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Depois da meia-noite em Paris

A sala é escura, gelada e repleta de sombras que pendem pelas paredes. Um clima que ajuda a fazer com que a viagem até a noturna Paris dos anos 30 seja instantânea. Ao entrar na exposição “Paris la nuit – Brassaï”, os mais sensíveis sentem um arrepio. E não é de frio. Na mostra de fotos deste que revelou a Cidade Luz em seus momentos menos iluminados, o preto e branco oferece tons que vão do dramático ao fantástico. Há mulheres despidas e árvores nuas. Há a névoa que desce do céu e a fumaça dos cigarros vagabundos. Há uma prostituta que espera na esquina e outras três que se exibem no bordel. Há espelhos absortos em paixão. Retratos embebidos em absinto.  

Madame Bijou

Brassaï, nome arstístico do húngaro Julius Halas, foi muito mais do que um fotógrafo. Se é possível capturar a alma em foto, ele o fez. Nascido em 1899, Brassaï chegou em Paris em 1924. Virou amigo de André Kertés, Salvador Dali, Kiki, Henry Miller e Picasso. Em 1929, ao vagar insone pelas ruas, criou o projeto “Paris à noite”, com fotografias que demonstravam seu amor pelo surrealismo das relações. Brassaï caçou, na luz noturna de Paris, o insólito, o desconhecido, o que é desprezado. Valorizou as prostitutas, os delinquentes, os trabalhadores noturnos. E transformou a arquitetura parisiense em personagem de seu delírio: silhuetas de sonhos.  

Solitária, uma das pontes de Paris

Na exposição, além das ruas, está a casa de Madame Suzy, os bares frequentados por transexuais, a porta dos mictórios públicos, os cafés com aromas de beijos proibidos. São estes os cenários que encontramos. As madrugadas parisienses com suas penumbras, seus faróis, sua amoralidade, seu jogo de luz, sombra, ação e reação. O que Brassaï conseguiu capturar com suas lentes, é algo que não se pode deixar de descobrir. A viagem, pelo menos aqui, é de graça. (Paula Taitelbaum*)    

Assim era Brassaï

*Paula Taitelbaum é escritora e coordenadora do Núcleo de Comunicação L&PM. No início de janeiro de 2012, ela visitou a mostra “Paris la nuit – Brassaï”. Exposição que, a partir de 18 de janeiro, está em Belo Horizonte e, em abril, integrará a programação do FestFotoPOA em Porto Alegre.

SERVIÇO – BELO HORIZONTE

Quando: de 18 de janeiro a 1 de abril de 2012

Onde: Espaço Oi Futuro

Av. Afonso Pena, 4001

Quanto: Grátis

Nos anos 1980, a L&PM publicou o livro Dias de Clichy, de Henry Miller, em que o escritor cita Brassaï.

É proibido beijar Oscar Wilde

Pra colocar fim à depredação do túmulo de Oscar Wilde no cemitério de Père Lachaise, em Paris, a família do escritor resolveu erguer em volta do jazigo uma parede de vidro. Na verdade, a principal preocupação era impedir que as pessoas continuassem deixando marcas de batom no túmulo. Isso mesmo: centenas de beijos deixados por fãs e admiradores do escritor ornavam o local – o que, segundo a família e amigos próximos, era uma afronta à memória do autor de O retrato de Dorian Gray.

“Oscar era muito cuidadoso com sua imagem, apresentando-se sempre bem vestido. Não acho que lhe agradaria a ideia de repousar num túmulo degradado, mesmo por beijos de batom”, disse o ator britânico Rupert Everett, famoso intérprete das obras de Wilde.

O neto do escritor, Merlin Holland, lembra outro motivo pelo qual a atitude dos visitantes não era bem vista por sua família: foi um beijo que levou Oscar Wilde para a prisão em 1895. Holland assegura que, se vivo fosse, seu avô estaria enfurecido com a situação.

O neto de Oscar Wilde discursou na inauguração das novas paredes de vidro

Antes, o jazigo era assim, "decorado" com centenas de beijos de fãs e admiradores

As placas de vidro têm dois metros de altura e  impedem totalmente o acesso ao túmulo, que ostenta uma extravagante esfinge alada, esculpida em 1912 pelo artista Jacobs Epstein especialmente para decorar o jazigo do escritor.

