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De que morreu Pablo Neruda?

Jornal da época noticia a morte de Pablo Neruda

Em 23 de setembro de 1973, há exatos 38 anos, Pablo Neruda morria aos 69 anos. Em seu livro Paula, Isabel Allende defende que o grande poeta teria morrido de “tristeza”, poucos dias depois do golpe militar de Augusto Pinochet ter derrubado o governo de Salvador Allende. Mesmo assim (e mesmo ele estando doente), há os que acreditam que Neruda teria sido assassinado pela ditadura de Pinochet. Essa teoria ganhou força em junho de 2011, quando o Ministério Público chileno incluiu seu nome em uma lista de 726 pedidos de investigação sobre mortes em circunstância duvidosas. O resultado das investigações que estão em andamento promete ajudar a reescrever a história recente do Chile, marcada por uma das ditaduras mais violentas que a América Latina testemunhou.

Pablo Neruda é considerado um dos mais importantes poetas de língua espanhola do século 20 e durante as eleições presidenciais chilenas nos anos 70, desistiu de sua candidatura para que Salvador Allende vencesse. No livro Últimos poemas (O mar e os sinos), a voz de Neruda se levanta pela última vez, cheia de nostalgia e melancolia, mas ao mesmo tempo reafirmando a fé na palavra. Este livro derradeiro foi concluído em seu leito de morte e sua primeira edição saiu pela L&PM Editores em 1983. Atualmente, o livro em edição bilingue faz parte da coleção pocket.

Perdão se pelos meus olhos não chegou
mais claridade que a espuma marinha,
perdão porque meu espaço
se estende sem amparo
e não termina:
– monótono é meu canto,
minha palavra é um pássaro sombrio,
fauna de pedra e mar, o desconsolo
de um planeta invernal, incorruptível.
Perdão por esta sucessão de água,
da rocha, a espuma, o delírio da maré
– assim é minha solidão –
saltos bruscos de sal contra os muros
de meu ser secreto, de tal maneira
que eu sou uma parte do inverno,
da mesma extensão que se repete
de sino em sino em tantas ondas
e de um silêncio como cabeleira,
silêncio de alga, canto submergido.

(Versos de “Últimos poemas”, de Pablo Neruda)

Muerto cayó Federico

Em 19 de agosto de 1936, em pleno verão andaluz, o poeta Federico Garcia Lorca, que afrontava as normas do regime com sua poesia, foi friamente assassinado pelo exército nacionalista. Sem julgamento ou misericórdia, deram-lhe um tiro de fuzil na nuca e se livraram de seu corpo num lugar qualquer da província de Granada.

A morte de Lorca foi um soco no estômago de poetas e artistas de todo o mundo, que reagiram à triste notícia usando o que tinham de melhor para expressar sua tristeza: a arte. No ano seguinte ao assassinado de Lorca, Picasso fez um de seus quadros mais famosos, a Guernica. Ao ser questionado por um oficial alemão se ele teria pintado o quadro, Picasso respondeu: “não, os senhores é que o fizeram”.

Profundamente abalado com a barbárie da Guerra Civil Espanhola e tocado pela morte do amigo, Pablo Neruda escreveu os poemas reunidos no livro Terceira residência, um verdadeiro libelo contra a guerra com versos sobre política e liberdade.

No Brasil, Lorca foi homenageado por Vinicius de Moraes, que compôs o belíssimo poema “A morte de madrugada”. A seguir, os versos de Vinicius na voz do ator português Mario Viégas e abaixo, a última estrofe do poema:

Atiraram-lhe na cara
Os vendilhões de sua pátria
Nos seus olhos andaluzes
Em sua boca de palavras.
Muerto cayó Federico
Sobre a terra de Granada
La tierra del inocente
No la tierra del culpable.
Nos olhos que tinha abertos
Numa infinita mirada
Em meio a flores de sangue
A expressão se conservava
Como a segredar-me: – A morte
É simples, de madrugada…

Parte da obra poética de Federico Garcia Lorca está no livro Antologia Poética – Garcia Lorca, da Coleção L&PM Pocket.

17 formas de amar Neruda

A Barcarola, Cantos cerimoniais, Cem sonetos de amor, O coração amarelo, Crepusculário, Elegia, Jardim de inverno, Livro das perguntas, A Rosa Separada, Memorial de Isla Negra, Residência na Terra I, Residência na Terra II, Terceira residência, Últimos Poemas, As uvas e o vento, Defeitos escolhidos e 2000 (este último, dois livros em um volume). Mais do que 17 títulos que fazem parte da Coleção L&PM POCKET, estas são diferentes formas de descobrir, se encantar e amar Pablo Neruda.

Um dos mais importantes e influentes poetas de língua espanhola em todos os tempos, e Prêmio Nobel de Literatura 1971, o chileno Pablo Neruda  (1904-1973) deixou sua marca no século XX com uma poesia que pontificou na vanguarda das tendências literárias, além de reunir um lirismo genuíno e arrebatador, combinado com um profundo comprometimento com as causas sociais latino-americanas.

