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Descobertas cartas inéditas de Kerouac

Folha Online – 19/09/2014 – Por Redação

Cartas inéditas do escritor americano Jack Kerouac (1922-1969) foram descobertas recentemente nos EUA. De acordo com o jornal The Guardian, ao todo 17 cartas, dois cartões postais e sete fragmentos de texto foram encontrados pela filha de um amigo de infância do escritor.

Nos textos, enviados por Kerouac ao amigo George J. Apostolos entre 1940 e 1941, ele se declara completamente apaixonado e fala de outras questões da juventude. Na época, Apostolos vivia em Lowell, Massachusetts, e Kerouac em Nova York, onde cursava uma escola preparatória e, posteriormente, a Universidade da Columbia.

O jovem e apaixonado Jack Kerouac

O jovem e apaixonado Jack Kerouac

Segundo um representante da casa de leilões Skinner, que irá vender o material em novembro, os textos mostram o escritor no “processo de se tornar Kerouac”. “É preciso lembrar que são correspondências particulares trocadas entre dois jovens no final dos anos 1930 e começo de 1940. Kerouac faz menção a velhas aventuras colegiais, a saudades de sua casa em Lowell e descreve suas descobertas sociais, bebedeiras, festas e experiências com garotas”, diz o diretor de livros e manuscritos da Skinner, Devon Gray.

Em um dos textos, Kerouac narra sua paixão e desencanto pela irmã de uma amiga, com que “pretende se casar”.

“Não há dúvidas de que nem eu nem você já vimos uma criatura tão primorosa como Jacqueline Sheresky”, escreve. “O pescoço dela tem aquela marca de sangue azul. Ele faz uma curva delicada, e como marfim, para um queijo amendoado perfeitamente moldado, e dali para lábios escarlates trementes, que cobrem uma fileira de dentes de mármore.”

O escritor continua a carta com seus planos para ganhar a atenção da garota. “O problema é que não tenho coragem para convidá-la ao baile de formatura… Se eu pudesse levar esta deusa ao Waldorf, eu viveria o suficiente por uma noite.”

Uma das cartas descobertas

Uma das cartas descobertas

Kerouac ainda conta para Apóstolos que temia que outro rapaz, chamado Sokolow, já tivesse convidado Sheresky para a festa, e depois narra como a encontrou dançando com Sokolow no baile. “Que maldito sórdido, um esquisito sem esperança, hipócrita, idealista, inseguro e babaca eu sou.” Em cartas seguintes, ele fala de encontros com outra garota.

De acordo com a casa de leilões, a amizade entre Kerouac e Apóstolos nunca foi mencionada por biógrafos, uma vez que os textos nunca estiveram disponíveis para pesquisadores e para o público. A casa espera arrecadar entre US$ 2 mil e US$ 5 mil (entre R$ 4.736 e R$ 11.841) por cada carta.

Segundo Gray, a filha de Apóstolos sabia que o pai tinha algumas cartas do escritor, mas achou que elas haviam sido queimadas, até encontrá-las entre as coisas do pai, após a morte do amigo de Kerouac.

A L&PM publica uma série inteira com livros de Jack Kerouac. Clique aqui e veja lá.

Slim Gaillard, mais do que um personagem de Kerouac

Em seu blog, Claudio Willer escreveu um post onde centrava suas atenções sobre Slim Gaillard, músico que ocupa algumas páginas de On the Road, de Jack Kerouac (219 a 221 na edição da L&PM). No recentemente lançado Os rebeldes: Geração Beat e anarquismo místico, de sua autoria, Willer também dedica alguns parágrafos para o jazzista. E conta que, quando preparou o livro, não achou quase nada sobre Gaillard no meio digital. “Mas, nesse manancial infinito, aparecem agora bons registros; inclusive um documentário extenso da BBC, descoberto pelo músico Pita Araujo, que colaborou em dois dos meus cursos sobre Geração Beat.” escreve ele.  A seguir, dois vídeos com Gaillard.

Um trecho dos comentários de Os rebeldes, incluindo citação de Kerouac.