“Flores, não beijos de batom!”, bradou o neto, que assistiu à “cerimônia” de colocação das placas ao lado do Ministro irlandês das Artes e do Patrimônio, que também apoiou a intervenção.

A autobiografia de Alice B. Toklas: Paris, Picasso, Matisse e a “Geração Perdida”

Gertrude Stein voltou com tudo em 2011. Primeiro, no mega sucesso internacional de Woody Allen, o filme “Meia noite em Paris”, onde ela e sua famosa casa na rue Fleurus 27,  em Paris, são protagonistas. E depois pela maravilhosa exposição “Matisse, Cézanne, Picasso: l’aventure des Stein”  no Grand Palais, em Paris, inaugurada dia 5 de outubro e que vai até 15 de janeiro de 2012.

Esta “A autobiografia de Alice B. Toklas” explica tudo. Alice foi a companheira de Gertrude pela vida inteira. E juntas foram testemunhas oculares do nascimento da arte moderna. Ela conta a sua história pela boca de Alice; no tempo em que Paris era uma festa e Picasso, Matisse, Cézanne e toda a arte moderna pintavam, amavam, se divertiam, sofriam e passavam fome na capital de todas as revoluções. Mais tarde nos anos 20, Gertrude trocou os pintores pelos escritores. Inventou a célebre expressão “Geração Perdida” para os jovens autores americanos que ela havia descoberto pelas ruas de Paris; Ernest Hemingway e Francis Scott Fitizgerald.

Enfim. “A autobiografia de Alice B. Toklas” é uma reedição importantíssima (foi lançado pela L&PM pela primeira vez no Brasil em 1984). Um livro imperdível, onde o você, leitor, através do talento de Gertrude Stein conhecerá a intimidade, os fatos, as histórias e as lendas de um período fundamental na história da arte e da literatura. (Ivan Pinheiro Machado)  

Alice e Gertrude, em 1944, no interior da França

Gertrude e Alice foram companheiras até o fim da vida

Gertrude e Alice foram companheiras até o fim da vida

Gertrude ajudou muitos artistas a alçarem vôos maiores

Alice e Gertrude na sua casa em Paris (clique para aumentar)

Vem aí “O Grande Gatsby” na Coleção L&PM Pocket

Todo mundo sabe que Paris é uma festa! Ernest Hemingway e os demais americanos que escolheram a capital francesa para morar que o digam. Agora, imagine você de férias na Cidade Luz, aproveitando a brisa inspiradora da noite parisiense, quando é abordado por um carro com pessoas que parecem ter vindo direto do passado. Um homem sai do carro, abre a porta e insiste para que você entre. Então você entende que, na verdade, o carro não está vindo, mas indo – e levando você junto! – direto para os anos 20, quando Paris foi palco da “Geração Perdida” e o cenário que inspirou grandes escritores a criar algumas da maiores obras da literatura universal.

Bom… até aí, nada de original, pois se você assistiu ao filme Meia-noite em Paris, de Woody Allen, deve ter reconhecido o enredo. Foi imerso nesta Paris, em meados do anos 1920, que F. Scott Fitzgerald escreveu O grande Gatsby, uma verdadeira obra-prima que vai chegar à Coleção L&PM Pocket ainda este mês. A capa do livro já está pronta e aí vai ela, em primeira mão pra vocês!

O Grande Gatsby foi lançado originalmente em 10 de abril de 1925 como uma crítica ao “Sonho Americano”. Fitzgerald usou como pano de fundo a prosperidade e o glamour dos milionários de Nova York que enriqueceram a partir da Lei Seca, através do crime organizado. O livro não virou sucesso na sua primeira edição e vendeu apenas 25 mil cópias nos 15 anos restantes de vida de seu autor. Foi só depois da morte de Fitzgerald que ele caiu nas graças dos leitores e virou bestseller, sendo adaptado para uma peça da Broadway e um filme de Hollywood (em 1974, com Robert Redford no papel principal).

Atualmente, o livro é considerado O Grande romance americano e está sendo refilmado com Leonardo Di Caprio no papel de Gatsby. Aguardaremos.

 

Nada de dar meias pro seu pai!