No início da década de 80, a L&PM Editores passou a publicar grande parte da obra poética de Neruda, até então desconhecida no Brasil. Na época, os leitores brasileiros tinham acesso apenas à sua biografia, “Confesso que vivi”, e à coletânea “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada”. As edições da L&PM, a maioria delas bilígues, tiveram a colaboração de grandes tradutores brasileiros, como os poetas Paulo Mendes, Olga Savary, José Eduardo Degrazia, Luiz de Miranda, Geraldo Galvão Ferraz e Carlos Nejar. Foram publicados 16 livros de poemas, com destaque para a poesia social e aos poemas póstumos. Este grande conjunto significa mais da metade da obra poética de Neruda.

Quando recebeu o Prêmio Nobel de literatura, em 1971, Pablo Neruda proferiu um discurso que tornou-se célebre pela veemência e lirismo. Leia aqui.

Pablo Neruda recebendo o Nobel de Literatura em 1971

Volta o Outono

Pablo Neruda
(do livro Residência na Terra II – tradução de Paulo Mendes Campos)

Um enlutado dia cai dos sinos
como trêmula teia de vaga viúva,
é uma cor, um sonho
de cerejas mergulhadas na terra,
é uma cauda de fumaça que chega sem descanso
a trocar a cor da água e dos beijos.

Não sei se me entendem: quando do alto
se avizinha a noite, quando o solitário poeta
à janela ouve correr o corcel do outono
e as folhas do medo pisoteado rangem nas suas artérias
há algo sobre o céu, como língua de boi
espesso, algo na dúvida do céu e da atmosfera.

Voltam as coisas ao lugar,
o advogado indispensável, as mãos, o azeite,
as garrafas,
todos os indícios de vida: as camas, sobretudo,
estão cheias dum líquido sangrento,
a gente deposita sua confiança em sórdidas orelhas,
os assassinos descem escadas,
mas não é isto, e sim o velho galope,
o cavalo do velho outono que tremula e dura.

O cavalo do velho outono tem a barba vermelha
e a espuma do medo lhe cobre as faces
e a aragem que o segue tem forma de oceano
e perfume de vaga podridão enterrada.

Todos os dias baixa do céu uma cor cinzenta
que as pombas devem repartir pelas terras:
a corda que o esquecimento e as lágrimas tecem,
o tempo que dormiu longos anos dentrodos sinos,
tudo,
os velhos trajes mordidos, as mulheres que olham
chegar a neve,
as papoulas negras que ninguém podem contemplar sem morrer,
tudo cai nas mãos que levanto
no meio da chuva.

Conheça todos os títulos de Pablo Neruda publicados pela L&PM.

O “Dia Mundial da Poesia” e das flores

O Dia Mundial da Poesia é também o primeiro dia da primavera no hemisfério norte. “O tempo da flor” – como é conhecida a estação mais colorida do ano – é perfeito para localizar a poesia amorosa. Já no século XI, na França, os poetas obedeciam estritamente à convenção de guardar suas odes amorosas para esta época do ano. Em língua portuguesa, há registros desta tradição deixados pelo rei-poeta D. Denis, que viveu no século XIII. Num diálogo entre duas jovens, uma delas apela para as flores novas de um pinheiro para saber notícias de seu amado.

A escolha do dia 21 de março como o Dia Mundial da Poesia não é, portanto, mera coincidência. Na obra da poeta portuguesa Florbela Espanca – que tem flor até no nome! – as flores são presença constante, como no soneto “Crisântemos”:

Sombrios mensageiros das violetas,
De longas e revoltas cabeleiras;
Brancos, sois o casto olhar das virgens
Pálidas que ao luar, sonham nas eiras.

Vermelhos, gargalhadas triunfantes,
Lábios quentes de sonhos e desejos,
Carícias sensuais d´amor e gozo;
Crisântemos de sangue, vós sois beijos!

Os amarelos riem amarguras,
Os roxos dizem prantos e torturas,
Há-os também cor de fogo, sensuais…

Eu amo os crisântemos misteriosos
Por serem lindos, tristes e mimosos,
Por ser a flor de que tu gostas mais!

Fernando Pessoa também canta as flores em seus poemas, sob o pseudônimo de Álvaro de Campos:

Dá-me lírios, lírios,
E rosas também.
Mas se não tem lírios
Nem rosas a dar-me,

Tem vontade ao menos
De me dar os lírios
E também as rosas.
Basta-me a vontade,
Que tens, se a tiveres,
De me dar os lírios
E as rosas também,
E terei os lírios –

Os melhores lírios –
E as melhores rosas
Sem receber nada,
A não ser a prenda
Da tua vontade
De me dares lírios
E rosas também.

Enquanto os poetas do lado de lá do globo gozam a chegada da primavera, do lado de cá, damos as boas vindas ao outono. Pablo Neruda, poeta chileno, faz as honras da estação em seu Livro das perguntas:

XLVII

Ouves em meio do outono
detonações amarelas

Por que razão ou sem razão
chora a chuva sua alegria?

Que pássaros ditam a ordem
da bandada quando voa?

De que suspende o beija-flor
sua simetria deslumbrante?

XLVIII

São os seus das sereias
os redondos caracóis?

Ou são ondas petrificadas
ou jogo imóvel de espuma?

Não se incendiou a pradaria
com os vagalumes selvagens?

Os cabeleireiros do outono
despentearam os crisântemos?