Um dos trechos exaltados da louvação a jazzistas em On the Road é sobre um dos mais originais dentre aqueles músicos. É quando Kerouac e Cassady se encontram com Slim Gaillard, o excêntrico guitarrista negro que, ao falar, se expressa através de glossolalias, fonemas não-semantizados. Cassady o proclama “Deus”; Kerouac o retrata como iluminado, xamã: “Slim Gaillard é um negro alto e magro com grandes olhos melancólicos que tá sempre dizendo “Legal-oruni” e “que tal um bourbon-oruni?” […] E então [depois de interpretar seu jazz] ele se levanta lentamente, pega o microfone e diz, com muita calma: “Grande-oruni…. belo-ovauti… olá-oruni…. bourbon-oruni… tudo-oruni…. como estão os garotos da primeira fila, fazendo a cabeça com suas garotas-oruni…. oruni…. vauti…. orunirumi….” (Kerouac 2004, pgs. 219-221)

Ele ainda “grita coisas malucas em espanhol, em árabe, em dialetos peruanos e egípcios, e em cada língua que conhece, e ele conhece inúmeras línguas”. Sim, “inúmeras línguas” – mais a língua pessoal, equivalente ao “falar em línguas” pentecostal: às glossolalias, os fonemas não-semantizados dos rituais em doutrinas iniciáticas. Conforme a antropóloga Felicitas Goodman, há padrões em comum nessas manifestações em contextos tão distintos: cultos pentecostais, tribais e outras práticas religiosas nas quais ocorrem transes ou possessões (Goodman, em Eliade 1985, vol. VI, pgs. 563-566). Correspondem à “outra língua” aprendida pelos xamãs em seu trajeto iniciático, segundo Eliade.

Octavio Paz mostrou que a mesma manifestação reaparecia em poetas modernos: Huidobro, Khlébnikov, Artaud, Schwitters. Interpretou-a como tentativa de recuperar a linguagem adâmica ou divina; aquela do tempo que precedeu a Queda (Paz 1991, no ensaio “Leitura e contemplação”). A fala sagrada, mágica, é não-significativa, puramente sonora, como também expõe Gershom Scholem:”O fato de que a atuação da palavra vai muito além de todo “entendimento” é algo que não precisa apoiar-se na especulação religiosa, pois tal é a experiência do poeta, do místico e de todo falante que se delicia com o elemento sensível da palavra.” (Scholem 1999, p. 15)

Slim Gaillard foi, sem dúvida, um personagem sob medida para corresponder à preferência de Kerouac por excêntricos e marginais. Mestiço, teria nascido em Cuba, filho de uma afro-cubana e de um grego. Segundo outra versão, era norte-americano, de Detroit; levou uma vida errante, morou na África e de fato sabia oito línguas, além de haver criado um dicionário para seu vocabulário particular. Como músico, foi ao mesmo tempo um intérprete típico de blues, da mesma estirpe do exuberante Cab Calloway, e um precursor e improvisador. Seu “Tutti Frutti”, dos anos de 1930, antecipou, de modo evidente, o rock que se imporia duas décadas mais tarde. E seu ecletismo o aproxima das modernas correntes ‘fusion’. Por haver misturado repertórios e ter sido provocador e performático (chegou a apresentar-se tocando piano com as palmas para cima e guitarra com a mão esquerda, um comportamento ofensivo para profissionais), foi um marginal até no mundo jazzístico, embora se houvesse apresentado com Parker, Gillespie e outros expoentes.
O trecho sobre Gaillard, em especial, e os relatos de encontros com vagabundos, em geral, permitem uma interpretação da devoção de Kerouac por tais personagens, tanto à luz do misticismo, quanto literária: eles falam. São oraculares, sibilinos: a frase cifrada, enigmática, é, assim como na Antiguidade, uma profecia. Representam a língua falada em sua expressão mais genuína. A intenção de Kerouac – realizada especialmente em Visões de Cody, com suas páginas de transcrição de fita gravada – era trazer tais sons para a escrita.

O manuscrito original de On the Road em uma exposição sobre a Rota 66

Se você decidir colocar o pé na estrada e chegar a Los Angeles até 4 de janeiro de 2015, ainda poderá conferir a exposição “Route 66: The Road and The Romance”. Entre os destaques da mostra está o rolo do manuscrito original de On the Road, aquele em que Jack Kerouac digitou a primeira versão do seu mais famoso romance.

O rolo do manuscrito original de On the Road

O rolo do manuscrito original de On the Road

A mostra que está em exibição no Autry National Center of the American West se desenrola pelos 2.400 quilômetros de extensão da estrada que foi testemunha ocular de uma América em movimento. “Route 66: The Road and the Romance” percorre a estrada icônica desde seu início, em 1926, estende-se através da Grande Depressão e chega até um olhar contemporâneo, incluindo o que está sendo feito pela sua preservação.

São 250 artefatos extraordinários que traçam a história da Rota 66 e seu impacto na cultura popular americana. Eles foram cedidos por instituições e coleção particulares de todo os EUA e muitos nunca havia sido exibidos juntos.