Ainda não sabe o que dar de presente para o seu pai? Meias, cuecas, pantufa e pijama nem pensar! Gravata também não parece ser uma boa ideia. Garrafa de vinho você já deu no ano passado. Caneta seu pai já tem várias. Celular novo ele ganha de presente da operadora. IPad ainda está meio caro. Então, quem sabe… livros! E nem venha dizer que ele é do tipo que não lê. Até porque, aqui na L&PM, tem livros até para pais que preferem histórias em quadrinhos e receitas. Vale tudo. Só não vale esquecer dele.

CENAS DE UMA REVOLUÇÃO – Um livro perfeito para pais que gostam de cinema. Escrito pelo jornalista Mark Harris, Cenas de Uma Revolução conta a história de cinco filmes que concorreram ao Oscar 1967: Bonnie & Clyde, A primeira noite de um homem, O fantástico Doutor Dolittle, Adivinhe quem vem para o jantar e No calor da noite. A partir da história destas cinco produções, Harris traça um painel cultural do embate que estava acontecendo entre a velha e a nova Hollywood. Divertido e atual! (leia a crítica que o jornalista Goida escreveu sobre este livro)

AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA – É muito provável que seu pai já conheça este livro de Eduardo Galeano. Mas talvez ele nunca tenha visto a nova edição publicada pela L&PM – em formato convecional e pocket – com nova capa e  introdução do autor, tradução de Sergio Faraco e índice analítico. As veias abertas da América Latina é repleto de humanismo e vendeu milhões de exemplares em todo mundo. Se o seu pai é de esquerda (ou simpatizante dela), não pense duas vezes: este é o presente para ele!

CAIXA ESPECIAL GASTRONOMIA – Pais que gostam de dar uma de cheff de cozinha (ou que pelo menos tentam cozinhar) com certeza vão curtir esta caixa que reúne dez livros da série Gastronomia L&PM. Tem de tudo: receitas de carnes, pescados, churrasco, molhos, pratos lights, patisseria, aves, arroz e muito mais. Sem contar que fica linda na cozinha.

PEANUTS COMPLETO 4 – Se o seu pai é do tipo descolado (ou adora o estilo vintage) ele vai achar o máximo este livro com capa dura e formato diferenciado. Peanuts completo: 1957- 1958 é o quarto volume desta série com as primeiras tiras que Charles Schulz desenhou com Charlie Brown, Linus, Lucy, Schroeder, Violet, Patty Pimentinha, Woodstock e, claro, o cão mais querido do planeta: Snoopy. Se achar que é pouco, você ainda pode optar pela caixa com dois volumes. Que puxa! Vai ser um presentão.

A ENTREVISTA DE MILLÔR FERNANDES – O que o seu pai andava fazendo lá pelos anos 80? Ok, ok, melhor nem perguntar… É que foi nesta época que Millôr Fernandes concedeu uma grande entrevista à Revista Oitenta. Entrevista que virou um livro com as grandes pérolas do pensamento de Millôr (“Agora, esse negócio de hippie dizer que vai destruir a família é besteira; a família é um nódulo eterno”). O longo, denso e divertido depoimento permanece atual e é um presente que dá o que falar (e o que pensar).

FELIZ POR NADA – Se o seu pai for um cara romântico, sensível, que gosta de pensar na vida, filosofar sobre o amor e valoriza a família e a amizade, provavelmente o mais recente livro de crônicas de Martha Medeiros será um ótimo presente pra ele. São mais de 80 crônicas que abordam assuntos atuais, de forma leve e muito próxima ao leitor. Feliz por nada tornou-se o livro mais vendido do Brasil na categoria “não ficção” e atualmente está no topo da lista da Revista Veja.

JÔ NA ESTRADA – Seu pai gosta de uma história picante? Se a resposta foi “sim”, aqui está o livro certo pra ele. Em Jô na Estrada, David Coimbra narra, em forma de folhetim, as aventuras da voluptosa Jô e seus “seios apontados para o céu, o bumbum impecável, as pernas longas, roliças, rijas”. E o melhor é que essa descrição vem acompanhada de muitos desenhos do ilustrador Gilmar Fraga – que tratou de fazer jus à personagem.

PERVERSAS FAMÍLIAS – Calma, não se assuste com o título. Seu pai com certeza é inteligente o suficiente para entender que você está dando a ele um ótimo livro e não uma mensagem subliminar. Perversas Famílias, de Luiz Antonio de Assis Brasil, é o primeiro livro da série “Um castelo no pampa” e narra a saga da família Borges da Fonseca e Menezes, que se confunde com a história do próprio Rio Grande do Sul. E vale dizer que seu pai nem precisa ser gaúcho para se emocionar com este romance. Um verdadeiro épico.

