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A Copa do mundo literário: as melhores equipes de todos os tempos dos leitores

Poderia o goleiro Camus lidar com um ataque formado por Burroughs, Ballard e Bolaño? Leitores do jornal britânico The Guardian imaginaram times de futebol feitos a partir de seus escritores favoritos. Como a Copa do Mundo chega ao fim, vamos dar uma olhada nos nossos melhores jogadores fictícios. Mas em qual time você investiria?

Via Twitter, o The Guardian convidou os leitores para formarem seus times literários favoritos de todos os tempos.

Dê uma olhada dois deles:

O leitor TimFootman montou um time com todas nacionalidades. Albert Camus como goleiro (obviamente – pois o autor francês jogou na posição enquanto estudava na Universidade da Argélia). Ele escolheu uma rígida defesa (Leon Tolstói, Marcel Proust, Samuel Richardson e Vikram Seth), “pois você precisa de caras grandes atrás”, um meio de campo com John Galsworthy, Arnold Bennet e Elizabeth Gaskell, e escolheu Bret Easton Ellis, Will Self e DBC Pierre no ataque, pois “com o senhor Suárez provou, são os assustadores, imprevisíveis e os ligeiramente malucos que conseguem bons resultados”.

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Já o leitor Tagomagoman deu uma extensiva justificativa para seu matador e eclético time, treinado pelo “respeitado e inovador técnico com um coração de aço das trevas”, Joseph Conrad. Ele comentou algumas de suas escolhas:

James Joyce (zagueiro): “O famoso zagueiro deixou a Irlanda, seu país nativo, para aprender seu ofício no continente. Raros os jogadores que conseguirão achar um jeito de passar por sua prosa impenetrável”.

F. Scott Fitzgerald (meio campo): “Visto como um dos mais luxuosos jogadores, ele mesmo gostaria de sentar e admirar seus belos passes. Às vezes parece que está mais preocupado com sua vida de celebridade e sua glamorosa esposa do que com sua carreira. Mas quando ele se foca, ele pode jogar muito bem.

William Burroughs (meia direita):  Com seus “velhos e soltos quadris”, é um dos mais temidos alas do jogo. Sofreu com — problemas no passado, mas enquanto ele receber suas “vitaminas” antes do jogo, é confiável. Famoso por aterrorizar os zagueiros com sua notória técnica de corte, que os deixa ofegantes por compreensão.

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Tatiana Belinky vai deixar saudades

Tatiana Belinky nasceu em São Petesburgo, na Rússia, e chegou no Brasil com 10 anos. Aqui, viveu oito décadas de muita produção. Ao todo, escreveu mais de 250 livros infantojuvenis, muitos deles agraciados com prêmios educacionais. Também trabalhou como atriz de peças infantis, apresentou um programa na extinta TV Tupi e junto com o marido, Julio de Gouveia, foi responsável pela primeira adaptação para a televisão de “O Sítio do Pica Pau Amarelo”, de Monteiro Lobato.

Tatiana Belinky também traduziu muito. A corista e outras histórias, de Tchékhov, Senhor e servo & outras histórias, de Tolstói e Primeiro amor, de Ivan Turguêniev são títulos da Coleção L&PM pocket que foram traduzidos por ela.

Tatiana tinha 94 anos e seu corpo foi enterrado no domingo, 16 de junho, no Cemitério Israelita da Vila Mariana em São Paulo.

Assista aqui o pequeno trecho de uma entrevista feita com ela:

Sobre os nomes em russo

 Maria Aparecida Botelho Pereira Soares*

A leitura dos textos literários russos costuma causar alguma dificuldade por causa da grande variação dos nomes dos personagens; por isso, para facilitar, damos aqui uma visão geral de como os russos costumam se dirigir uns aos outros. De acordo com a tradição russa, as pessoas são registradas com três nomes: um prenome (geralmente simples, raramente composto): Anna, Ivan; um patronímico, que é formado a partir do prenome do pai e os sufixos -itch, -ovitch ou -evitch: Ilitch (de Iliá), Ivânovitch, para homens, e -ovna ou -evna para mulheres: Ivânovna, Andrêievna; um sobrenome de família, geralmente o do pai: Gorbatchov, Tchékhov, Dostoiévski.

