O livro e o delegado

Por Ivan Pinheiro Machado

Meu pai era um inimigo da ditadura militar de 1964. Por isso nossa família sofreu vários tipos de intimidações e perseguições. Minha casa foi invadida várias vezes pela repressão. A que mais me marcou foi o dia em que a polícia política (DOPS) invadiu nossa casa e prendeu centenas livros da grande biblioteca do meu pai. “Vamos queimar esta imundície comunista”, dizia o delegado, jogando ensaios de Marx e Schopenhauer numa caixa de lixo.

Ontem eu vi um delegado exibindo na TV um livro publicado pela L&PM Editores: Mate-me por favor dos jornalistas e críticos musicais Legs McNeil e Gillian McCain apreendido na casa de um suposto vândalo.

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“Mate-me por favor” em 2 volumes na Coleção L&PM Pocket

Não me interessa o que o rapaz fez. Mas o que me chamou a atenção foi a naturalidade com que o delegado apreendeu o livro. Um delegado que não serve a uma ditadura e apreende um livro é porque tem a vocação do autoritarismo. E nenhum respeito por um livro. Mate-me por favor é um livro maravilhoso, editado por minha indicação. Não faz a apologia da violência. Muito pelo contrário. Ele trata de jovens que foram abandonados pelo sistema e elegeram a música como uma forma de protesto. E esta música foi uma bofetada no sistema. Esta música fez com que os delegados e os políticos voltassem os seus olhos para uma enorme legião de jovens sem futuro e sem emprego nos idos dos anos 80. A L&PM Editores, meu caro delegado, já foi vítima durante sua história nos anos sombrios da ditadura de vários delegados que odiavam livros.

O que me surpreende é que um bom livro seja alinhado junto a facas e correntes e exibido na TV como se fosse uma arma. E ninguém diz nada. Lembrou-me o tira ignorante que invadiu a casa do meu pai nos anos 70 para prender os “livros comunistas”. Ele não teve dúvidas; atirou-se na estande e pegou o O vermelho e o negro de Stendhal como um símbolo desta “corja vermelha que quer tomar conta do país…”

26 ideias sobre “O livro e o delegado

  1. Yuri Raskin Pospichil

    Lamentável a mentalidade retrógrada da polícia, infelizmente somos obrigados a nos deparamos todos os dias com esses resquícios da ditadura que segue impregnada nos atos e pensamentos da polícia (mas não só dela). Quem persegue livros persegue a liberdade.

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  2. Aliriane F. Almeida

    de fato,

    são coisas gritantes no seu absurdo:

    1º: o cara apreender um livro e exibir junto às armas.
    2º: ninguém falar NADA!

    Que isso minha gente?!?! Que tá acontecendo??

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  3. Augusto Barros

    Gostaria de deixar meu apoio à editora. Li o livro de forma apaixonada, quero ler ele novamente depois dessa censura ridícula. Não podemos permitir essa prova de ignorância e autoritarismo.

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  4. naldo

    Apreendeu o livro sem saber do que se trata provavelmente, agora fica a duvida: Um Delegado desses realmente esta preparado proteger seja la do que for?

    Poderiam publicar outra vez a versão vem volume único do livro aquele com capa laranja. Procurei muito este livro e só achei o vol II em sete livrarias.

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  5. Sharon Caleffi

    Importantes palavras! Nós que amamos os livros em geral, o movimento punk e em específico, o “Mate-me, por favor!” somamos nossa voz à sua indignação, Ivan.

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  6. Clóvis Gorgônio

    Prezado Ivan, mal sabia o delegado que sua de(sin)formada ação iria trazer tamanha visibilidade ao livro, e, com certeza, aumentar sua vendagem e circulação!

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  7. Júlia

    Acho que, pra não chorar, a gente tem que rir desse delegado… um riso cheio de escárnio, deboche e pena, ainda que um pouco amargo, pq néamm, vai-te embora! Apreender um livro??? Não ficou nem com medo de parecer um babaca, trouxa e ignorante perante à sociedade?

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  8. Eduardo Michelini

    Realmente é revoltante ver que alguns hábitos ainda persistem naqueles que deveriam “servir e proteger”.
    Mas eu colocaria os livros como um instrumento mais perigoso até mesmo que facas e correntes. Livros plantam uma idéia nas pessoas, e idéias não morrem; não existem armas capazes de vencer uma idéia.

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  9. batis

    prezados a história se repete. um poeta disse algo ‘primeiro queimam os livros, depois queimam os homens’. a censura acabou, guri… ou não. mais uma faixa para as ruas. heheheh. inadimissível!
    batis

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  10. Renato Schmeiske

    Vou queimar minha coleção de Pato Donald.
    O cara vive de camisa mas sem cueca; tem sobrinhos mas não tem irmãos, nunca casou…
    sei não…
    vai que o delega cisma que é pedofilia

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    1. Fabio

      O caso Arthur dos Anjos Nunes!