E claro que isso não é tudo. Outras sugestões são livros de Jack Kerouac, Woody Allen, Machado de Assis, Paris: biografia de uma cidade, além dos mais recentes títulos das séries Biografias e Encyclopaedia.

“Ferragus”: crimes e intrigas numa Paris assolada por tragédias e paixões

Desde que o remake da novela “O Astro” começou, o nome “Ferragus” caiu, digamos, na boca do povo. Mas talvez nem todos os telespectadores saibam que o misterioso mentor de Herculado Quintanilha, personagem agora vivido por Francisco Cuoco (e que não existia na versão original da novela), certamente foi inspirado em uma criação de Honoré de Balzac. E não só seu nome como também suas atitudes. Tanto é assim que, em uma das primeiras cenas de “O Astro”, Ferragus fala para Herculano: “Todos os seres humanos querem ser enganados, sobretudo as mulheres…”

Talvez esta frase pudesse estar em um dos livros de Balzac. Mas isso não significa que ele não amasse o sexo oposto. Amava muito, assim como amava Paris. Sobre a Comédia Humana, monumental conjunto de textos composto 89 romances (entre eles “Ferragus“), se disse que – caso tirassem as mulheres – desabaria o monumento. Tirassem os homens, mesmo assim seria uma obra-prima. Claro que é um exagero. Mas mostra que são as mulheres que dominam e dão força e sentido a este definitivo monumento da literatura ocidental. Boa parte da imensa obra de Balzac, escrita compulsivamente em menos de 20 anos, tem a presença impressionante da cidade de Paris. Ela paira sobre os livros com seu charme suntuoso, interagindo com os personagens através de suas sombras, suas ruelas sinistras, enlameadas, seus palácios e seus fiacres soturnos que cruzam as madrugadas.

Em “Ferragus” não é diferente. O personagem título – chamado de “O chefe dos devoradores” é o misterioso líder de uma sociedade secreta parisiense. Mas ele não é o único a se enredar nas tramas balzaquianas, como bem mostra o texto de apresentação da edição da L&PM: “Uma mulher, generosa e bela como um anjo, suspeita de adultério; um jovem oficial que se lança na mais vã e desastratada das investigações; um agente de câmbio perdido nos tormentos da paixão; uma soma de dinheiro que ninguém explica; uma sociedade secreta (Os Treze) na qual os membros se protegem para usufruir do poder ao seu bel prazer; duelos, assassinatos, suicídios; e como pano de fundo, como gigantesco e febril teatro de todas as paixões, a cidade de Paris nos incandescentes anos da Restauração da Monarquia. Todo Balzac já está aqui em Ferragus, que é considerado uma das etapas essenciais da grande obra balzaquiana, um dos romances fundadores da Comédia Humana.”

Autor de hoje: Marcel Proust

Paris, França, 1871 – † Paris, França, 1922

Filho de médico, passou sua infância em Paris, em Champs-Elysées, e as férias de verão em Illiers, sob os cuidados da família. Estudou Direito em Paris, onde fundou a revista O Banquete, na qual publicou suas primeiras experiências literárias. Freqüentou os salões da época, inspirando-se na alta burguesia e na aristocracia francesa para compor seus romances. Após a morte dos pais, dedicou-se à redação do romance Em busca do tempo perdido, publicado entre 1913 e 1927, composto de sete partes. Opondo-se à temática realista, a obra de Proust registra a evocação da memória, capaz de reunir presente e passado em uma mesma sensação. Relatada em primeira pessoa, ultrapassa a narrativa tradicional e realista através da introspecção e da observação. Nela o autor procura demonstrar que o tempo da vida, que parece irremediavelmente perdido, se recupera por meio da obra de arte. Sua obra ampliou os rumos da literatura, contrariando o pensamento positivista dominante na passagem do século.