Dorothea Lange (United States, 1895–1965), Human Erosion in California (Migrant Mother), 1936, gelatin silver print (13 7/16 x 10 9/16 in.) (The J. Paul Getty Museum, Los Angeles)

Uma das fotos da exposição. De Dorothea Lange (United States, 1895–1965), Human Erosion in California (Migrant Mother), 1936

Placas originais dos anos 1970 -  “East 66 / West 66,” Williams, Arizona, circa 1970s. Coleção Steve Rider

Placas originais dos anos 1970 – “East 66 / West 66,” Williams, Arizona, circa 1970s. Coleção Steve Rider

“Western Motel” um neon original datado de cerca de 1950. Coleção do Museum of Neon Art

“Western Motel” um neon original datado de cerca de 1950. Coleção do Museum of Neon Art

Além da mostra, há uma programação paralela. No dia 11 de setembro, por exemplo, haverá o evento “Waiting for Jack: A Beat Poetry Experience”. Pena que Los Angeles é tão longe…

A L&PM publica o Manuscrito Original em dois formatos.

Esta semana tem Claudio Willer em ritmo beat

3 de julho vai ser um dia beat. Nessa data, Claudio Willer autografa seu novo livro em São Paulo.

card facebook Os Rebeldes

Leia um trecho de Os rebeldes – Geração beat e anarquismo místico:

A Geração Beat foi associada, com razão, ao jazz bop em sua formação. E ao pós-rock como legado. Mas, assim como na política e na religião, a diversidade e heterodoxia também caracterizaram aquele movimento no campo da expressão musical. Ginsberg começa um de seus diários da década de 1940 informando que aquela noite iria à ópera, ao Metropolitan. Outro concerto no Metropolitan, mas com Duke Ellington: é quando ocorre a separação de Kerouac e Cassady ao final de On the Road. Corso, em Anjos da desolação, declara que não quer mais saber de jazz e que gosta mesmo de Wagner, além de não suportar a pobreza mexicana. A discografia de Ginsberg abrange desde suas apresentações com Orlowsky utilizando o estilo country, folk, para musicar poemas, até a ópera Hydrogen Jukebox, baseada em Uivo, do erudito Philip Glass.

Allen Ginsberg e Philip Glass se encontraram em 1988 na St. Mark’s Bookshop em Nova York. Nesse encontro, Glass perguntou o que eles fariam juntos e, como estavam na sessão de poesia, Ginsberg pegou um de seus livros da estante  e apontou para o poema Wichita Vortex Sutra, escrito em 1966. Glass escreveu então uma peça para piano para acompanhar a leitura de Ginsberg deste poema que foi apresentada na Broadway.

Philip Glass e Allen Ginsberg

Philip Glass e Allen Ginsberg

Depois veio Hidrogen Jukebox:

Uma viagem ao México de Kerouac

O Caderno de Viagem do Jornal Zero Hora de terça-feira, 7 de janeiro, traz uma matéria sobre o México de Jack Kerouac. No texto, reproduzido do The New York Times, o jornalista Damien Cave escreve em primeira pessoa, imaginando o que o autor de Pé na Estrada (On the road) pensaria de certos lugares turísticos: “Depois de comer no restaurante, eu tentei imaginar o que Kerouac teria achado dele. Talvez depende de qual Kerouac nós imaginemos. Ele tinha 30 anos quando fez aquela viagem de ônibus e estava em grande medida autocentrado demais para ver além do “frenesi e do sonho” que definiria sua visita em Pé na Estrada. Mas e o Kerouac idoso? Se não tivesse morrido de alcoolismo em 1969, aos 47 anos, talvez tivesse se mudado para o México e tentado compreendê-lo e explicá-lo melhor.”

Leia a matéria na íntegra:

Clique sobre a imagem para ler a matéria

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Carolyn Cassady morre aos 90 anos

Carolyn Cassady, que foi casada com Neal Cassady (companheiro de viagem de Jack Kerouac), morreu na última sexta-feira, 20 de setembro. Ela tinha 90 anos e estava internada em um hospital perto de sua casa, em Bracknell, sudeste da Inglaterra. A causa da morte não foi revelada pela família.