      28/06/13 20:59 – atualizada em 28/06/13 21:05

      Tudo Começara com minha indignação com o cunho preconceituoso de uma matéria do Jornal o Globo em sua versão on-line. Então postei no facebook o seguinte:

      Uma demonstração do que é a imprensa isenta do nosso país!

      Como se ser anarquista fosse crime, como se ninguém (principalmente do sexo masculino, e que provavelmente não é abastado) pudesse ter em casa martelos, marretas, facas de cozinha. E como se um símbolo nazista claramente riscado fosse sinal de qualquer coisa além de aversão a tais ideais ridículos. Por favor alguém entre em contato com a polícia civil e me denuncie, pois tenho livros de Proudhon e Bakunin na minha biblioteca pessoal, tenho várias facas de cozinha, pelo menos duas marretas, dois martelos, chave de rodas, estiletes, chaves de fenda, pé-de-cabra e garrafas com material inflamável e repudio qualquer ideal nazi-facista.

      http://oglobo.globo.com/rio/policia-apreende-material-na-casa-de-acusado-de-vandalismo-no-centro-882
      oglobo.globo.com

      http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/justica-do-rio-nega-prisao-de-acusado-de-vandalismo

      Parabéns à Vera Araújo do Jornal O Globo por enxergar o “… “x” em vermelho…” na suástica. Pena que manteve, e ainda reforçou o cunho anti-anarquista (usando inclusive um depoimento do Prof. Hilbert da Silva Julio, auto-declarado anarquista) da sua reportagem.

      É sobre essa falta de isenção que fiz meus comentários, não sobre a culpa ou não do Sr. Arthur dos Anjos Nunes. Pois esse não é meu papel nem o da imprensa isenta!

      Resolvi então descobrir quem é Sr. Arthur dos Anjos Nunes e encontrei isto na internet:

      http://fistrj.blogspot.com.br/2013/06/justica-desmascara-armacao-torpe-contra.html

      Já não acreditava que isto estava acontecendo.

      Ainda mais indignado resolvi comparecer na coletiva de imprensa na manhã seguinte. Fui bem recebido pelo pessoal da FIST. Que me forneceu toda a documentação do registro da ocorrência até a sentença da juíza indeferindo o pedido de prisão preventiva de Arthur dos Anjos Nunes. E seus advogados ainda me permitiram gravar em vídeo à coletiva de imprensa!

      A Cópia da Evidência de que Arthur não está foragido da polícia está aqui:

      http://www.x-flog.com.br/fabiopalves/2681383

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  11. Felipe

    Na época da ditadura houve vários casos similares de apreensões feitas por policias ignorantes.
    O João Ubaldo Ribeiro conta que uma peça teatral à qual estava assistindo como repórter foi interrompida por uma invasão policial, pois alegaram que a peça “tinha conteúdo subversivo”.
    Quando perguntaram ao diretor quem era o autor da peça e este deu-lhes o nome, eles ainda disseram “E onde está esse tal de Sófocles? Tragam ele aqui!”

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  12. joão maurício

    Prezado Ivan,
    Não vi esta matéria nas TV ou jornais… se isto aconteceu certo que é um ato eivado de autoritarismo do delegado em questão. Deve ser combatido com todas as letras e deve ser questionado aos seus chefes e ao governador.
    Assim, como não sei se tens observado a forma como uma grande empresa de comunicação, a globo (observes a Globo News) tem tratado sobre os movimentos e acontecimentos no brasil… simplesmente estão montando e insinuado um golpe branco ou mesmo estão nitidamente dando cartas para que grupos facistas se emerjam das catacubas para retornar ao comando do estado brasileiro… Ou isto seria fantasia persecutória de minha cabeça…?!
    Agora porque há corruputos na esquerda, como há um cem nomes que o senhor conhece na direita e nos ditos liberais…
    falar em “corja vermelha que tenta tomar o país”… deveria pensar um pocuo mais também qdo busca botar tudo no mesmo saco…
    Pois neste caso poderíamos falar que há uma corja de empresários liberais em todas as empresas… e isto sei que também absolutamente não é verdade…
    Saudações pelo trabalho prestado pela sua editora ao logo das últimas décadas em nosso país…

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  13. Jorge Barcellos

    Lamento contraria-lo, não vi foto, mas pelo que descreves, o delegado estava absolutamente CERTO ao enquadrar o livro entre armas. Livros SAO armas, armas de resistência intelectual, auxiliares na conquista da liberdade e o poder sabe que qualquer livro que inspire consciência critica – deve ser o caso, lamento não te-lo lido -deve ser julgado arma. O ato autoritário existe e deve ser combatido, mas que seus algozes sequer compreendam a dimensão superior em que se localiza a literatura é ao menos, um motivo de contentamento.

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