depósito em sua caderneta de poupança. Aliás, para que ele guardaria dinheiro se já suspeitava que iria morrer (tanto era assim que escreveu cartas de despedida aos amigos)?

Mais uma coisa: a cena que mostra ele escrevendo seu testamento também é uma falácia. A caderneta de poupança de Machado estaria na primeira versão de seu testamento, escrito em junho de 1898. E mesmo que essa cena se referisse ao seu último testamento, datado de 1906, a impressão que temos é de o episódio mostrado se passa também em 1908.

Mesmo com licenças poéticas, estes são detalhes que não deveriam e não poderiam ter passado despercebidos por uma instituição do porte e da importância da Caixa Econômica Federal. Até porque, no lugar de servir de exemplo para os alunos de nossas escolas, o banco vai acabar sendo motivo de piada dentro da sala de aula. Isso se o pessoal perceber os erros, é claro.

Leia também o meu post anterior: “O dia em que Machado de Assis virou Michael Jackson“.

* Paula Taitelbaum é escritora e coordenadora do Núcleo de Comunicação L&PM.

A herança de Machado de Assis

Passava das três horas da manhã do dia 29 de setembro de 1908 quando Machado de Assis deixou essa vida e entrou para a história como o maior de todos os escritores brasileiros. Morreu tranquilamente, aos 69 anos de idade e cercado de amigos queridos na casa de Cosme Velho no Rio de Janeiro. “Na noite em que faleceu Machado de Assis, quem penetrasse na vivenda do poeta, em Laranjeiras, não acreditaria que estivesse tão próximo o desenlace de sua enfermidade (…) Na sala de jantar, para onde dizia o quarto do querido mestre, um grupo de senhoras – ontem meninas que ele carregara no colo, hoje nobilíssimas mães de família – comentavam-lhe os lances encantadores da vida e reliam-lhe antigos versos, ainda inéditos, avaramente guardados em álbuns caprichosos.” escreveu Euclides da Cunha, amigo que acompanhou Machado até o último momento. O velório ocorreu na Academia Brasileira de Letras, Rui Barbosa proferiu o discurso fúnebre e a escritora Nélida Piñon disse que “cercava-se de flores, círios de pratas e lágrimas discretas.”

A notícia da morte de Machado de Assis no Jornal do Brasil

Após a morte de Machado de Assis, todos os seus objetos foram inventariados. O que mais chama atenção na lista de bens avaliados é a grande quantidade de móveis velhos ou em mau estado, o que provavelmente prova que ele não tinha lá muito apego a bens materiais. Vale a pena dar uma olhada no espólio do escritor:

Avaliação – Móveis existentes no prédio à rua Cosme Velho, n. 18: 1 Mobília de sala de jantar de vieux chène, constante de mesa elástica com 5 tábuas; 12 cadeiras; 2 étagères, 1 trinchante e 1 mesinha: 500$000; 2 Dunkerques de jacarandá, com espelho 100$000; 1 Grupo estofado, velho; (3 peças): 50$000; 1 Divã estofado (mau estado) 36$000; 1 Dito idem idem 30$000; 10 Cadeiras de bambu 30$000; 1 Conversadeira estofada (velha) 60$000; 2 Cadeiras de braço, estofadas, em mau estado 20$000; 1 Cadeira de balanço, idem 10$000; 4 Cadeiras de jacarandá 32$000; 1 Lavatório de canela, com espelho 80$000; 1 Guarda-vestidos vinhático, muito velho 50$000; 1 Guarda-casacas com frente de madeira (muito velho) 60$000; 1 Cômoda de canela (mau estado) 30$000; 1 Armário pequeno (canela) 30$000; 1 Aparador vinhático, com pedra mármore (mau estado) 20$000; 1 Guarda-comida de vinhático, em mau estado 5$000; 4 Cadeiras de vime, em mau estado 20$000; 1 Divã de palhinha, em mau estado 40$000; 1 Grupo de 2 cadeiras de balanças conjugadas, mau estado 10$000; 1 Porta-chapéu idem 10$000; 1 Cômoda com pedra mármore e espelho, mau estado 10$000; 1 Cômoda de vinhático, velha, em mau estado 5$000; 1 Cama de ferro nova 30$000; 1 Lavatório com pedra mármore em péssimo estado 5$000; 1 Sofá-cama, austríaco, em mau estado 5$000; 1 Secretária de vinhático 30$000; 1 Cadeira para secretária 10$000; 3 Armários envidraçados 30$000; 1 Estante de madeira 5$000; 2 Estantes de ferro 4$000; 1 Relógio de parede 15$000; 1 Jardineira de metal 15$000; 1 Espelho oval com guarnição dourada (estragado) 15$000; 2 Quadros a óleo (paisagem – cópias) 20$000; 1 Quadro a óleo (marinha) idem 10$000; 1 Quadro a óleo (figura) original de Pontorn 30$000; 2 Aquarelas de Pacheco 10$000; e Gravuras coloridas (paisagem) 20$000; 20 Quadros com gravuras diversas 40$000; 1 Serviço de lavatório (incompleto) 15$000; 1 Serviço de christofle constando de 1 colher para sopa, 1 pá para peixe, 4 facas grandes, 4 facas pequenas, 13 garfos grandes, 12 garfos pequenos, 5 colheres para sopa, 7 colheres para sobremesa, 11 colheres para chá (58 peças) tudo por 70$000; 1 Colher de metal 2$000; 3 Esteirinhas de palha 14$000; 1 Serviço de granito, constando de 1 terrina, 1 saladeira, 2 travessas, 1 prato coberto, 1 molhadeira, 1 fruteira, 19 pratos rasos, 1 prato fundo, 5 xícaras, 3 canequinhas para café, 10 pires avulsos, tudo 25$000; 12 copos de vidro (1/2 cristal) 10$000; 8 cálices de cores (vidro) 6$000; 7 cálices cristal para licor 5$000; 2 Garrafas cristal para licor 6$000; 2 Garrafas vidro para vinho 4$000; 1 Compoteira de vidro 1$000; 2 Fruteiras de vidro 2$000; 1 Fruteira vidro de cor 3$000; 2 Copos vidro de cor 1$000; 1 Bandeja metal (mau estado) 1$000; 1 Cesta de metal 2$000; 2 Bules e 1 açucareira metal (em mau estado) 5$000; 4 Taças de cristal para champanhe 5$000, 2 Toalhas e 4 guardanapos 14$000; 1 Lote de roupas de uso 2$000.

Livros – 400 volumes encadernados de diversos autores 600$000; 600 volumes em brochura de diversos autores 300$000; 400 Folhetos de diversos autores 120$000.

2:718$000 – Importa a presente avaliação na quantia de dois contos, setecentos e dezoito mil réis.

(Via Memorial do Bruxo – Conhecendo Machado de Assis)

Todos nós sabemos, no entanto, que a maior herança que Machado nos deixou foram suas obras. A L&PM publica todos os romances de Machado de Assis.

Autor de hoje: José de Alencar

Mecejana (CE), Brasil, 1829 – † Rio de Janeiro, Brasil, 1877

Filho de um senador do Império, diplomou-se em Direito em São Paulo. Iniciou sua carreira literária publicando folhetins no Correio Mercantil, do Rio de Janeiro. Trabalhou como advogado, jornalista e político, chegando a deputado e mesmo a Ministro da Justiça. Sua vasta obra teve imediato reconhecimento. Participou também das principais polêmicas de seu tempo, defendendo um programa de literatura nacionalista e romântica. Em sua obra, procurou representar as tradições do Brasil e os costumes nacionais, norteado por um senso estético incomum. Temas como o indianismo, o sertanismo, o regionalismo e a vida urbana em sociedade, presentes em seus romances, convivem com crônicas, textos para o teatro, ensaios críticos e poemas. Seu estilo é apurado e seu texto privilegia a descrição. Nas narrativas e no teatro, sua obra configura a linguagem literária brasileira.

 OBRAS PRINCIPAIS: O guarani, 1857; Lucíola, 1862; Iracema, 1865; O gaúcho, 1870; Senhora, 1875

