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“Satíricon”: a sátira das sátiras

Eis a mais celebrada obra literária em prosa da Antiguidade com nova tradução, direta do latim, feita por Alessandro Zir. O enredo de Satíricon começa em Nápoles, numa escola de retórica, na qual um jovem adulador e golpista chamado Encólpio busca, por intermédio do seu professor, Agamênon, ser convidado para um banquete na casa de Trimalquião, um ex-escravo, agora novo-rico. Outras pessoas de índole duvidosa se juntarão a essa verdadeira trupe de homens de pouca moral, encontrando outros personagens  – todos eles devidamente parodiados, satirizados, ironizados.

Satiricon

Como bem conta João Angelo Oliva Neto na apresentação da edição que agora chega à Coleção L&PM Pocket, a obra de Petrônio está presente em livros célebres de outros escritores

Satíricon interessou a importantes escritores modernos, que de diferentes maneiras se servem do livro. Oscar Wilde, em O retrato de Dorian Gray (1890), não mencionou personagens de Satíricon, mas sim o próprio Petrônio! A certa altura diz o narrador:

“Tendo descoberto que poderia ser, para a Londres de sua própria época, o que o autor de Satíricon fora para a Roma imperial de Nero, bem no íntimo do coração, porém, Dorian desejava ser algo mais que um mero elegantiarum arbiter a ser consultado sobre o uso de determinada joia, ou sobre o nó de uma gravata, ou sobre o modo de conduzir uma bengala.”

Na década de 1920, T.S. Eliot encontrou numa passagem do infernal banquete de Trimalquião a epígrafe para seu poema “A terra devastada”, e na mesma época F. Scott Fitzgerald, em O grande Gatsby, fez de seu herói, também ele novo-rico e dissipador, uma espécie de Trimalquião contemporâneo, tanto que o primeiro título que Fitzgerald dera ao romance foi Trimalchio. Em 1969 foi lançado o filme Satíricon, de Frederico Fellini, em que o banquete é central. 

Pela graça ou pela crítica, pela narrativa ou pela forma de narrar, pelas personagens ou pela paródia, Satíricon há de agradar ao leitor, fazê-lo rir, como quem ri da desgraça alheia. Mas lembro aqui palavras de outro satirista romano, Horácio, que disse: “Do que você está rindo? É só mudar o nome, e esta sátira estará falando de você mesmo!”. 

Raridades de Edgar Allan Poe na Morgan Library

Está em cartaz na Morgan Library, em Nova York, a exposição Terror da Alma, que reúne livros, cartas e manuscritos de Edgar Allan Poe. Entre as preciosidades então algumas edições históricas de  O Corvo, exemplares raros de Tamerlane (o primeiro livro de poemas do escritor, que teve tiragem de apenas 50 cópias) e o manuscrito do conto A Tale of The Ragged Mountains.

Poe_ragged_mountains

A documentação também revela relíquias trocadas com renomados admiradores, como Charles Baudelaire, Charles Dickens, Arthur Conan Doyle, T.S. Eliot, Vladimir Nabokov e Allen Ginsberg. De Oscar Wilde, por exemplo, pode-se ver o manuscrito de O Retrato de Dorian Gray e ler a carta mandada a Stéphane Mallarmé, na qual agradece pelo envio da segunda edição de O Corvo, traduzido pelo poeta francês. A cultuada edição de 1875, com litografias do pintor Édouard Manet, é um dos “hits” da exposição.

O toque pop fica por conta do cartaz do filme Histórias Extraordinárias, de 1968. São três episódios dirigidos por Federico Fellini, Louis Malle e Roger Vadim, e estrelados por Brigitte Bardot, Alain Delon, Jane Fonda e Terence Stamp.

Historias_fellini

A a exposição “Terror da Alma” segue em cartaz na Morgan Library, em NY, até 26 de janeiro.