Na linguagem coloquial, o patronímico masculino costuma ser abreviado: em vez de Aleksândrovitch, torna-se Aleksândrytch (o y representa aí uma vogal posterior, quase um [u] sem arredondamento dos lábios); Ivânovitch se torna Ivânytch. A maneira respeitosa de se dirigir a uma pessoa que ocupa um lugar de destaque na sociedade ou é mais idosa é usar sempre o prenome seguido do patronímico: Maria Ivânovna, Piotr Vassílievitch (ou Vassílhitch numa situação menos formal).

Para crianças, usa-se um apelido. Os russos têm apelidos (às vezes mais de um) para os nome mais usados. (Para fazer uma analogia, no romance Quincas Borba, de Machado de Assis, não era difícil para os contemporâneos deduzir que o personagem se chamava Joaquim, porque Quincas era um apelido usual para Joaquim, assim como Quinzinho; da mesma forma todos sabem que se alguém é chamado de Chico, seu nome de batismo é Francisco, e Chico é um apelido). Em russo, se uma menina se chama Tatiana, ela será chamada pelo apelido de Tânia, e um menino chamado Vladímir será chamado de Volódia. O nome Ielena tem apelidos como Lena e Liôlia. Esses apelidos são também usados informalmente para adultos, no seio da família ou entre colegas. Quando se trata de criados, empregados, pessoas de status inferior, pode-se usar somente o prenome, sem o patronímico (nestas novelas vamos encontrar Iákov, Vassíli), ou então um apelido (Macha, Gacha). Os russos são altamente afetivos no tratamento interpessoal e utilizam inúmeros diminutivos. Esses diminutivos podem incidir no prenome ou no apelido. Por exemplo, O nome de Tolstói, Lev, pode receber os diminutivos Lévotchka e Levucha, maneira afetuosa como ele era chamado pela esposa e parentes; o apelido de Ivan, Vânia, pode ganhar os diminutivos Vaniucha, Vânitchka ou Vanka (este último tem uma nuance pejorativa e nunca era usado para nobres); o apelido de Iekaterina, Kátia, pode ter os diminutivos Kátenka, Katiucha ou Katka, estes dois últimos mais usados nas camadas populares.

* Este texto é um trecho da introdução escrita por Maria Aparecida Botelho Pereira Soares para “Infância, Adolescência, Juventude“, livro de Tolstói traduzido por ela direto do russo.

Tolstói adorava crianças

Tolstói adorava crianças

O encontro entre Tchékhov e Tolstói

Havia três anos que Tchékhov vivia em Melikhovo, na província de Moscou, e continuava sempre arranjando uma desculpa para não visitar a não muito distante fazenda de Yasnaya Polyana. Até que tomou coragem e resolveu apresentar-se ao proprietário do local, ninguém menos do que o conde Tolstói.

Em agosto de 1895, Tchékhov finalmente bateu à porta do autor de Guerra e Paz. Mas chegou bem na hora em que o mestre, vestindo uma camisa branca de linho, dirigia-se ao riacho para tomar um bom banho. Tolstói convidou Tchékhov para acompanhá-lo. Chegando lá, o mais velho tirou a roupa e mergulhou na água, enquanto o mais novo permaneceu sentado à margem. Imerso até o pescoço, com a barca branca flutuando, Tolstói conversou com seu visitante.

Naquele dia, Tchékhov passou a noite em Yasnaya Polyana, depois de lerem em voz alta passagens da primeira versão de Ressurreição, livro que Tolstói iniciara naquele ano e que viria a ser seu último romance, publicado em 1899.

Depois do encontro, Tolstói disse que gostou de Tchékhov, mas que achou que faltava a ele um ponto de vista. Isso porque Tchékhov preferiu omitir suas opiniões, contrárias às do anfitrião, já que Tolstói, por exemplo, opunha-se à educação de nivel superior, à propriedade privada e até mesmo à prática da medicina.

