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Nós & Martha Medeiros: Bodas de Prata

Por Ivan Pinheiro Machado

Em 1985, Martha Medeiros foi até a L&PM levada por sua amiga Beth Perrenoud que, na época, era nossa assessora de imprensa. Beth me apresentou à jovem poeta que, recordo bem, estava envergonhadíssima. Ela deixou os seus poemas na editora, eu li, lembro que gostei muito, mas a L&PM na época estava com outros projetos e nós acabamos não publicando o seu livro de estreia. Tanto o livro era bom que foi imediatamente publicado com o título de “Strip-Tease” pelo editor Caio Graco, um dos mais importantes editores brasileiros que comandava a então poderosa Editora Brasiliense. Como os rios correm para o mar (como dizia o Millôr), nós fomos atrás e Martha, – que entre suas incontáveis qualidades está o fato de não ser orgulhosa – concordou em dar para a L&PM seu segundo livro de poemas. “Meia-noite e um quarto” saiu em 1987 com uma belíssima capa do Caulos e um belo texto de apresentação do Caio Fernando Abreu. Quatro anos depois, publicamos “Persona non grata”. Sabendo da admiração do Millôr pelos poemas de Martha – coisa muito rara, pois poeticamente falando, o Millôr era mega exigente –, mandamos os originais para ele pedindo que, caso gostasse, escrevesse a orelha do livro. Millôr não só escreveu a orelha, como postou o texto (como não se dizia naquela ápoca) na sua poderosíssima coluna no mais poderoso jornal do Brasil que era justamente o Jornal do Brasil. No texto ele falava sobre o novo livro, comparando com o primeiro: “Persona non grata repete a dose, nem melhor, nem pior, apenas excelente”. O livro seguinte, também de poesia, foi “De cara lavada”, com outro lindo texto do Caio Fernando Abreu na orelha. Depois veio “Topless” em 1997, o primeiro livro de crônicas publicado pela L&PM. E “Non-Stop”, “Trem-bala”, “Montanha-Russa”, “Coisas da vida”, o livro “Poesia reunida” que, como diz o título, reunia toda a poesia de Martha desde “Striptease”.  Em 2001, foram publicadas as poesias inéditas em “Cartas extraviadas”. 2008 foi a vez do livro de crônicas “Doidas e Santas” com o qual Martha conquistou o Brasil definitivamente e apareceu em todas as listas de bestsellers do país. Mas foi em 2011, com “Feliz por nada”, que ela chegou ao topo, ao número 1 de todas as listas, ultrapassando em menos de um ano o incrível número de 200 mil livros vendidos. Em outubro deste ano, lançamos seu livro de relatos de viagens “Um lugar na janela”, que já é um sucesso. Passaram-se 25 anos desde o belo “Meia noite e um quarto”. Estamos completando as bodas de prata cheios de planos. Um longo e feliz casamento, como não se encontram mais hoje em dia.

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Para ler o que Caio Fernando Abreu e Millôr disseram sobre Martha nas orelhas dos livros, clique aqui.

 

O Largo do Millôr dá a largada para o próximo pôr-do-sol

No final da tarde de sexta-feira, 6 de julho, o Largo do Millôr, no Arpoador, foi inaugurado com a presença da família do grande escritor, pensador, dramaturgo, tradutor e desenhista. Ivan, filho do mestre, nos enviou a foto abaixo, acompanhada de um texto emocionante.

“Minha mulher Monica (sem acento, como comprova o fato de estar de pé), eu, meu tio Hélio Fernandes (com acento e como comprova o fato de estar sentado, ele o único jornalista vivo a ter cobrido a Constituinte de 1946), minha irmã Paulinha, meu filho, João Gabriel, o único da família a estar devidamente vestido para o evento e, coroando a foto, emoldurado pelas fitas de descerramento da placa do Largo, o número 7. Alguém sabe o que significa o número 7? Numerologicamente, na Bíblia, na Cabala, no Candomblé? Eu não tenho a menor ideia e – sem qualquer ironia – gostaria, muito, de saber.  A tarde de inverno, acho, foi encomendada por meu pai. O mar, calmo, sereno, misto de azul e verde, transparente. De causar inveja ao Caribe.  Enfim, melhor, pelos menos para mim (suspeitíssimo, sei) impossível. Muito além dos meus maiores devaneios. Uma grande homenagem a quem devo agradecer, principalmente, a Luís Gravatá. Que desejou permanecer anônimo e eu, infame, revelo a responsabilidade dele. Mea máxima culpa… ” (Ivan Fernandes, filho de Millôr Fernandes)

