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Vem aí um novo e imperdível romance de Luiz Antonio de Assis Brasil

De botânico de Napoleão a estanceiro na fronteira do Brasil com a Argentina: este é o protagonista do novo romance de Luiz Antonio de Assis Brasil

Luiz Antonio de Assis Brasil acaba de entregar à L&PM Figura na Sombra, o seu mais recente romance. É o quarto e último livro da série “Visitantes ao Sul”, do qual fazem parte O pintor de retratos (2001), A margem imóvel do rio (2003) e Música perdida (2006). Todos publicados pela L&PM Editores. São variações sobre um mesmo tema, mas leituras absolutamente independentes.

Figura na sombra é o romance de um francês, médico e botânico, testemunha da Revolução Francesa, que alcança as honras científicas mais desejadas por pesquisadores de quaisquer latitudes. Aimé Bonpland, personagem real, protagoniza uma história repleta de episódios, que o faz trilhar o mundo e, de botânico de Napoleão, amigo de Simon Bolívar, prisioneiro do ditador paraguaio Francia, passar a estanceiro em São Borja, na fronteira do Brasil com a Argentina. Mas a obra é, ao mesmo tempo, a história de dois homens – o outro é o célebre Alexander von Humboldt – que, por trilhas antagônicas, perseguem a harmonia da natureza. Um, iluminista, quer conhecê-la para sistematizá-la; o outro, romântico, deseja fundir-se nela. Que esses dois homens tenham sido os naturalistas mais famosos do século 19 é um pormenor, pois o tema do livro é o amor que, entrelaçado às vicissitudes e pautando a longa vida de Aimé Bonpland, comparece em variadas formas: amor à natureza, à razão, às ideias, às leis da ciência, à beleza; o amor erótico, platônico, fraterno. Por fim, o amor da aceitação, que se revela na entrega ao fluxo da vida, e cujas leis e regularidades não estão nunca inteiramente nas mãos de homem algum, nem dos mais sábios. Aimé Bonpland é essa figura na sombra que, hoje, é nome de uma cratera da Lua, de um asteroide, de um pico na Nova Zelândia, de uma rua em Buenos Aires, de um rio na Patagônia, de um liceu na França e de duas cidades na Argentina.

Um daguerrótipo antigo de Aimé Bonpland

Alexandre Humboldt em pintura de 1800

A previsão de lançamento de Figura na Sombra é agosto de 2012. Clique aqui e conheça outros livros do autor já publicados pela L&PM Editores.

Coleção L&PM Pocket é uma das 115 razões para amar Porto Alegre

Uma edição especial encartada na Revista Veja desta semana, 14 de novembro, apresenta uma lista com as 115 razões para amar a cidade de Porto Alegre. Há parques, personalidades, recantos, refúgios, restaurantes, centros culturais, museus e até escritores nascidos na capital gaúcha como Moacyr Scliar, Caio Fernando Abreu, Martha Medeiros e Luiz Antonio de Assis Brasil. E, para nossa surpresa, entre os adoráveis motivos, estão também os pockets da L&PM:

Nas páginas da edição especial de Veja: nascida em Porto Alegre, a Coleção L&PM Pocket está no Brasil inteiro

Marilyn

Por Luiz Antonio de Assis Brasil*

Em 2012 decorrem 50 anos do suicídio [?] de Norma Jeane Mortensen, aliás, Marilyn Monroe. Sua vida foi um longo ensaio para a loucura e a morte. Desde que nasceu a morte e a loucura a perseguiram, a começar por uma lendária cena de tentativa de homicídio, em que sua avó, louca, a asfixiava com um travesseiro. Depois foi a vez de internar Gladys, sua mãe, também por insanidade.

Seu pai, desconhecido.

Deu-se a sequência de ups and downs: matriculada sob o número 3463 num orfanato de Los Angeles, saiu de lá para diversos lares de ocasião, encontrando segurança apenas com Ana Lower, que tentou de todas as formas compensar os anos de abandono de sua pupila. Então surge a vida, com o desabrochar de uma beleza morena e forte, bem mais natural do que a famosa loira química dos anos seguintes.

O trabalho numa fábrica de paraquedas não poderia durar muito: descoberta por um fotógrafo, começou sua corrida irresistível rumo às páginas dos jornais, às capas das revistas ilustradas, à solitária foto que acabou nas paredes das borracharias, à Fox, ao cinema. Logo fez fama de loira burra, entregando-se, complacente, a essa imagem de caricatura.

Dentro dela, porém, subsistia a caipira Norma Jeane, um ser perplexo ante o sucesso que, no íntimo considerava imerecido. Começava a época dos ensaios: ensaios de vários casamentos, cada qual mais ruinoso do ponto de vista humano; ensaios de suicídios, alguns falsos, alguns verdadeiros. Daí foi um passo para as drogas, para o álcool, para as pílulas de dormir, de acordar.