Rimbaud por Jack Kerouac

Arthur Rimbaud viveu apenas 37 anos, mas foi o suficiente para influenciar uma turma enorme de artistas e intelectuais. A produção literária e musical do século 20 deve muito ao poeta francês: de Bob Dylan e Patti Smith (só para citar alguns) a T. S. Eliot, J. D. Salinger, Henry Miller, Anaïs Nin passando pelos poetas e escritores da geração beat, vários artistas “estamparam” a influência de Rimbaud em seus textos e letras de música.

Uma das homenagens mais escancaradas foi feita por Jack Kerouac com o poema “Rimbaud”, que faz parte da coletânia “Scattered Poems” e foi publicado pela L&PM no Brasil no livro Alma beat, de 1984. Clique sobre a imagem e leia o poema na íntegra:

A L&PM publica a história de Rimbaud na Série Biografias L&PM.

O livro que inspirou Woody Allen a escrever “Meia noite em Paris”

Woody Allen é um intelectual europeu. Sempre foi. E a prova disso é seu culto à Nova York, a menos americana de todas as cidades americanas. Quem leu “Cuca Fundida”, “Sem Plumas”, e todos os contos e peças de Allen, poderá constatar que ele não é um cineasta americano. É um cineasta internacional. Nos últimos tempos, Woody Allen escancara esta condição ao fazer filmes que contemplam cidades cosmopolitas do mundo e personagens com diferentes sotaques. Tenho ouvido pessoas tentando criticar “Meia noite em Paris”, dizendo que é um filme de clichês, uma visão americanizada da cultura européia. Não acho. Esta, na verdade, é a nossa visão. Mesmo porque, a impressão que nós temos da Europa é aquecida pelo ponto de vista que os americanos têm do Velho Mundo. E quem disse que esta é uma falsa visão?

Se você ainda não leu, leia o livro de Gertrude Stein Autobiografia de Alice B. Toklas. É escancaradamente uma das inspirações para o roteiro de “Meia noite em Paris”. Você vai entender porque Paris era o paraíso dos intelectuais e artistas na primeira metade do século XX. Na verdade, Paris era o paraíso de TODOS os artistas. Se ficou esta ideia de uma “visão americana” da Paris, é porque os americanos Hemingway, Fitzgerald, Henry Miller, Gertrude Stein, T. S. Eliot, sem dúvida nenhuma escreviam bem melhor do que os outros… (Ivan Pinheiro Machado)

Veja alguns trechos do livro que certamente inspirou Woody Allen:

“A casa da Rue de Fleurus, número 27, se compunha, tal como hoje, de um minúsculo pavilhão de dois andares com quatro pecinhas, cozinha e banheiro, e um vasto ateliê anexo. (…) Toquei a campainha do sobrado e fui levada ao minúsculo vestíbulo e depois à pequena sala de refeições forradas de livros. No único espaço livre, as portas, havia desenhos de Picasso e Matisse presos por tachinhas.”

“Eliot [T.S. Eliot] e Gertrude Stein mantiveram uma conversa solene, principalmente a respeito de infinitivos separados por preposições e outros solecismos gramaticais e por que motivos Gertrude Stein gostava de usá-los.”

“A primeira coisa que aconteceu quando regressamos a Paris foi encontrar Hemingway com uma carta de recomendação de Sherwood Anderson. Eu me lembro muito bem da impressão que tive de Hemingway naquela primeira tarde. Era um rapaz extraordinariamente bonito, de vinte e três anos de idade. Faltava pouco tempo para todo mundo ter vinte e seis…”

“Getrude Stein e Fitzgerald são muito estranhos na relação que mantêm entre si. Gertrudes Stein tinha ficado impressionadíssima com Ths Side of Paradise. Leu quando saiu e antes de conhecer qualquer escritor da nova geração americana. Disse que considerava o livro como a primeira manifestação pública da nova geração. E nunca mais mudou de opinião.”

Gertrude Stein (de cabelo preso à direita) e sua companheira Alice Toklas na casa de Paris em 1923