Agora o Largo está lá, na ponta da Praia de Ipanema, eternizando Millôr e oferecendo o artigo primeiro e único “Para uma Constituição mais humana”: O PÔR-DO-SOL É DE QUEM OLHA.

E por falar em silêncio…

Abaixe o som, não grite, tire a mão da buzina, evite até mesmo ler em voz alta. Hoje, 7 de maio, é Dia do Silêncio no Brasil. Não conseguimos descobrir quando e como ele começou a ser comemorado, mas para marcar esta data separamos alguns trechos de livros que homenageiam a ausência de som:

Você já amou uma mulher silenciosa / Que não levanta a voz por raiva / Nem má educação / Que anda com seus pés de seda / Num mundo de algodão / Que não bate / fecha a porta / Como quem fecha o casaco de um filho / Ou abre um coração? (De Poemas, Millôr Fernandes)

O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas… / Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso… / E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas / Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso… (De Poesias, Fernando Pessoa)

Pior do que uma voz que cala é um silêncio que fala. (De Ménage à Trois, Paula Taitelbaum)

O resto é silêncio. (De Hamlet, Shakespeare)

E de repente o silêncio, / Com os passos da ilusão / perseguem a criança-sonho / Pelas terras da invenção, / Falando a seres bizarros… / Uma verdade, outra não. (De Alice no País das Maravilhas, Lewis Carroll

O verbete de hoje é: Millôr Fernandes

Com o lançamento da nova Enciclopédia dos Quadrinhos“, de Goida e André Kleinert, este Blog publicará, nos domingos, um verbete deste livro. O de hoje é  o brasileiro Millôr Fernandes (1924 – 2012), que se foi esta semana. 

Durante muito tempo ele não foi Millôr, foi Vão Gôgo, nome com o qual assinava suas colaborações para as revistas O Cruzeiro e A Cigarra (décadas de 40 e 50). Aliás, o próprio e estranho nome de Millôr ele assim explica: “Meu pai queria registrar-me com o nome de Milton. Na hora, o funcionário do cartório errou e o Milton virou Millôr. E ficou por isto mesmo”. Carioca do Méier, nascido em 16 de agosto, iniciou-se na imprensa em 1943, como humorista e cartunista. Com o decorrer dos anos, tornou-se escritor e autor teatral (Um elefante no caos, Liberdade, Liberdade – junto com Flávio Rangel –, É, Os órfãos de Jânio). Foi também tradutor brilhante, pintor, artista gráfico e editor. Desentendendo-se com a cúpula de O Cruzeiro, por motivos de censura, fundou a publicação de humor Pif Paf (nome das páginas que mantinha naquela revista) e mais tarde ajudou também a editar O Pasquim. Manteve, desde a década de 60, incrível atividade diária na imprensa (Correio da Manhã, Jornal do Brasil) e semanal em revistas como Veja e Isto É. Em mais de sessenta anos de atividades, Millôr/Vão Gôgo já escreveu e desenhou milhares e milhares de páginas, sempre com um nível impressionante e busca de renovação. E quadrinhos, o Millôr fez? Mas claro que fez, senão estaria fora desta obra. Nas páginas do Pif Paf (tempos de O Cruzeiro) ele sempre ensaiava essa forma de comunicação. Em 1948, junto com outro notável humorista e desenhista (Carlos Estevão, veja em C), Millôr roteirizou as tiras de um personagem chamado Ignorabus, o contador de histórias, publicadas no Diário da Noite. Uma das razões de sua saída de O Cruzeiro foi a publicação de A verdadeira história do paraíso, onde misturava textos, desenhos e técnicas de quadrinhos. Para O Pasquim, de boa lembrança é também O último baião em Caruarú, uma divertidíssima gozação com o filme-escândalo de Bertolucci, O último tango em Paris. Isso é o que nos lembramos. Quem pesquisar toda a imensa obra de Millôr, certamente vai encontrar mais. Sem dúvida, o livro mais importante dele (sem ilustrações e sem quadrinhos) foi Millôr Definitivo, a bíblia do caos, editado pela L&PM em 1994 e com reedições até 2000. Foram selecionadas 5.142 frases, pensamentos, máximas, insultos e outras incríveis definições do autor, em volume único de mais de 500 páginas. Mais recentemente, de 2006 para cá, quem vem reeditando as obras de Millôr é a Desiderata. Já saíram A verdadeira história do paraíso, Ministério de perguntas cretinas (com ilustrações de Jaguar), Trinta anos de mim mesmo, Que país é este? e Novas fábulas & contos fabulosos, esse ilustrado por Angeli. 