Mais tarde, eles se encontrariam de novo e então discutiriam suas diferentes visões de mundo. E  apesar das rivalidades filosóficas, Tchékhov preocupava-se com a saúde de Tolstói e o chamava de “velho manhoso”. Costumava dizer também que “Enquanto houver um Tolstói na literatura será agradável e prazeroso ser escritor”.

No primeiro encontro, Tchékhov preferiu não se opor às ideias de Tolstoi

Os dois escritores russos posam para a posteridade

Tchékhov e Tolstói também estão juntos na Coleção L&PM Pocket e na “Caixa especial literatura russa“.

No iníco de 2013, será lançado “Infância. Adolescência. Juventude” de Tolstói.

Retrospectiva: os destaques de 2012

E lá se foi 2012. Deixando boas lembranças e ótimos livros no catálogo L&PM. Foram muitos os lançamentos em formato convencional e pocket. Aqui, destacamos um para cada mês do ano que está terminando, de dezembro até até janeiro.

DEZEMBRO – Não tenho inimigos, desconheço o ódio, de Liu Xiaobo. Por que é destaque: o chinês Liu Xiaobo é um escritor, intelectual, ativista e professor que foi condenado a 11 anos de prisão por suas ideias. Prêmio Nobel da Paz 2010, pela primeira vez seus textos foram reunidos e publicados no Brasil, apresentando uma China que o ocidente ainda não conhece.

NOVEMBRO – Allen Ginsberg e Jack Kerouac: as cartas. Por que é destaque: o livro reúne a correspondência trocada entre os dois escritores beats durante mais de 20 anos. As quase 500 páginas que separarm a primeira da última carta oferecem “uma das mais frutíferas fusões de vida e obra da literatura do século 20” conforme disse a Folha de S. Paulo.

OUTUBRO – Um lugar na janela, de Martha Medeiros. Porque é destaque: a autora de Feliz por nada compartilha com seus leitores as mais afetuosas memórias de viagens feitas em várias épocas da vida, aos vinte e poucos anos e sem grana, depois, já mais estruturada, mas com o mesmo espírito aventureiro.

SETEMBRO – A interpretação dos sonhos, de Sigmund Freud. Por que é destaque: pela primeira vez no Brasil traduzida direto do alemão, a obra maior de Freud chegou à coleção L&PM Pocket em dois volumes coordenados por psicanalistas e professores de renome e que incluindo notas e comentários que Freud adicionou ao longo da vida, mais exclusivo índice de sonhos, nomes e símbolos.

AGOSTO – Guerra e Paz, de Tolstói, na Série Clássicos da Literatura em Quadrinhos. Por que é destaque: no caso de Guerra e Paz, uma obra bastante extensa, a adaptação para HQ é muito impressionante. “Coleciono HQs, de forma intensa, desde 1958. Nunca, nesses anos todos, vi ou ouvi falar de Guerra e Paz no formato de quadrinhos. Qualquer roteirista, mesmo com experiência e capacidade, deve ter sonhado com essa aventura louca.” disse Goida a respeito do livro.

JULHO – Os filhos dos dias, de Eduardo Galeano. Por que é destaque: inspirado na sabedoria dos maias, Galeano escreveu um livro que se situa como uma espécie de calendário histórico, onde de cada dia nasce uma nova história. Provocante, intenso e sensível como toda obra do escritor, os textos formam uma colcha de retalhos costurada com poesia, emoção e concisão.

JUNHO – Uma breve história da filosofia, de Nigel Warburton. Por que é destaque: a filósofa e escritora Sarah Bakewell definiu este livro como um “manual de existência humana em que poucas vezes a filosofia pareceu tão lúcida, tão importante, tão válida e tão fácil de nela se aventurar”. Partindo da tradição iniciada com Sócrates, o autor traz dados interessantes sobre a vida e o pensamento de alguns dos mais instigantes filósofos de todos os tempos.

MAIO – História secreta de Costaguana, de Juan Gabriel Vásquez. Por que é destaque: Juan Gabriel Vásquez foi um dos convidados da Flip 2012 – Festa Literária Internacional de Paraty. Misturando fatos históricos e ficção, Vásquez cria uma história em que o escritor Joseph Conrad é um dos personagens e que tem como pano de fundo a construção do Canal do Panamá.

