4. A ditadura que odiava os livros – parte II

Por Ivan Pinheiro Machado*

Leia (ou releia) aqui a primeira parte dessa história.

Hélio Silva assumiu a editoria e a responsabilidade – junto conosco – da publicação do livro que ganhou o nome de “Memórias: a verdade de um revolucionário”. Hélio assinou como organizador e prefaciador do livro. Foi um longo trabalho, pois eram muitas páginas e muitas informações. Para a época, era uma verdadeira bomba atômica e – confesso 32 anos depois – eu retirei do livro, em consenso com Hélio Silva, ­as chamadas “ofensas de baixo calão” que  Mourão dirigia a Médici e, principalmente, a Costa e Silva. Os velhos generais eram brindados com os piores adjetivos disponíveis no nosso idioma. Preservamos 90% das ofensas. Os 10 % que cortamos foram em nome da viabilização da empreitada. Mas não adiantou. O livro já estava impresso, empacotado na gráfica EPECÊ, antiga gráfica Champagnat, pertencente à PUC RS. Estava tudo pronto para a distribuição dos livros quando recebemos o telefonema de um dos padres que comandavam a empresa. “Corram aqui!!! A polícia está prendendo o livro!!!”. Meu pai havia detectado por acaso, no Fórum, uma movimentação para “apreensão de livro em segredo de justiça”, promovida por um conhecido escritório de advocacia de Porto Alegre, ligado a um Ministro da ditadura. Advogado, ele assumiu a causa na hora e já estava na gráfica quando chegamos.

Para nos proteger, havíamos convocado toda a imprensa, pois o testemunho dos repórteres evitaria alguma violência contra nós. Receosos, fomos tirar satisfação do delegado do DOPS que liderava a operação. Ele olhou para mim com uma cara de nojo e grunhiu: “Não toquem nos livros e não saiam daqui”. Enquanto isso, o Lima já estava tratando de fugir pela porta dos fundos com 200 livros. Passou-se uma meia hora de enorme tensão. Usando a forma mais respeitosa que eu encontrei, comuniquei a ele que ia me retirar por alguns momentos para buscar um amigo meu no aeroporto. O cara me olhou com absoluta indiferença e voltou a grunhir: “Tu não entendeu, meu? Tu tá preso!” Fiquei parado e meu pai se aproximou. Eu falei bem baixinho: “o cara disse que eu estou preso!”. Dr. Antonio Pinheiro Machado Netto era um velho combatente e me perguntou. “Tu conheces o pessoal do JB?”. “Sim. Por quê?” Meu pai sussurrou: “Está ali o carro deles, quando o cara se distrair entra dentro e te manda!” A repórter Ângela Caporal não estranhou quando eu pulei dentro da Brasília com o enorme logotipo do jornal e me deitei no banco. Discretamente, ela ordenou ao motorista: “Vamos embora daqui!” Foi assim que eu escapei, graças à generosidade da Ângela e à respeitabilidade do saudoso JB, o jornal mais importante do Brasil, na época. O que se seguiu foi uma encarniçada batalha judicial. O livro era enorme e o prejuízo foi maior ainda. Quando estávamos já sem esperanças, vendendo os nossos Volkswagens para pagar a gráfica e fechar a editora, o livro foi surpreendentemente liberado depois de uma sentença histórica do juiz que tratava do caso. Era fevereiro de 1979 e a história recomeçava para nós. A liberação foi manchete em todos os jornais importantes do país e o livro vendeu mais de 50 mil exemplares colocando a L&PM no mapa do Brasil… Hoje, apesar de esgotado, é uma importantíssima referência para elucidar os passos do movimento golpista de 1964.

Hélio Silva escreveu mais de 60 livros sobre história do Brasil e em alguns deles utilizou muitas das informações do General Mourão. Em 1990, fez voto de pobreza e passou a ser monge beneditino. Morreu em 1995, aos 91 anos, no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, onde está enterrado.

Para ler o próximo post da série “Era uma vez uma editora…” clique aqui.

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