Millôr e L&PM: uma parceria de décadas

Uma vez, num verão muito quente em 1975, quatro jovens pegaram um ônibus em Porto Alegre e foram ao Rio de Janeiro falar com Millôr Fernandes. O encontro havia sido marcado por telefone. A famosa secretária eletrônica do Millôr registrara nosso interesse em conversar com ele. E foi com grande emoção que recebemos sua ligação de volta, com o dia e a hora para aparecermos no seu estúdio na rua Gomes Carneiro, bem no comecinho de Ipanema. E lá fomos nós, Paulo Lima e eu, donos da raquítica e recém fundada L&PM Editores (4 livros em catálogo na época), o desenhista Edgar Vasques e o humorista Fraga, co-editores da futura “Antologia Brasileira de Humor” a ser publicada pela L&PM em dois volumes. A visita era exatamente para convidá-lo para participar desta antologia. No dia combinado, lá chegamos e fomos recebidos magnificamente por Millôr. A conversa estava tão boa que ele cometeu a suprema gentileza de nos convidar para almoçar em seu apartamento na Vieira Souto esquina com Aníbal de Mendonça. De frente para o mar de Ipanema. Foi a primeira de tantas vezes que desfrutei dos magníficos almoços dirigidos pela poderosa assessoria gastronômica da Dona Wanda, a esposa de Millôr.

Assim começou nosso longo convívio e nossa parceria editorial. Millôr Fernandes e Josué Guimarães foram os primeiros grandes autores de renome nacional publicados pela L&PM.  Millôr nos deixou no dia dia 27 de março de 2012 e parte fundamental de seu legado foi (e ainda é) editado por nós. A seguir, os títulos e os respectivos anos das edições L&PM:

Antologia brasileira de humor (em 2 vols. com vários autores)  – 1975
Devora-me ou te decifro – 1976
Liberdade, Liberdade (teatro, com Flávio Rangel)  – 1977, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1998
É… (teatro) – 1977
A história é uma história (teatro)  – 1978
Orfãos de Jânio (teatro) – 1979
Flávia cabeça tronco e membros (teatro) – 1979, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2001
Bons Tempos Hein? (teatro) –  1979
Um elefante no Caos (teatro) –  1979, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1998
Vidigal: memórias de um Sargento do Milícias (música de Carlinhos Lira) – 1982
Duas Taboas e uma paixão (teatro) – 1982
Homem do princípio ao fim (teatro) – 1982, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2000
Poemas –  1984, reeditado Col. L&PM Pocket 2001
Diários da Nova República 1 – 1985
Diários da Nova República 2 – 1988
Diários da Nova República 3 – 1988
Humor nos tempos de Collor (com Jô Soares e Luis Fernando Veríssimo) – 1991
Millôr Definitivo – A Bíblia do Caos – 1994 (edição brochura, formato 16 x 23cm); 2000 (9ª edição especial em capa dura com sobre-capa); 2002 – reeditado na Col. L&PM Pocket; 2007 – 15ª edição em capa dura com sobre-capa (formato 16 x 23cm), ampliada em 157 frases.
Kaos (teatro) – 1995, Col. L&PM Pocket em 2008
Hai kais  – 1997, Col. L&PM Pocket
O livro vermelho dos pensamentos do Millôr –  2005, Col. L&PM Pocket
Crítica da razão impura ou O primado da ignorância – Sobre Brejal dos Guajas, de José Sarney, e Dependência e Desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso – 2002
Viúva imortal (teatro) – 2009, Col. L&PM Pocket