OBRAS PRINCIPAIS: No caminho de Swann, 1913; À sombra das raparigas em flor, 1919; O caminho de Guermantes I, 1914; O caminho de Guermantes II, 1922; Sodoma e Gomorra, 1922; A prisioneira, 1923; A fugitiva, 1925; O tempo redescoberto, 1927

MARCEL PROUST por Tatata Pimentel

Marcel Proust nasceu em 10 de julho de 1871 em Auteuil, arredores de Paris, em família fugida das turbulências revolucionárias do centro da cidade. Filho de mãe judia, milionária e possessiva, Jeanne Weil, e de pai médico, famoso e autoritário, Adrian Proust. Supõe-se que, em função dos traumas sofridos pela mãe durante a gestação e o parto, a criança tenha nascido com uma asma incurável – tanto física quanto psíquica. Essa doença perseguirá Proust até a sua morte, em 18 de novembro de 1922. Portanto, a sua vida coincide com o painel histórico narrado, que tem por título geral Em busca do tempo perdido.

Proust consegue publicar em vida: No caminho de Swann, em 1913; O caminho de Guermantes I, em 1914; À sombra das raparigas em flor, em 1919; O caminho de Guermantes II, Sodoma e Gomorra, ambos em 1922. Neste mesmo, sai Sodoma e Gomorra II. Após a morte de Proust, seu irmão, Robert, tenta organizar seus cadernos de rascunhos e decifrar os bilhetes, colados nas folhas e contendo as idéias de Proust para os volumes seguintes. Com esta tentativa, publicam-se: A prisioneira, em 1923; A fugitiva, em 1925; e, finalmente, em 1927, O tempo redescoberto. O infindável trabalho para se chegar a um texto final de todos os romances que compõem Em busca do tempo perdido só termina com a edição definitiva, na coleção Pléiade, organizada por Jean-Yves Tadié, em quatro volumes, em 1987 – desautorizando todas as versões anteriores da obra máxima de Proust. Obra esta interminada e interminável. Quando Proust coloca a palavra fim, o faz durante a escritura do romance, e não ao finalizá-lo. Essa narrativa é um imenso painel da sociedade francesa que coincide com a vida do autor. Guerras, revoluções, manifestações artísticas e, principalmente, o fim de uma aristocracia, paralelo ao surgimento de uma burguesia ostensiva. Emergidas exclusivamente através da memória involuntária do autor, com um gole de chá de tília e uma madeleine prensada contra o palato.

Essas memórias saem, grosso modo, de três grupos sociais: o círculo Guermantes, dos aristocratas, a ascensão da burguesa madame Verdurin e as recordações da infância em Combray. Com a famosa frase: “Durante muito tempo, deitava- me cedo”, o autor deslancha a recuperação do passado, das fobias da solidão e da expectativa do beijo da mãe antes do adormecer – na casa de sua tia-avó em Combray. A justificativa de um caminho que leva à casa de Swann e outro que leva ao castelo dos Guermantes deve-se ao fato de que, saindo pela porta de frente da casa da tia, ia-se para a casa de Swann; saindo-se pelo portão dos fundos, ia-se em direção aos Guermantes. Essa oposição geográfica se realizará na obra de Proust quando a burguesia casa-se com a aristocracia. Os primeiros volumes de Em busca do tempo perdido são os mais lidos; há muito leitor derrotado pelas imensas descrições de sensações do narrador, ao fio de todo o romance. Mas o princípio é extremamente fácil, saboroso e divertido. Em busca é o maior desafio para leitor de todas as épocas, que só se interessa por conhecer “a historinha do livro” – hábito que se formou contemporaneamente com a vitória do best-seller, cuja preocupação única é o mito da narrativa e o final da trama. Em busca do tempo perdido é um romance de sensações. O gosto da madeleine no palato com chá de tília e as receitas fabulosas da velha empregada Françoise. O sentimento de ser ou não traído por Albertine, a frase musical que consagra o amor de Albertine e do narrador e a sexualidade dos amigos íntimos. Nada é confirmado nos romances, e sim deixado na dúvida, pois toda a obra é escrita em primeira pessoa. O que o narrador sabe, ele viu ou lhe foi relatado. Ele não é onipresente nem onisciente, como no romance tradicional.