JOSÉ DE ALENCAR por Myrna Bier Appel

Em 1875, escritor já reconhecido nacionalmente, com cerca de vinte romances publicados, diversas peças teatrais encenadas na corte, artigos publicados pela imprensa, o cearense José Martiniano de Alencar lança o livro Senhora, uma das obras da sua maturidade. Qual é o segredo dessa longevidade? O que pode oferecer ao leitor de hoje o romance Senhora? Aurélia Camargo – órfã, rica, bela, inteligente – é disputada por todos os jovens nos bailes e festas da corte. Cônscia de que sua beleza, aliada à fortuna, constitui um atrativo irresistível aos que lhe fazem a corte, atribui a cada um de seus pretendentes uma cotação, como em um mercado financeiro. Sabedores de sua cotação, os admiradores que a cercam esmeram-se em satisfazer-lhe os menores caprichos. Aurélia diverte-se com o jogo e a todos desdenha. De volta ao seu palacete, em seus aposentos, vai-se despindo de seus adereços e com eles despoja-se da personalidade exibida nos salões. Desfaz o penteado elaborado e aí está a legítima heroína ao gosto romântico: delicada, melancólica, mas decidida e firme. Administra seus pecúlios e sua casa com competência, soluciona problemas e alivia sofrimentos alheios, atenta ao que se passa ao seu redor. Alencar cria tipos humanos e sociais, descreve cenas e costumes da corte: ricos e pobres, escravos e senhores, diplomatas, mercadores, jovens “casadoiras” vigiadas pela família, estudantes à procura de uma noiva com bom dote, meretrizes à caça de um rico protetor. Também o cenário é variado: além do teatro, da ópera, dos bailes da corte, os passeios de fins de semana descrevem praias, arrabaldes com seus folguedos populares e outro padrão de vida. Isso tudo faz parte do plano traçado por Alencar: compor um vasto painel de seu país, com as peculiaridades de raças humanas, regiões, climas, paisagens, tipos sociais, história, política e até mesmo linguagem.

Deixou esquematizada uma gramática do dialeto brasileiro, que em grande parte já empregava em seus escritos, sobretudo nos diálogos de cunho popular, pelos romances e nas peças teatrais, atraindo críticas ferozes dos puristas e conservadores. A todos respondia Alencar, ou pela imprensa, nas famosas polêmicas, ou nos inúmeros prefácios e posfácios de suas obras.

“Seixas era homem honesto; mas ao atrito da secretaria e ao calor das salas, sua honestidade havia tomado essa têmpera flexível de cera que se molda às fantasias da vaidade e aos reclamos da ambição.” Alencar introduz o protagonista com uma frase incisiva, porém não absoluta: ao ponto-e-vírgula seguem palavras que esmaecem a primeira impressão e permitem prever uma personalidade contraditória. Será ela, conjugada a circunstâncias e acontecimentos vários, causa do conflito gerador do interesse da narrativa. Fernando Seixas, órfão de pai, funcionário público modesto, abandona a faculdade, arranja um cargo em uma secretaria, escreve na imprensa e conquista prestígio. Mas os rendimentos eram minguados. Fernando passa a viver então uma vida dupla. Mora numa casa modesta com a mãe e as duas irmãs, trabalha na repartição e no jornal durante o dia. À noite, ao abrirem-se as salas da alta sociedade, da ópera, do teatro, surge Seixas, elegantíssimo, figurino impecável, distinguindo-se entre os homens pela frase polida, pelo galanteio agradável. Alguns anos antes, Fernando cortejara Aurélia, então adolescente e pobre, e um grande amor parecia ligá-los. Com o tempo, ele a pretere em favor do oferecimento de uma noiva acompanhada de um dote tentador. Compromete-se e parte para o Recife a negócios. A vida de Aurélia transforma-se radicalmente: torna-se rica, graças a uma inesperada herança, e passa a brilhar na corte. Seixas volta da viagem em situação que vai se deteriorando progressivamente. O reencontro dos antigos namorados ocorre numa sala de teatro, causando-lhes forte emoção. O amor, mesmo negado e sufocado, ainda ardia vivo. Com o tempo, Aurélia decide virar o jogo. Deseja Seixas como marido e resolve comprá-lo. Sem revelar sua identidade, faz com que um desconhecido tutor ofereça a mais alta “cotação da sua bolsa matrimonial” a Fernando. O jovem aceita o “negócio”, mesmo sem saber quem será sua noiva. O conhecimento só se dará no dia da cerimônia oficial.

Alencar, retratando a vida social e doméstica da época, segue os encontros e desencontros desse casamento de aparências. Com tais antecedentes, poderá o amor sobreviver? Com esse enredo que facilmente poderia descambar para o folhetim melodramático, Alencar estrutura um romance da sociedade do Rio de Janeiro imperial. Examina a psicologia das personagens, evitando o maniqueísmo, prende a atenção do leitor pelas intrigas e artimanhas e confere à linguagem um tratamento literário até então ausente da ficção brasileira.

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. A partir de hoje, todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Pra melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.