O coquetel entre a demência e a compulsão para a morte começava a fazer seus efeitos, e a forma de superar esse círculo de ferro foi a sedução erótica – mas de fachada: Tony Curtis disse que beijar Marilyn era o mesmo que beijar Hitler. Paradoxo: o símbolo sexual do século não encontrou jamais qualquer espécie de consolo sentimental.

Grandes vidas, grandes biografias: tudo isso está no livro Marilyn Monroe, de Anne Plantagenet, saído em tradução de Rejane Janowitzer, pela L&PM, que consegue, numa habilidade e refinamento bem franceses, recriar essa mulher que, antes de um ser humano concreto, era uma tentativa em pessoa – até a última, a morte final, em 1962.

* Pela L&PM, Luiz Antonio de Assis Brasil publica Cães da Província, Perversas Famílias, Videiras de Cristalentre outros. Este texto foi originalmente publicado na pg. 06 no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora, no dia 25 de abril.

Os escritores e suas manias

No blog do escritor e jornalista Michael Laub encontramos um projeto muito bacana. Laub criou a serie Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem. Por lá estão as manias de dois escritores publicados pela L&PM: Moacyr Scliar e Luiz Antonio de Assis Brasil.

Luiz Antonio de Assis Brasil – “Escrevo por acaso, isto é, nunca pensei em ser escritor. Tudo foi acontecendo e eu me fui acostumando. Hoje já não posso me conceber julgando processos, que era o destino que minha família me dissera para cumprir. Escrevo no meu melhor à tardinha: já não é mais tarde, e ainda não é noite. Mas se eu me empolgo, posso entrar noite a dentro, desde que tenha começado à tardinha. Antes eu escrevia melhor pela manhã, cedo. Depois descobri que sofria de deficiência de um produto químico no sangue. Corrigi isso e hoje me acordo tarde, isto é, pelas 7, quando tenho de sair correndo para a Universidade. Uma pequena mania: não termino uma cena, ou capítulo, no mesmo dia em que estive trabalhando nele. Deixo correr uma noite e aí, no dia seguinte, descansado, escrevo o final. E enfim: só sei escrever romances. Fico paralisado ante o conto e a poesia. Poesia e conto são para quem sabe.”

Moacyr Scliar – “Em termos de escrever, o meu método, ou mania, ou superstição consiste em não ter método, ou mania, ou superstição. Desenvolvi minha atividade literária paralelamente a uma intensa carreira médica (primeiro clínica, depois em saúde pública), escrevia quando podia, quando dava tempo. E isso podia acontecer em qualquer lugar: numa lanchonete, esperando a comida, num hotel, no aeroporto (o laptop ajudou muito). Não preciso de silêncio, não preciso de solidão, não preciso de condições especiais – só preciso de um teclado. E ah, sim, de ideias (mas diante do teclado as ideias surgem).”

Quer saber outras manias de escritores brasileiros? Clica aqui.

Galeano por Faraco

Luiz Antonio de Assis Brasil*

As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, é um clássico contemporâneo. Saído em 1970, atualizado em 1977, manteve-se inalterado desde então. Agora, em 2010, sai em nova tradução brasileira, desta vez do nosso Sergio Faraco, que enfrentou com brilho a tarefa que lhe foi cometida pela L&PM Editores. E, pelo visto, agradou o autor, que destina palavras elogiosas a Faraco. Com Galeano concordamos na íntegra. Trata-se de uma tradução “redonda”, com belos lances sintáticos e léxicos, e à qual não faltam originalíssimos momentos retóricos.

Garantida a fidelidade e a excelência textual, cabe-nos refletir sobre o conteúdo. Pode-se dizer que este livro é a mais completa summa que já tivemos acerca da América Latina, pois reúne, em pequenos capítulos, um mosaico diacrônico que começa nos “descobrimentos” e chega até o auge dos governos militares do continente. Ali estão todos os nossos fantasmas, nossas humilhações, todas as arrogâncias coloniais – e mesmo as pós-coloniais –, todas as injustiças dos sistemas saqueadores. Acompanhamos, como quem lê um romance de terror, as históricas vicissitudes de nossa existência coletiva, e nos perguntamos, afinal, como deixamos que tudo isso acontecesse? Onde a indignação, onde a solidariedade?

Como é óbvio, estão fora do livro as últimas décadas. Nestas, surgiram ousadas lideranças políticas, capazes de dialogarem com as potências dominantes no plano internacional, obtendo equânimes modalidades de relacionamento. Por outro lado, a sociedade civil organiza-se em instituições estáveis e operosas. São ainda exceções no continente, mas emblemáticas do quanto podemos como povos e nações livres.

Sob essa perspectiva, mais importante ainda se torna essa reedição e As Veias Abertas da América Latina. À parte seu valor literário, é um depoimento até agora insuperável acerca do quanto já sofremos e do quanto o perigo ainda nos ronda. Apesar dos esforços e conquistas, ainda não foram ultrapassadas todas as patologias ali apontadas.

As Veias Abertas da América Latina deve ser nosso livro de cabeceira. É um norte a indicar a rota de que não podemos derivar. É um aviso. Uma advertência.

Ou mais.

 * Essa crônica de Luiz Antonio de Assis Brasil  foi originalmente publicada em sua coluna de hoje (25 de outubro de 2010) no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora.

Ivan Ilitch

Por Luiz Antonio de Assis Brasil

É uma preciosidade, esta pequena novela de Tolstói: A Morte de Ivan Ilitch. Tão preciosa quanto o romance Guerra e Paz. A primeira, um estudo minimalista; o outro, um poderoso drama acerca da invasão napoleônica à Rússia dos czares. Cada qual, à sua maneira, honra o gênio que os escreveu, e Ivan Ilitch possui uma grandeza que rivaliza com o famoso épico.

E por quê? Antes de tudo, pela segura condução da narrativa. O conflito central – a doença e morte do protagonista – só se agrava da primeira à última página. Aliás, muitos elogiam o admirável Crônica de uma Morte Anunciada como se fosse o primeiro livro a antecipar o seu final sem que isso seja um spoiler. Tolstói já fizera isso. Mesmo sabedores que Ivan Ilitch vai morrer, lemos, fascinados, como a personagem, a partir do anúncio de sua doença, vai ganhando em humanidade, revendo sua vida inútil e amparada por seu cargo burocrático e bem pago.

A questão tratada nesta narrativa não é a morte, que a ela nos acostumamos à medida que passa o tempo, mas é a morte como o fim da possibilidade de aprimorarmos nossa vida. Sim, com a morte cessa todo o esforço para sermos melhores. E quando essa morte surge como uma possibilidade logo ali, ao dobrar da esquina, tudo é pior.

Ivan Ilitch vê, a partir de uma pequena dor, que não é eterno, e que todo o amparo de um conforto conquistado, agora nada valem. Ivan, por isso, não suporta que sua esposa e sua filha decidam ir ao teatro, porque nada é mais importante do que sua doença. Ivan não admite sequer otimismo profissional de seu médico, detesta-lhe a saúde, o perfume, a pele rosada e hígida.

Tolstói consegue, como nenhum outro, utilizar-se da dor física para refletir sobre os limites de nossa vontade. Ivan Ilitch, o onipotente, deve dobrar-se a algo mesquinho e maligno que cresce dentro de seu corpo. Eis aí uma lição para os que, admitindo em tese que são mortais, não aceitam a inevitabilidade de sua morte pessoal. Uma boa reflexão para os neoarrogantes de nosso século.

E temos na praça uma premiada tradução, editada pela L&PM, assinada pela inesquecível e talentosa Vera Karam. É uma celebração da literatura.

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Texto publicado originalmente na coluna de Assis Brasil no jornal Zero Hora.

Elogio da velhice

Por Luiz Antonio de Assis Brasil

O insuperável texto a respeito é o De Senectute (A Velhice, às vezes traduzido como Saber Envelhecer), de Cícero. O pensador usa um método: apresenta argumentos contra a velhice e depois os rebate. De Senectute não pretende consolar: Cícero nada vê de mau na velhice.

Vamos sumariamente aos argumentos e aos contra-argumentos.
Primeiro: a velhice nos afasta da vida ativa. Qual vida? A natureza dota cada idade de vidas próprias, com seus próprios ritmos de atividade.
Segundo: a velhice não tem forças; sim, mas ninguém exige dela ser forte! Mesmo ao suposto enfraquecimento da memória, Cícero tem resposta espantosa: diz ele que jamais viu um velho esquecer-se do lugar onde escondeu seu dinheiro: quo thesaurum obruisset. Ainda dentro deste item, diz-se que os velhos são rabujentos: difficiles. Nada disso. São rabugentos porque sempre o foram, desde a juventude; os outros é que não se aperceberam disso.
Terceiro: a velhice nos priva dos melhores prazeres. Os melhores prazeres, entretanto, mudam com a idade. Um velho terá imenso prazer nas antigas amizades, no bom vinho, no paladar pausado, na reflexão, na arte e na cultura e os desfrutará com muito mais volúpia que o jovem, pois tem mais vagares e compreensão das coisas. Além disso -vejam o bom-humor de Cícero – não se sofre por ser privado daquilo de que não se tem saudades: quod non desideres.
Quarto: a velhice nos aproxima da morte. Certo, se pensarmos apenas na cronologia; entretanto, os mais propensos a morrer cedo são os jovens, por sua afoiteza e pelo caráter devastador das doenças juvenis; ademais, não há razão para temer a morte: se houver uma vida futura post mortem, ótimo; se não houver, nunca o saberemos, aut nullus est. O autor crê na imortalidade da alma, mas prefere ficar em sua argumentação terrena.
Conclusão de Cícero: os velhos não devem nem se apegar nem renunciar sem razão à vida. Para isso é preciso ser sábio e a sabedoria é coisa natural na velhice.
Leia De Senectute. Lá está tudo isso, e melhor. Se você não lê latim, há boas traduções. Se for jovem, rirá muito; se for velho, ficará feliz – o que é muitíssimo diferente.

Texto publicado no jornal Zero Hora