Traduções e adaptações teatrais:

A megera domada – 1979, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1998
Rei Lear, de W. Shakespeare 1980, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1997
O jardim das cerejeiras, de Anton Tchekov – 1981, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2006
As lágrimas amargas de Petra Von Kant, de Rainer W. Fassbinder  – 1982
Hamlet, de W. Shakespeare  – 1984, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1997
Tio Vânia, de Anton Tchekov  – 1984, reeditado na Col. L&PM Pocket em 1997
Fedra, de Racine  – 1985, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2002
Pigmaleão, de Bernard Shaw  – 1985, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2006
Don Juan, o convidado de pedra, de Molière  – 1994, reeditado na Col. L&PM Pocket em 2004
As alegres matronas de Windsor, de W. Shakespeare 1995, Col. L&PM Pocket
Lisístrata, de Aristófanes  –  2002, Col. L&PM Pocket
A Celestina, de Fernando de Rojas – 2008

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Para ver as obras traduzidas por ele, clique aqui.

Millôr Fernandes (1923 – 2012)

Ivan Pinheiro Machado

Primeiro, eu fazia parte da imensa legião dos admiradores de Millôr. O mágico das palavras e do traço. Depois fui seu editor, seu amigo e passei a admirá-lo mais ainda. Foi meu padrinho de casamento no começo da década de 80. Foi a única vez que o vi engravatado. Millôr falava muito e dizia coisas brilhantes. E se calava para ouvir seu interlocutor atentamente. Era delicado, gentil e amigo. Muitos de seus bilhetes acabavam com a saudação, “fra-paternalmente, o Millôr”. O Paulo Lima e eu tivemos o privilégio de uma convivência de quase 40 anos com Millôr Fernandes.  Ele era bem mais velho do que nós. E a partir de um certo tempo passamos a temer este momento. E Millôr se foi ontem às 21 horas, aos 88 anos, depois de uma longa agonia. Seu filho, Ivan Fernandes, me disse que no final ele se foi suavemente, sem sofrimento. Esta é a dura e terrível realidade da vida; ela acaba. Leva os queridos e ficamos nós. Com esta dor no peito, este nó na garganta e esta saudade do homem, do amigo e do imenso artista que se foi.

Segundo informou a família de Millôr, o velório está marcado para quinta-feira, dia 29 de março, das 10h às 15h no Cemitério Memorial do Carmo, no Caju.

Dia nacional de declamar poemas

Rebramam os ventos… Da negra tormenta
Nos montes de nuvens galopa o corcel…
Relincha – troveja… galgando no espaço
Mil raios desperta co´as patas revel.

É noite de horrores… nas grunas celestes,
Nas naves etéreas o vento gemeu…
E os astros fugiram, qual bando de garças
Das águas revoltas do lago do céu.

(…)

(Trecho do poema “Pedro Ivo”, do livro “Espumas flutuantes”, de Castro Alves)

Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847. E é em homenagem ao “Poeta dos Escravos” que este dia foi escolhido como o Dia Nacional da Poesia. Além do autor de Espumas flutuantesestão entre os poetas brasileiros da casa Olavo Bilac, Mario Quintana, Millôr Fernandes, Martha MedeirosPaula Taitelbaum e Affonso Romano de Sant’Anna.

Já os poetas de longe a gente deixa para homenagear na próxima quarta-feira, 21 de março, quando comemoramos o Dia Internacional da Poesia.