A loira, linda e inteligente esposa de Neal teve três filhos com ele e é uma das personagens de On the road. No Manuscrito original, em que os nomes verdadeiros foram mantidos, Jack Kerouac descreve a primeira vez que a viu, quando foi visitar Neal com Allen Ginsberg:

Chegamos à pensão onde Neal estava dando uns amassos em Carolyn. Era um velho prédio de tijolos à vista circundado por garagens de madeira e velhas árvores fincadas atrás das cercas. Subimos escadas acarpetadas. Allen bateu na porta; então voou para se esconder, não queria que Carolyn visse que era ele quem havia batido. Parei em frente à porta. Neal atendeu nu em pêlo. Vi Carolyn na cama, uma linda coxa lustrosa recoberta por uma lingerie de renda preta, uma loira, olhar com serena perplexidade.

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Além de suas coxas, os belos desenhos de Carolyn – que estavam nas paredes – chamaram atenção de Kerouac neste dia. Abaixo, Neal Cassady desenhado por ela em 1951:

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Neal Cassady em desenho feito por Carolyn Cassady em 1951

Incentivados por Neal, Carolyn e Jack Kerouac acabariam tendo um affair.

Durante as filmagens de “Na estrada”, filme de Walter Salles, Carolyn ajudou a equipe a esclarecer algumas dúvidas. “Ela respondeu a todas as nossas questões por e-mail, relembrando de bom grado sua aventura com Jack Kerouac e nos dando, no caminho, uma lição de gramática inglesa” disse a produção do filme na época.

Pockets de luxo a caminho

Eles estão quase chegando. Os primeiros volumes da Coleção Pocket Premium L&PM darão o ar da graça no início da semana que vem. A Premium terá pockets em capa dura, com títulos especialmente selecionados que certamente vão encantar colecionadores. Todas as capas seguirão o mesmo padrão: fundo preto, nome do autor em branco e título sobre faixa amarela. Um luxo só!

Os primeiros quatro títulos são “On the road”, de Jack Kerouac; “O príncipe”, de Maquiavel, “A arte da guerra”, de Sun Tzu e “Morte na Mesopotâmia”, de Agatha Christie.  

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Os lançamentos serão sempre de quatro em quatro títulos, depois destes primeiros, virão “Mulheres”, de Bukowski; “O coração das trevas”, de Joseph Conrad; “Quintana de bolso”, de Mario Quintana e “Orgulho e preconceito”, de Jane Austen.

E o filme “On the Road” segue na estrada

Depois de rodar por vários lugares do mundo, começando pela França, passando pelo Brasil e estacionando por um tempo nos EUA, “On the road”, o filme, acaba de chegar a Barcelona. O Le Cool, que traz o melhor da programação da cidade catalã, publicou um texto em que convida a todos para assistir ao filme baseado no romance homônimo de Jack Kerouac e dirigido por Walter Salles: 

Desde que foi divulgada a notícia de que o lendário romance de Kerouac sairia no cinema, foi como se batessem com um pau em um vespeiro. Expectativa, desconfiança, polêmica, boatos e vários tremores cercaram o filme muito antes de sua estreia. Agora que você está aqui, pode verificar por si mesmo a razão de toda balbúrdia. Bem, falem o que falem, “On the Road” é um must-see. E vem pelas mãos de Walter Salles, um dos diretores de filmes de estrada mais interessantes do cinema. Como em “Diários de Motocicleta”, Salles tenta capturar a humanidade, inocência e aquele brilho nos olhos dos que não se detém por nada. Os “loucos” de Kerouac – que não são colocados nem no pedestal, nem no divã – parecem acreditar na pureza da alma e na força da amizade muito mais do que em fórmulas épicas e manuais psiquiátricos. Em sua melancolia, “On the Road” é uma mistura imperfeita, mas bonita, que não quer ser mais do que um olhar sincero sobre esta inquietude indefinível que tanto marcou os beatniks.

No Brasil, o Blu-Ray e o DVD de On the Road/Na Estrada já chegaram às locadoras e, breve, estarão disponíveis para venda. Para deixar o DVD mais atrativo para o público, a distribuidora Playarte vai colocar, entre os extras, o primeiro capítulo de On the Road/Pé na estrada, publicado pela L&PM e com tradução de Eduardo Bueno, para ser lido na tela.

Blueray Na Estrada

Cartas na rua

Bernardo Scartezini, Especial | Correio Braziliense – Da Press – Jornal Zero Hora – 10/04/2010

Correspondências entre Jack Kerouac e Allen Ginsberg trazem as histórias e os bastidores da geração beat

A marca fundamental da literatura beat talvez não seja a vida desregrada, o fascínio pelos subterrâneos ou mesmo a tentativa de fazer a língua escrita soar como se fosse jazz bebop. Talvez o que nos faz ainda hoje tratá-la justamente por “geração” seja a estreita camaradagem e cumplicidade entre os principais envolvidos. É essa intimidade entre dois protagonistas que faz despertar o interesse por As Cartas de Jack Kerouac & Allen Ginsberg (L&PM Editores) calhamaço que o leitor brasileiro agora tem ao seu dispor.