ABRIL – Simon’s Cat, de Simon Tofield. Por que é destaque: em abril, Simon’s Cat foi publicado pela primeira vez no Brasil. O gato que não tem nome definido é o mais famoso felino do Youtube. Depois de Simon’s Cat – As aventuras de um gato travesso e comilão, em novembro deste ano foi lançado o segundo volume da série: Simon’s Cat – Em busca de aventura.

MARÇO – Erma Jaguar, de Alex Varenne. Por que é destaque: esta HQ luxo traz todas as aventuras de Erma Jaguar, personagem criada pelo notável ilustrador Alex Varenne. Erma é uma espécie de “madame” moderna que à noite, vestindo seu corpete preto e dirigindo seu carro, vai satisfazer todas as suas fantasias. Insaciável, ela enlouquece homens e mulheres de todos os tipos.

FEVEREIRO – Diários de Andy Warhol. Por que é destaque: esta nova edição dos Diários do artista pop Andy Warhol, dividida em dois volumes em formato de bolso (e reunidos em uma caixa especial), marcou a entrada da Coleção L&PM Pocket na casa dos 1.000 títulos. Um dos mais reveladores retratos culturais do século XX, Diários de Andy Warhol soma mais de mil páginas de glamour, fofocas e culto às celebridades.

JANEIRO – 1961 – O golpe derrotado, de Flávio Tavares. Por que é destaque: este livro conta como um movimento de rebelião popular paralisou e derrotou o golpe de Estado dos ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica e evitou a guerra­ civil. Escrito por um jornalista que testemunhou e participou do Movimento da Legalidade junto a Leonel Brizola,­ então governador­ do Rio Grande do Sul.

Guerra e Paz em quadrinhos

Por Goida*  

Em 1957, a Editora Globo (a do Rio Grande do Sul) publicou na Biblioteca dos Séculos, Guerra e Paz, de Leon Tolstói. A obra, completa, tinha mais de 1.200 páginas. Já pensaram adaptar um romance assim para as histórias em quadrinhos?

Coleciono HQs, de forma intensa, desde 1958. Nunca, nesses anos todos, vi ou ouvi falar de Guerra e Paz no formato de quadrinhos. Qualquer roteirista, mesmo com experiência e capacidade, deve ter sonhado com essa aventura louca. Na hora H, porém, desistiram.

Recentemente encontrei em Montevidéu uma raridade: El Extranjero, de Albert Camus, editado em quadrinhos pela Coleção Novela Gráfica, da Ediciones La Flor (Buenos Aires). Meu espanto só foi maior quando, na semana passada, me chegou às mãos o Guerra e Paz de Tolstói, como parte da Série Clássicos da Literatura em Quadrinhos, da L&PM Editores, com o apoio da UNESCO.

Em 96 páginas, Frédéric Brémaud (roteirista) e Thomas Campi (ilustrador) conseguiram sintetizar de forma magnífica as andanças de Natacha, Pedro Bezukov e o príncipe André na Rússia (e Europa) que se agitava nas guerras napoleônicas. A HQ cobre o período entre 1805 (principalmente a Batalha de Austerlitz) até 1812, a trágica retirada dos franceses, culminando com a mortandade dos mesmos na travessia do Berezina. O álbum ainda tem mais de 18 páginas, focalizando o autor (Tolstói), sua época e sua obra.

Temos certeza de que os adolescentes – e também os adultos – que lerem Guerra e Paz em HQ vão se deliciar com esse universo gigantesco, que poucos ainda têm a força de percorrer na versão original literária.

*Goida (Hiron Goidanich) é jornalista e pesquisador, autor de Enciclopédia dos Quadrinhos.

Assista ao vídeo feito pela L&PM WebTV para promoção de Guerra e Paz em quadrinhos:

Além de Guerra e Paz, a Série Literatura em Quadrinhos já possui os títulos A volta ao mundo em 80 dias, A ilha do tesouro, Dom Quixote, Um conto de Natal, Odisseia, Robinson Crusoé e Viagem ao centro da Terra. Os próximos a serem lançados são Os miseráveis, de Victor Hugo,  e As mil e uma noites.