Os grandes painéis da obra: a reunião da família durante as férias do narrador em Combray, com a imortal figura de Françoise; a carência do amor da mãe e a doença de tia Léonie; a beleza de À sombra das raparigas em flor, que se passa na praia atlântica de Cabourg, no litoral francês, e os lazeres da burguesia e da aristocracia; o Caso Dreyfus, discutido nos salões da sociedade parisiense; o anti-semitismo posto em questão; a pintura infernal da Primeira Guerra em Paris; a descoberta da homossexualidade dos vários amigos do narrador; a descrição de uma descida ao inferno dantesco, num bordel masculino parisiense, durante o bombardeio da cidade. E, por fim, a chave de ouro da obra, com a festa na casa dos Guermantes, onde finalmente o narrador constata a decadência física, moral e intelectual dos milhares de personagens que habitam as páginas de Em busca do tempo perdido. O tempo passou para aquela fatia da sociedade parisiense do fim de século. Alguns, criação literária. Outros, personagens reais da época, como a atriz Sarah Bernhardt.

Ler essa obra é tão difícil quanto ler qualquer obra-prima da humanidade, pela sua extensão, pela quantidade de personagens e por sua mobilidade social: uma madame que vira duquesa e tem outro nome; uma prostituta que vira princesa e também muda de nome. É impossível estabelecer uma geografia na obra e uma genealogia. São essas mutações da sociedade e suas ideologias que a tornam o maior painel literário da passagem do século. Exclusivamente pela sensibilidade do narrador: as pesquisas do autor com as minúcias de moda, penteado e chapéu. Enfim, a transmutação de uma sociedade arcaica francesa rumo à França contemporânea.

Para quem pretende enfrentar Proust no original: Bibliothèque de La Pléiade, quatro volumes, Paris, 1987. Para quem deseja ler em português: tradução de Fernando Py, publicada pela Ediouro, e tradução de Mario Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Lucia Miguel Pereira, publicada pela Globo. Os estudos sobre a obra de Proust pululam, desde Deleuze até Julia Kristeva.

Biografia: A Monumental e Definitiva, de Painter. Mas nada subsiste sem a leitura da obra. Difícil e monumental. Longa e eterna, como qualquer obra de arte.

Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Marcel Proust é o autor escolhido deste Domingo porque hoje, 10 de julho, é seu aniversário!

Duas visões sobre “Meia noite em Paris”, de Woody Allen

Assim que o novo filme de Woody Allen estreou no Brasil, na última sexta-feira, dia 17 de junho, corremos para as salas de cinema mais próximas para conferir o que prometia ser mais uma obra-prima de um dos nossos cineastas preferidos. E, mais uma vez, ele não decepcionou!

O editor Ivan Pinheiro Machado e a editora de vídeos da WebTV, Laura Linn, compartilham a seguir suas impressões sobre o filme.

Meia Noite em Paris: Cinema e literatura como metáfora

Por Ivan Pinheiro Machado

Digamos que você não seja um cinéfilo, um especialista em cinema. Mas mesmo assim gosta muito de cinema e procura acompanhar os lançamentos, vez que outra se aventura num filme de arte, mas também não despreza uma comédia romântica. Eu sou mais ou menos assim. Como, aliás, todo mundo. Adoro cinema. Afora os filmes violentos demais, com tiros demais, que eu abandonei definitivamente, eu vejo tudo.

E ontem vi um filme extraordinário: Meia noite em Paris, de Woody Allen. O filme é um tributo a duas coisas que são caras à muita gente: literatura e Paris.

Woody Allen, o velho bruxo, foi para frente do seu caldeirão fumegante e começou a desfiar seus sortilégios. Uma trama simples, descomplicada, vai tomando corpo tendo como pano de fundo uma cidade-espetáculo e a mitologia cultural gerada pelos anos 20.

Se você leu Autobiografia de Alice B. Toklas de Gertrude Stein (L&PM Pocket), então você é um privilegiado. Se também leu Salvador Dali (Coleção Pocket Plus), Jean Cocteau, se viu Belle de Jour, de Buñuel, se leu Grande Gatsby, de Fitzgerald e O Sol também se levanta, de Ernest Hemngway, se leu os poemas de T. S. Elliot e os livros do próprio Woody Allen publicados na coleção L&PM Pocket como Cuca Fundida, Sem Plumas, Adultérios, Que Loucura, se ouviu Cole Porter, se curte Picasso, Maitisse, Modigliani, então melhor ainda.

A maestria de Woody Allen faz com que os delírios de Gil, o escritor americano semi-frustrado de férias em Paris, fiquem absolutamente naturais. Mas eu não vou contar o filme. Vá ao cinema mais próximo e delicie-se com um mergulho nos velhos e bons tempos. Ajude a aquecer a doce lenda de que Paris foi e sempre será uma festa. E veja um Woody Allen puro sangue, daqueles em que ele acerta a mão e que dá vontade de aplaudir quando o filme acaba.