Trata-se de um longo compêndio para além de 500 páginas, com mais de 10 anos de cartas entre Kerouac e Ginsberg, dos meados da década de 1940 ao início da década de 1960. É a fase definitiva e definidora da essência beat. Foi quando se conheceram, viajaram os Estados Unidos de ponta a ponta, caíram na vida e começaram a escrever as obras que ajudariam a nortear boa parte da literatura norte-americana – e ocidental – a ser produzida nas décadas seguintes. O período das cartas corresponde à saída desses autores do anonimato, às suas pioneiras publicações, às primeiras resenhas feitas pela imprensa e ao início do desbunde mundial que seria chamado de contracultura.

As Cartas de Jack Kerouac & Allen Ginsberg foi colhido, organizado e editado por dois peritos na geração beat: David Stanford, editor sênior da gigante editorial Viking Penguin, e Bill Morgan, antigo protegido de Ginsberg que também era uma espécie de bibliógrafo pessoal e arquivista particular. As cartas, portanto, ficaram em poder de Morgan após a morte do poeta.

Kerouac (1922 – 1969) e Ginsberg (1926 – 1997) se conheceram no início de 1944 nos arredores da Universidade de Columbia, em Nova York. A vastidão da América ainda era desconhecida por Kerouac quando ele iniciou sua troca de cartas com Ginsberg. Mas o prezado leitor de On the Road (1957), de Kerouac, por conta dessas mil relações entre vida pessoal e obra literária, já se sente imediatamente à vontade por aqui, totalmente enturmado na companhia daqueles dois.

Nas cartas, os aspirantes a escritor trocam dicas de leitura (Gógol, Céline, Thomas Wolf) e admitem as inseguranças quanto ao ato de escrever. Mas parecem tratar as próprias cartas como um campo de experimentação poética. Neal Cassady, o bom malandro, maconheiro, bígamo e puxador de carros, seria uma terceira ponta desse triângulo sensorial. Era um camarada que não sabia escrever duas frases que fizessem sentido, mas trazia em si o aprendizado das ruas. Cada chegada dele a Nova York era ansiosamente aguardada e festejada por antecipação. E William Burroughs é visto como o amigo doidão. Além de ter viajado mais do que os outros, é o que pareceria estar mais pronto para publicar um livro. Tinha viajado pela Amazônia peruana só para tomar ayahuasca (bebida alucinógena) e de lá ele trocou com Ginsberg longas cartas sobre a experiência.

À sombra da fama

Com o poema Uivo (1956) liberado e o livro On the Road na ponta da lista de mais vendidos do New York Times, Ginsberg comentava com Kerouac sobre as tão belas propostas que passou a receber de megaeditoras prometendo relançar Uivo em maiores tiragens. Já Kerouac nunca entenderia a idolatria que se formou a sua volta. Nestas cartas, ele se mostra primeiro espantado, depois relativamente fascinado e por fim francamente incomodado com o fato de On the Road ter se tornado aquilo que se tornou. Kerouac desprezava os hippies e não queria ser apontado como precursor de nada que pudesse ser relacionado a eles. Allen Ginsberg, por outro lado, parecia adorar ser idolatrado. Andava de moto com Bob Dylan, viajava com os Beatles, pingava ácido em Haight-Ashbury, em São Francisco, e pregava as virtudes do budismo, as benesses da meditação transcendental.

Dessas diferenças, percebe-se que Kerouac e Ginsberg, talvez por responderem ao sucesso e à condição de celebridade de maneira tão distinta, tornaram-se personalidades praticamente opostas. Mas, mesmo assim, mantiveram estreita a amizade.

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Para ler… Jack Kerouac, com Claudio Willer

Para falar sobre o escritor norte-americano, a Saraiva Conteúdo convidou o poeta, ensaísta e tradutor Claudio Willer, autor do livro Geração Beat, uma das obras brasileiras mais completas sobre o tema. Willer fala sobre On The Road (Pé na Estrada), obra que tornou Kerouac conhecido em todo o mundo e inspirou o filme do diretor Walter Salles, Na Estrada.
 
Claudio Willer é o tradutor de Uivo, de Allen Ginsberg e, no momento, está trabalhando na tradução do livro de haicais de Jack Kerouac que será publicado ainda este ano pela L&PM.