Os últimos dias de Tolstói

Em 1910, Leon Tolstói já contava 82 anos. Mas nem a idade avançada e a saúde frágil o fizeram perder de vista a coerência entre seu modo de vida e seus ideais. Apesar da pressão de sua esposa para que lhe deixasse em testamento os direitos sobre sua obra, ele resolveu fazer o que achava certo: modificou seu testamento sem que ela soubesse. Para garantir que sua obra se tornasse pública após sua morte, todos os direitos foram deixados como herança para um de seus discípulos mais fiéis.

Feito isto, o melhor a fazer era abandonar tudo e fugir em busca de uma vida diferente. Ao deixar a mansão na calada da noite para uma longa viagem de trem, Tolstói renunciava definitivamente à família, à propriedade, mas também à própria vida. O frio, a fumaça e as péssimas acomodações dos vagões da terceira classe (já que luxo e conforto não estavam em acordo com a vida simples que buscava) lhe renderam uma penumonia, que se agravou rapidamente e culminou em sua morte no dia 20 de novembro de 1910, aos 82 anos, numa modesta estação de trem em Astapovo, cercado de curiosos, seguidores fanáticos, e de uma das filhas, a única da família que aderiu à sua cruzada.

A saga dos últimos meses de vida do autor de Guerra e paz está contada no filme A última estação (2009), do diretor Michael Hoffman, lançado em 2009. Emocionante e intenso, o longa traz Christopher Plummer no papel de Tolstói e Dame Helen Mirren como sua esposa Sofia. Veja o trailer:

Aristocrata russo, filho do conde Nicolau Ilich Tolstói e da princesa Maria Nikolayevna Volkonski, Leon Tolstói teve uma infância carente e complicada. Sua mãe morreu quando ele tinha dois anos e seu pai foi vítima fatal de uma apoplexia antes do pequeno Leon completar dez anos. Ele e os três irmãos foram criados por parentes próximos na província de Kazan. Já adulto e incentivado por seu irmão, o tenente Nicolai Tolstói, Leon alistou-se no exército e participou da guerra da Turquia e da guerra da Criméia, onde conheceu profundamente a vida militar, os horrores e os heroísmos de uma guerra. Quando finalmente desligou-se do exército, já com 30 anos, ele conheceu a bela e moscovita Sofia, com quem se casou e teve 13 filhos. Foi neste período que ele escreveu suas obras mais conhecidas: Guerra e paz e Anna Karenina.

Anarquista convicto, Tolstói era admirado pelo filósofo Joseph Proudhon, cujas ideias coincidiam com a filosofia que ele difundia entre seus empregados e vizinhos. Seus escritos foram aplaudidos também por seus contemporâneos russos Fiódor Dostoiévski, Ivan Turguêniev e Anton Tchékhov e festejados por Gustave Flaubert, que comparou-o a William Shakespeare.

No final de sua vida, trocou intensa correspondência com Mahatma Ghandi, cuja teoria de resistência não-violenta tinha muito em comum com suas teses, inclusive as que ficaram imortalizadas no tratado pacifista Guerra e paz, uma das maiores obras da literatura mundial – não só em volume de páginas mas também em excelência literária.

Na apresentação da edição de bolso de Guerra e Paz publicada pela L&PM em 4 volumes, o editor Ivan Pinheiro Machado faz a seguinte comparação: “Guernica de Pablo Picasso está para o povo espanhol assim como Guerra e paz de Leon Tolstói está para o povo russo”.

Já não resta dúvidas de que este livro é leitura obrigatória, né? 🙂

30. Tudo sobre uma utopia generosa

 

Por Ivan Pinheiro Machado*

No início dos anos 80, a ditadura já agonizava. A juventude que protestou nas ruas, que apanhou da polícia, passou a viver a euforia de uma abertura democrática. A plenitude só voltaria em 1985 com o fim da era dos generais. Já no começo dos anos 1980, na agonia da ditadura, a imensa pressão da sociedade constrangia o regime e abrandava a repressão. Já não se escondiam os crimes cometidos pela polícia política embaixo do tapete da repressão. A censura prévia fora derrubada aos poucos, pela tenaz resistência da imprensa e pelo repúdio de todas as instituições brasileiras com credibilidade.

