Arquivo da tag: 100 autores que você precisa ler

Autor do dia: Franz Kafka

Praga, Tchecoslováquia, 1883 – † Kierhing, Áustria, 1924

Judeu de classe média, começou a escrever aos quinze anos, embora a maior parte de sua obra tenha sido publicada postumamente. Viveu sua infância em um clima opressivo, dominado pela figura tirânica do pai. Personalidade complexa, tímido, funcionário público exemplar, conviveu com intelectuais, participando reservadamente da vida cultural. Seus trabalhos só foram enviados a editoras e jornais depois da insistência de admiradores, como o conterrâneo Max Brod, responsável pela divulgação de sua obra. Esta começou a ganhar espaço durante os anos 1920, por intermédio de André Breton e, mais tarde, de Jean-Paul Sartre e Albert Camus, chegando aos países de língua inglesa. Seus livros, proibidos durante a Segunda Guerra Mundial, retornaram à Alemanha apenas em 1950. Dentre esses, os mais conhecidos são A metamorfose e O processo. Sua obra é considerada um dos pontos altos da literatura fantástica, com destaque para o modo como o absurdo irrompe o cotidiano e o desestabiliza.

Obras principais: A metamorfose, 1916; Na colônia penal, 1919; Carta ao pai, 1919; Artista da fome, 1924; O processo, 1925; O castelo, 1926

FRANZ KAFKA por Antonio Hohlfeldt

Kafka viveu entre o final do século XIX (nasceu em 1883) e as três primeiras décadas do século XX  (morreu em 1924). Assistiu, pois, à passagem dos séculos, mas, principalmente, à Revolução Russa e à Primeira Guerra Mundial. Judeu, natural de Praga, experimentou na carne a marginalização sob todos os seus aspectos: Praga era a capital de uma nação relativamente artificial (afinal, a Tchecoslováquia fazia parte do Império Austro-Húngaro – ele mesmo, Franz, falava alemão), e os judeus, em qualquer tempo e em qualquer lugar, sempre foram perseguidos ou sofreram desconfiança por parte dos demais segmentos populacionais. Some-se a esses aspectos culturais e históricos um aspecto psicológico pessoal: o sentimento de apartamento que marcou o adolescente e o adulto, fato que se confirma ao serem lidos seus Diários ou a famosa Carta ao pai.

Perto de morrer, Kafka queria que seus escritos fossem destruídos. Felizmente, seu principal amigo, Max Brod, descumpriu essa vontade, e hoje a obra de Franz Kafka, lida e debatida constantemente, constitui-se em um dos mais radicais e contundentes documentos sobre a modernidade, a tentativa de afirmação da racionalidade e, ao mesmo tempo, a vitória da irracionalidade. Kafka ilustra toda a teoria freudiana da psicanálise (veja-se O castelo ou A metamorfose), mas, sobretudo, evidencia a fragmentação da consciência do homem moderno, uma esquizofrenia que impede a auto-imagem, a afirmação da identidade e, portanto, toda e qualquer realização afirmativa.

Além disso, antecipa os sistemas de força que negariam a individualidade, como o socialismo soviético,  que começava a ser então edificado, ou o nazismo, que logo depois tomaria conta da Alemanha, matizado pelo fascismo de Mussolini na Itália, etc. Em síntese, Kafka foi moderno porque sua literatura surpreende a inadequabilidade do ser humano ao mundo crescentemente maquinizado, onde as pessoas se tornam máquinas, robôs, coisas, instrumentos de poder, negadas em sua essência e em sua identidade. Para bem se ler Kafka, por isso mesmo, deve-se levar em conta tanto a chave psicanalítica quanto a histórico-cultural.

Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Autor de hoje: Honoré de Balzac

Tours, França, 1799 – Paris, França, 1850

Honoré de Balzac nasceu em Tours, em 20 de maio de 1799, filho do camponês Bernard-François Balssa (mais tarde Honoré mudou o nome para Balzac, precedido de um aristocrático de) e de Anne-Charlotte-Laure Sallambie. A mãe de Balzac, 33 anos mais jovem que Bernard, era filha de uma modesta burguesia da província e teve uma relação distante e ao mesmo tempo marcante com o filho mais jovem, Honoré. Ele conheceu na infância e na adolescência a solidão e a dureza dos internatos, onde fez sua formação básica. Formou-se em Direito, profissão que jamais praticou. Aventurou-se em numerosos negócios em busca de fortuna, fracassando nisso de maneira sistemática. Paralelamente ao sonho de enriquecer, escreveu uma das maiores e mais consistentes obras da história da literatura mundial. Morreu em 18 de agosto de 1850.

Obras principais (Quase a totalidade da obra de Balzac foi publicada sob o título geral de A comédia humana): A pele de Onagro, 1831; Eugénie Grandet, 1833; O Pai Goriot, 1834; O lírio do vale, 1835; A mulher de trinta anos, 1835; Ilusões perdidas, 1843; Esplendores e misérias das cortesãs, 1847.

HONORÉ DE BALZAC por Ivan Pinheiro Machado

A comédia humana é o título geral que dá unidade a obra de Honoré de Balzac, composta de 89 romances, novelas e histórias curtas. Esse enorme painel do século XVIII foi ordenado pelo autor em seis subséries: Cenas da vida privada, Cenas da vida provinciana, Cenas da vida parisiense, Cenas da vida militar, Estudos filosóficos e Estudos analíticos.

A comédia humana é um monumental conjunto de histórias, em que cerca de 2.500 personagens se movimentam por vários livros, ora como protagonistas, ora como coadjuvantes. Genial observador do seu tempo, Balzac soube como ninguém captar o “espírito” do século XVIII. A França, os franceses e a Europa no período entre a Revolução Francesa e a Restauração têm nele um pintor magnífico e preciso. Friedrich Engels, em uma carta a Karl Marx, dizia que “eu aprendi mais em Balzac sobre a sociedade francesa da primeira metade do século, inclusive nos seus pormenores econômicos (por exemplo, a redistribuição da propriedade real e pessoal depois da Revolução), do que em todos os livros dos historiadores, economistas e estatísticos da época, todos juntos (…)”.

Tido como o inventor do romance moderno, Balzac deu tal dimensão aos seus personagens que, já no século XVIII, mereceu de Hippolyte Taine, o maior crítico literário do seu tempo, a seguinte observação: “Como William Shakespeare, Balzac é o maior repositório de documentos que possuímos sobre a natureza humana”. Esse criador de milhares de personagens foi – quem sabe – o mais balzaquiano de todos. Obcecado pela idéia da glória literária e da fortuna, adolescente ainda, convenceu sua família de recursos limitados a sustentá-lo em Paris por no máximo dois anos, tempo suficiente para que ele se consagrasse como escritor e jornalista. Começou a vida literária publicando obras de terceira categoria sob pseudônimo. Era a clássica “pena de aluguel”. Escrevia sob encomenda histórias de aventuras, policiais, romances açucarados, folhetins baratos, qualquer coisa que lhe rendesse algum dinheiro.

Somente em 1829, dez anos depois de sua chegada a Paris, Balzac sente-se seguro para colocar o seu verdadeiro nome na capa de um romance. É quando sai A Bretanha em 1799 – um romance histórico em que tentava seguir o estilo de Sir Walter Scott, o grande romancista inglês de seu tempo. Paralelamente à enorme produção que detona a partir de 1830, seus delírios de grandeza levam-no a criar negócios que vão desde gráficas e revistas até minas de prata. No entanto, fracassa como homem de negócios. Falido e endividado, reage criando obras-primas para pagar seus credores em uma destrutiva jornada de trabalho de até dezoito horas diárias. “Durmo às seis da tarde e acordo à meia-noite, às vezes passo 48 horas sem dormir….” queixava-se em cartas aos seus amigos.

