Você aí, que acha que Agatha Christie já nasceu com aquele seu jeito de vovó, prepare-se para mudar seus conceitos em relação à Rainha do Crime. Em fevereiro de 1922, ela e o marido, Archie (Archibald Christie), partiram para uma volta ao mundo que duraria dez meses. Entre outras aventuras, o casal surfou na África e em Honolulu. Ou melhor, em Honolulu eles tentaram, como a própria escritora contou em sua Autobiografia (publicada em 1979 no Brasil pela Nova Fronteira).
“Nossa viagem foi lenta, parando em Fidji e em outras ilhas antes de chegarmos. Achamos Honolulu muito mais sofisticado do que pensáramos, com muitos hotéis, estradas e automóveis. Chegamos cedo, pela manhã, fomos para nosso quarto do hotel e, imediatamente, vendo pela janela gente a fazer surf, correndo para a praia, alugamos pranchas e mergulhamos no mar. Éramos, claro, totalmente ingênuos. Estava um dia ruim para fazer surf – um desses dias em que só os peritos vão para o mar; mas nós, que havíamos feito surf na África do Sul, acreditávamos que surf para nós, já não era mistério algum. Acontece que em Honolulu era diferente. A prancha, por exemplo, era um grande pedaço de madeira, quase que pesado demais para que o pudéssemos erguer. Deitamo-nos em cima dela e nadamos vagarosamente até os recifes, a uma milha de distância – pelo menos foi o que me pareceu. Aí, colocamos-nos na devida posição e esperamos por uma dessas ondas que nos atiram pelo mar a fora até a praia. Não é tão fácil quanto parece. Primeiro, temos que reconhecer a espécie de onda própria para isso e depois, ainda mais importante, temos que reconhecer a onda que não serve, porque se somos apanhados por uma daquelas que nos arrasta para o fundo só Deus nos poderá ajudar! Eu não era uma nadadora tão experiente quanto Archie, de modo que demorei mais tempo a atingir os recifes. Por essa altura já perdera Archie de vista; presumi que estivesse flutuando em direção à praia, negligentemente, como os outros estavam fazendo. De modo que me coloquei apropriadamente em cima da minha prancha e esperei pela onda. Ela veio. Era da espécie imprópria. Num abrir e fechar de olhos eu e minha prancha fomos atiradas para milhas uma da outra. Primeiro, a onda, depois de me arrastar violentamente para o fundo do mar, sacolejou-me muito. Quando atingi a superfície, sem respiração e tendo engolido enormes quantidades de água salgada, avistei minha prancha, flutuando a meia milha de mim, em direção à praia. Nadei laboriosamente atrás dela. Foi recuperada para mim por um jovem norte-americano que me cumprimentou com as seguintes palavras: `Escute, irmã, se eu fosse você, hoje não faria surf. Você está arriscando demais. Tome a prancha e nade direitinho para a praia.´ Segui imediatamente seu conselho.”
Agatha e sua prancha em Honolulu