Um dos livros da "Biblioteca Anarquista" que agora está na Coleção L&PM POCKET

A “série Anarquista”, publicada pelas L&PM Editores, surgiu nesta época e neste contexto. Éramos muito jovens no final dos anos 70 e início dos anos 80. O ambiente cultural saía das trevas da ditadura e as idéias explodiam. Sem sermos anarquistas, militantes ou simpatizantes, nós resolvemos desafiar o conservadorismo da direita e os preconceitos da esquerda, criando uma série que expusesse o pensamento anarquista na sua plenitude, sem cerceamento. Expor para o conhecimento de todos esta utopia generosa de um estado sem governo, onde o homem exercesse a sua plenitude sem ser obrigado a obedecer regras estritas da política. Foi um trabalho sério e pioneiro, onde os melhores autores simpatizantes como Oscar Wilde, Tostói ou ideólogos do anarquismo como Proudhon, Kropotkin, Bakunin, Malatesta e Woodcock tiveram suas obras publicadas criteriosamente num conjunto que foi batizado de “Biblioteca Anarquista”.

Sempre atual, sempre polêmico, o pensamento anarquista, através de sua desvairada utopia, penetrou nos corações dos jovens exatamente pelo seu lado mais generoso (sempre esta palavra) e, se foi inviável como aplicação doutrinária e política, contribuiu para a formação de uma visão humana e plural da sociedade. Já no século XXI, a L&PM Editores, através da sua coleção L&PM POCKET reeditou a “Biblioteca Anarquista”. Para completar, “Grandes escritos anarquistas”, do teórico americano George Woodcock, será republicado em 2012.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Ivan Ilitch

Por Luiz Antonio de Assis Brasil

É uma preciosidade, esta pequena novela de Tolstói: A Morte de Ivan Ilitch. Tão preciosa quanto o romance Guerra e Paz. A primeira, um estudo minimalista; o outro, um poderoso drama acerca da invasão napoleônica à Rússia dos czares. Cada qual, à sua maneira, honra o gênio que os escreveu, e Ivan Ilitch possui uma grandeza que rivaliza com o famoso épico.

E por quê? Antes de tudo, pela segura condução da narrativa. O conflito central – a doença e morte do protagonista – só se agrava da primeira à última página. Aliás, muitos elogiam o admirável Crônica de uma Morte Anunciada como se fosse o primeiro livro a antecipar o seu final sem que isso seja um spoiler. Tolstói já fizera isso. Mesmo sabedores que Ivan Ilitch vai morrer, lemos, fascinados, como a personagem, a partir do anúncio de sua doença, vai ganhando em humanidade, revendo sua vida inútil e amparada por seu cargo burocrático e bem pago.

A questão tratada nesta narrativa não é a morte, que a ela nos acostumamos à medida que passa o tempo, mas é a morte como o fim da possibilidade de aprimorarmos nossa vida. Sim, com a morte cessa todo o esforço para sermos melhores. E quando essa morte surge como uma possibilidade logo ali, ao dobrar da esquina, tudo é pior.

Ivan Ilitch vê, a partir de uma pequena dor, que não é eterno, e que todo o amparo de um conforto conquistado, agora nada valem. Ivan, por isso, não suporta que sua esposa e sua filha decidam ir ao teatro, porque nada é mais importante do que sua doença. Ivan não admite sequer otimismo profissional de seu médico, detesta-lhe a saúde, o perfume, a pele rosada e hígida.

Tolstói consegue, como nenhum outro, utilizar-se da dor física para refletir sobre os limites de nossa vontade. Ivan Ilitch, o onipotente, deve dobrar-se a algo mesquinho e maligno que cresce dentro de seu corpo. Eis aí uma lição para os que, admitindo em tese que são mortais, não aceitam a inevitabilidade de sua morte pessoal. Uma boa reflexão para os neoarrogantes de nosso século.

E temos na praça uma premiada tradução, editada pela L&PM, assinada pela inesquecível e talentosa Vera Karam. É uma celebração da literatura.

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Texto publicado originalmente na coluna de Assis Brasil no jornal Zero Hora.