Em 1833, teve a antevisão do conjunto de sua obra e passou a formar uma grande “sociedade”, com famílias, cortesãs, nobres, burgueses, notários, personagens de caráter melhor ou pior, vigaristas, homens honrados e avarentos, que se cruzariam em várias histórias diferentes sob o título geral de A comédia humana. Vale ressaltar que em sua imensa galeria de tipos, Balzac criou um espetacular conjunto de personagens femininos que – como dizem unanimemente seus biógrafos e críticos – tem uma dimensão muito maior do que o conjunto dos seus personagens masculinos.

Aos 47 anos, massacrado pelo trabalho, pela péssima alimentação e o tormento das dívidas que não o abandonaram pela vida inteira, ainda que com projetos e esboços para pelo menos vinte romances, Balzac já não escrevia mais. Consagrado e reconhecido na França e na Europa inteira como um grande escritor, havia construído em frenéticos dezoito anos esse monumento com quase uma centena de histórias. Morreu em 18 de agosto de 1850, aos 51 anos, pouco depois de ter casado com a condessa polonesa Eveline Hanska, o grande amor de sua vida.

Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Autor de hoje: Oscar Wilde

Dublin, Irlanda, 1854 – † Paris, França, 1900

De família abastada, estudou em Oxford, onde liderou um movimento cultural que propunha o hedonismo extremado. O retrato de Dorian Gray, seu único romance, que possui inúmeras traduções em dezenas de línguas, desde o seu lançamento provocou reações simultâneas de ira e de admiração. Wilde também escreveu narrativas curtas, poemas e peças teatrais, sendo considerado o renovador da dramaturgia vitoriana. Em seus textos, critica a sociedade da época, marcada pelo preconceito e pelo apego às convenções. Sua obra caracteriza-se pela concisão verbal e pela elegância do estilo, veiculando uma visão de mundo amarga e crítica. Embora, no início de sua carreira, agisse como um dândi, devido ao comportamento extravagante e à prática da arte pela arte, seu talento superou os obstáculos e sua obra permanece como representativa da melhor literatura da passagem do século XIX para o século XX.

Obras principais: O príncipe feliz e outros contos, 1888; O retrato de Dorian Gray, 1891; A importância de ser prudente, 1895; A balada do cárcere de Reading, 1898; De profundis, 1905

OSCAR WILDE por Vicente Saldanha

Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde é um autor normalmente associado a discussões estéticas e temas polêmicos. Sua vida e sua obra se entrelaçam e nos remetem a alguns aspectos importantes da Inglaterra vitoriana. Iniciou sua carreira literária com poemas de inspiração clássica e sobre temas variados. Um deles, “Ravenna”, recebeu um importante prêmio literário. Nele o poeta canta suas impressões sobre a famosa cidade italiana em versos decassílabos com rimas emparelhadas. Em seguida, lançou O príncipe feliz e outros contos. Trata-se de uma coleção de contos de fadas, originalmente escritos para seus filhos, em linguagem elegantemente simples e atmosfera charmosa. Um bom começo para quem pretende iniciar-se na sua obra em prosa. Também merecem destaque outros contos, como “O fantasma de Canterville” e “A esfinge sem segredos”. Com o romance O retrato de Dorian Gray, Wilde afirmou sua filiação ao movimento estético da “arte pela arte”, segundo o qual a arte seria auto-suficiente e não necessitaria servir a nenhum propósito moral ou político. É emblemático, nesse sentido, o prefácio da obra, composto de aforismos sobre a natureza da arte e da criação literária. A narrativa, em si, é uma fábula moderna que discute valores morais e estéticos da era vitoriana em uma tentativa de sobrepor-se à tendência moralizante das obras de ficção da época. Além da poesia e da ficção, a obra teatral do escritor merece destaque. Entre suas peças, a mais conhecida é A importância de ser prudente. Trata-se de uma comédia de erros em que os personagens exprimem opiniões cáusticas sobre temas variados como arte, casamento e crítica literária.

O sucesso teatral do autor, porém, não durou muito. Seu envolvimento amoroso com lorde Alfred Douglas, um jovem aristocrata, desencadeou um longo e penoso processo criminal que levou à condenação do escritor a trabalhos forçados. De sua experiência na prisão resultou A balada do cárcere de Reading. O poema trata de um condenado à forca e das impressões de Wilde acerca do cárcere. O ritmo elegante e tristemente musical do texto, juntamente com as rimas nos versos pares, acentua a atmosfera opressiva e soturna da prisão. Mais tarde, Wilde escreveu De Profundis, uma longa carta dirigida a Alfred Douglas, que se tornou uma espécie de réquiem do tumultuado relacionamento e do próprio Wilde. Hoje, passado mais de um século de sua morte, Oscar Wilde ainda é um autor que merece ser lido e apreciado. A leitura de seu romance, de seus contos, poemas e peças, além de propiciar uma viagem no tempo de volta à Inglaterra vitoriana, encanta pela elegância de suas palavras, pela espirituosidade, pela expressão de idéias anticonvencionais e por uma sensibilidade acentuada.

Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Autor de hoje: Sófocles

Colona, Grécia, 495 a.C. – † Atenas, Grécia, 406 a.C.

Sófocles é considerado, juntamente com Ésquilo e Eurípedes, um dos três grandes poetas dramáticos da Grécia Antiga. Mestre incomparável da dramaturgia, inovou a construção e as técnicas teatrais de seu tempo, elevando o número de integrantes do coro, acrescentando um terceiro ator e substituindo a trilogia unida pela livre, em que cada drama formava um todo. Em sua obra, Sófocles não responsabiliza o homem pelo ato consumado, mas por sua intenção, porque as intenções do indivíduo nem sempre se realizam por vontade própria, dependendo também da cooperação de atos alheios ou do acaso. Exprimindo uma visão de mundo fatalista, pois acreditava na intervenção da “moira” ou destino. Sófocles soube captar o sofrimento, a dúvida e os sentimentos humanos. Tanto é que sua obra serviu de subsídio para Aristóteles, em sua Poética, e para Freud, muitos séculos depois, quando formulou as teorias da Psicanálise.

Obras principais: Antígona, c. 415; Édipo Rei, c. 425; As traquínias, c. 420; Electra, c. 415; Édipo em Colono, c. 401.

SÓFOCLES por Ivo Bender

Sempre que referimos a tragédia, enquanto gênero dramático, vem-nos à mente o Édipo Rei, de Sófocles. Embora existam, entre as cerca de três dezenas de textos trágicos remanescentes, outras tragédias exemplares, nenhuma alcança o mesmo nível de construção de Édipo Rei. Ao correr de seus 1.810 versos, Sófocles nos apresenta a trajetória de um homem que, ao amanhecer do dia trágico, se encontra no mais alto patamar de segurança e poder e que, ao cair da noite, vê-se aniquilado.

Embora Édipo tenha resolvido o enigma da Esfinge e, com isso, ganho o trono e a mão da rainha, mesmo que se esforce para livrar Tebas da peste e ainda seja o mesmo homem pleno de virtude, nada poderá libertá-lo de seu passado. Sequer os deuses, em tudo mais onipotentes, têm como travar a engrenagem trágica, uma vez acionada pelo Destino.

Supondo conhecer sua ascendência, Édipo descobrirá o equívoco em que sempre viveu e que, para sua infelicidade, ele próprio irá desfazer. Nesse sentido, é reveladora a observação do adivinho Tirésias ao dizer para o rei: “Verás num mesmo dia teu princípio e teu fim” (v. 528).

Nascido para matar o pai e desposar a própria mãe, Édipo, sem suspeitar, dá todos os passos necessários para que seu destino se realize por completo. Ao final do drama, Édipo está cego, mas é, finalmente, conhecedor de sua identidade e passa a experimentar todos os males que lhe advêm desse conhecimento.

Se no plano individual a catástrofe é absoluta, no plano coletivo dá-se o contrário – Tebas está liberta da peste, as searas voltarão a frutificar e as mulheres tornarão a dar à luz. E, pairando acima das ruínas da casa real e acima de Tebas liberada, o Destino tem mais uma vez referendada sua incompreensível ação.

Édipo Rei estreou por volta de 430 a.C., nas Frandes Dionísicas, em Atenas. A peça não recebeu o primeiro prêmio embora, como quer Aristóteles em sua Poética, provoque “Terror e piedade” até mesmo à simples leitura, sem a necessidade da encenação. 

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Autor de hoje: Anton Tchékhov

Tanganrov, Rússia, 1860 – † Badenweiler, Alemanha, 1904

Descendente de servos da gleba e filho de um pequeno comerciante, formou-se médico pela Universidade de Moscou. Trabalhou duramente para pagar seus estudos e sustentar a família, exercendo a medicina numa clínica rural. Depois de alguns anos, dedicou-se apenas à literatura, publicando contos e revistas. A contenção necessária do conto, numa época em que o governo russo exercia rigorosa censura sobre a intelectualidade, fez dele o criador de textos intensos e concisos. Mestre do gênero, sua visão de mundo é ética e democrática, voltada para o combate das injustiças e para a sátira contra a sociedade. Apontado pela crítica como o criador do conto sem enredo ou de atmosfefra, sua obra veicula simpatia e compaixão entre os homens, sendo considerado o intérprete dos intelectuais, das mulheres e das crianças. Dramaturgo, romancisa e contista, seus textos influenciaram toda a literatura ocidental.

Obas principais: A estepe, 1888; Enfermaria  n˚ 6, 1892; Tio Vânia, 1898; A dama do cachorrinho, 1898

ANTON TCHÉKHOV por Juremir Machado da Silva

Neto de servo, filho de pequeno comerciante, o adolescente Anton Tchékhov foi arrancado de sua cidade natal, Tanganrog, situada à beira do mar de Azov, pela falência do pai. Descobriu, então, as ruas de Moscou e a “escola da vida”. Graças a esse aprendizado diário do cotidiano, complementado pelo curso de medicina, ele se tornaria um extraordinário observador e narrador da vida comum. Não lhe interessavam os grandes heróis nem os sábios exemplares, mas sim os homens médios, a gente de todo dia, a existência menor que constituiu o social como um todo. De certo modo, Tchékhov, mestre da pecisão e da narrativa concisa, sempre quis entender as engrenagens do vivido a partir de sua essência: o banal.

Como se fosse um cientista examinando fenômenos bem delimitados, tratou de individualizar os casos abordados pelo seu olhar de escritor e de mostrar o existente com base em dados e elementos concretos em lugar de refletir sobre abstrações ou generalidades. Essa maneira de ver o mundo e de construir os seus personagens aparece nas suas novelas ou no seu teatro. Habituado a escrever histórias muito curtas para jornais e revistas, ele sempre soube ir direto ao ponto, mesclando detalhes com uma percepção aguda e, através do humor, revelando o absurdo das situações descritas. Escreveu mais de seiscentos textos em quarenta anos de vida.

Nunca mudou seu método. Quem descobre Tio Vânia, Três irmãs (1901), O jardim das cerejeiras (1904), ou qualquer uma das suas histórias célebres ou menos conhecidas, defronta-se com uma mistura de cômico, patético e trágico. Em resumo, acompanha a transfiguação do banal pelos incidentes do cotidiano. Em “Angústia”, história muito breve, que pode ser lida na edição basileira de O homem no estojo (1889), toda a arte de Tchekhov emerge: num anoitecer gelado, sob a neve, o cocheiro Iona tenta falar com alguém sobre a morte do filho. Ninguém quer ouvi-lo. Ao final de uma jornada de trabalho infrutífera, no mais fundo da sua solidão, ele encontra, enfim, quem lhe dê ouvidos: sua égua. Uma última frase econômica resume um mundo em desespero: “Iona se deixa arrebatar e conta-lhe tudo.”

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. A partir de hoje, todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Pra melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.