Meia noite em Paris, um hino de amor à Cidade Luz

Por Laura Linn*

Woody Allen revela todo o encanto da Cidade Luz, em seu novo filme, Meia noite em Paris, enfocando a magia, o charme e a beleza da eterna capital do romantismo. Um homem comum, despretencioso, que sonha em ser escritor e morar em uma Paris chuvosa dos anos 20, onde viveram grandes artistas e escritores como Ernest Hemingway, Gertrude Stein e Pablo Picasso. Allen homenageia a cidade utilizando o nonsense e o realismo fantástico que prende a atenção do espectador do começo ao fim. Une-se a fantasia à realidade, o passado ao presente com o desejo que as pessoas possuem de viver uma realidade diferente da sua.

Nos últimos anos, o diretor deixou sua amada Nova York e migrou para a Europa, realizando filmes maravilhosos como Match Point, Scoop, Vicky Cristina Barcelona, entre outros. Com diálogos divertidos, Woody Allen nos leva pelas ruas da cidade, mostrando o charme de Paris ao dia e a tranformação da cidade ao soar da meia noite. O espectador viaja no tempo, junto ao personagem, aos “loucos anos 20″e à “Belle Époque”, duas das mais marcantes décadas da capital francesa. A câmera passeia pela típica noite parisiense da época com seus cafés e bordéis, mulheres belíssimas e sedutoras, ao mesmo tempo em que encontra subitamente os maiores intelectuais da época, passando a conviver com ídolos na cidade de seus sonhos. Assim, vão desfilando a sua frente, Hemingway, Buñuel, Zelda e Scott Fitzgerald, Cole Porter e Salvador Dali. Sente-se uma vontade de viver aquela mesma história, encontrar esses grandes personagens da literatura, da música e das artes, apaixonar-se novamente.

Meia noite em Paris

Allen não é apenas um grande diretor, mas também um grande roteirista. São mais de 40 anos como cineasta e praticamente um filme realizado por ano. O que fascina nos filmes do diretor novaiorquino são os diálogos, a interpretação dos atores e a forma como ele mostra o cotidiano e o comportamento do ser humano na sociedade com romantismo, humor e drama. Meia noite em Paris é perpassado por um olhar crítico sobre a insatisfação das pessoas com a sua realidade. Com as belas paisagens de Paris, como pano de fundo, um humor sutil e atuações incríveis como de Marion Cottilard – que já ganhou um Oscar de Melhor Atriz como Piaf – o filme é um verdadeiro hino de amor à cidade.

*Laura Linn é editora de vídeos da L&PM WebTV e formada em Cinema pela PUC-RS.

Uma noite dedicada aos beats em Paris

A banda franco-americana Moriarty, inspirada no principal personagem do livro On the road, de Jack Kerouac, é uma das principais atrações da “soirée beatnik” no Centquatre, em Paris, neste sábado, 28 de maio. Performances, instalações e projeções de filmes sobre o universo beat completam a programação da festa que começa às 21h e vai até as 3h do dia seguinte. Uma verdadeira overdose de cultura beat!

Imagem de divulgação do "soirée beatnik" no Centquatre, em Paris

Mas se você não tem planos de ir a Paris neste fim de semana, aproveite o som da banda Moriarty no MySpace ou no clipe abaixo:

Novo filme de Woody Allen estreia em junho

A revista francesa Première divulgou hoje novas imagens do filme Midnight in Paris, de Woody Allen, que vai abrir o Festival de Cannes em maio e tem estreia no Brasil prevista para junho. Quem também faz sua estreia no cinema é a primeira-dama da França, Carla Bruni-Sarkozy, no papel de guia turística do Museu Rodin, em Paris.

Carla Bruni e Woody Allen nas filmagens de "Midnight in Paris"

Sempre cheio de referências e intertextualidades, Woody Allen não faz diferente em Midnight in Paris. No cartaz do filme, divulgado na semana passada, o cenário da Cidade-Luz se mistura à tela Noite estrelada, de Vincent Van Gogh.

Enquanto espera o filme estrear no Brasil, vá preparando o humor e dê boas boas risadas com os livros de Woody Allen publicados pela L&PM e veja o trailer: