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Filósofos Futebol Clube

O célebre “Futebol Filosófico”, esquete humorística criada pelo grupo de humor inglês Monty Python nos anos 70, continua inspirando iniciativas criativas pelo mundo. Uma delas é a  linha “Pão e Circo” da marca de roupas Humanus, de Porto Alegre, que vai estampar camisetas com desenhos estilizados de Nietzsche, Sartre, Freud, Schopenhauer, entre outros. Os produtos são assinados pela designer e ilustradora Raquel Sordi, que criou um visual retrô para retratar toda a equipe do “FFC – Filósofos Futebol Clube”:

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Para conhecer o pensamento e a vida de cada um deles, leia Uma breve história da filosofia, de Nigel Warburton, que dedica um capítulo inteiro para as ideias de cada filósofo. E se você não conhece o Futebol Filosófico, assista agora mesmo! A esquete descreve um jogo durante as Olimpíadas de Munique de 1972 entre os filósofos que representam a Grécia e a Alemanha – no qual os jogadores-pensadores passeiam pelo campo, imersos em reflexões e alheios à bola e ao gol:

via Roger Lerina/Zero Hora

O prazer de traduzir Maigret

Desde 1986, Paulo Neves dedica-se à tradução. Para a L&PM, já traduziu, entre outros, Sartre, Balzac, Stendhal, Rousseau e muitas histórias de Simenon vividas pelo famoso comissário Jules Maigret. No momento que acaba de entregar mais um Simenon inédito no Brasil, Uma confidência de Maigret (que ele considera um dos melhores que já traduziu), Paulo nos falou sobre Maigret, processo de tradução e sua carreira como escritor e poeta. Vale a pena ler essa entrevista e descobrir o que pensa e sente o responsável por fazer com que os livros de Simenon – e de tantos outros autores – sejam lidos em português. Aliás, em bom português.

L&PM: Você acaba de traduzir o seu 16º Maigret. Qual é a sua relação com as histórias do famoso comissário criado por Georges Simenon?

Paulo Neves: Desde que traduzi o primeiro em 2006, curiosamente Memórias de Maigret, passei a ter uma relação muito íntima com esse personagem. Não só porque gosto do gênero policial, das investigações de um Dupin, de um Sherlock Holmes, de um Hercule Poirot. O caso de Maigret é diferente: para ele importa menos decifrar do que compreender o crime, com todas as suas implicações sociais e psicológicas. Sua maneira de investigar, ao mesmo tempo metódica e compassiva, suas dúvidas, a consciência de suas limitações e a honestidade consigo mesmo, contêm algo de uma ética estoica. Simenon não muda muito o quadro de suas histórias: os lugares e os crimes se repetem, ele insiste nos hábitos, nos cachimbos de Maigret, mas isso de modo algum cansa o leitor, que aos poucos vai se impregnando do sentido mais profundo dessa rotina. Foi o que descobri também como tradutor, confrontado à linguagem despojada e aos diálogos curtos que Simenon utiliza para que as coisas fiquem, mais do que entendidas, subentendidas. Isso requer muita precisão narrativa.

Há outro aspecto que me atrai particularmente nas histórias de Maigret. São as paisagens apenas entrevistas de Paris, por ligeiras pinceladas impressionistas que mostram as ruas, as árvores, o céu, as mudanças de estação do ano, a vida miúda da cidade. Estive lá uma única vez, exatamente há quarenta anos, muito antes de sonhar que seria tradutor e que passaria a habitá-la em imaginação através de vários autores franceses traduzidos, como Balzac, por exemplo. Mas Simenon tem sido meu guia favorito, talvez porque reencontro, nas suas descrições breves, aquela impressão vaga da minha memória distante, como o vestígio de um sonho. Para quem lê ou para quem traduz, a imaginação é mais importante do que a presença real. Pode ser que algum dia eu retorne a Paris, mas nunca deixei de vê-la através dos olhos de Maigret.

L&PM: Na sua opinião, quais são os melhores Maigret de Simenon?

PN: Difícil responder, porque não lembro detalhes de todos que traduzi. Citei antes Memórias de Maigret, que é interessante pela reconstituição dos começos de sua carreira. Outros, como A louca de Maigret, Maigret e o ministro, Maigret em Vichy, me agradaram pela trama ou pelos personagens que contracenam. Mas vou destacar o último que traduzi, Uma confidência de Maigret, porque condensa o drama desse personagem que, encarregado de investigar, gostaria às vezes de suspender o julgamento (ou, como ele diz, de ter escolhido outra profissão). Um crime é cometido e a imprensa, o público, os juízes não têm dúvidas sobre o culpado que, no entanto, se declara inocente. Maigret não tem provas suficientes para incriminá-lo e tenta em vão aprofundar uma investigação. O que ele relata é sua impotência diante da pressa com que a sociedade busca encontrar culpados ou explicações para tudo o que acontece, quando às vezes é preciso esperar longamente. É uma história quase filosófica pela amplitude de suas reflexões. Mas esse é um ponto de vista pessoal, da minha predileção.  O leitor encontrará aspectos da mesma filosofia do cotidiano em todas as histórias de Maigret.

L&PM: Além de Simenon, você já traduziu, para a L&PM, clássicos da literatura e títulos das coleções Biografias e Encyclopaedia. Existe alguma preferência, na tradução, por determinado gênero literário?

PN: Já traduzi para a L&PM clássicos da literatura como O vermelho e o negro de Stendhal, clássicos da filosofia como Discurso do método de Descartes, biografias de artistas como Van Gogh ou estudos sobre o economista Keynes, por exemplo, para a Coleção Encyclopaedia, e quase sempre foi com gosto que traduzi. Posso dizer que não tenho uma preferência por gênero literário, contanto que o livro seja bem escrito e que o assunto me interesse. Claro que existem diferenças ao traduzir: um livro de ficção ou mesmo de filosofia dão muito mais trabalho e requerem uma atenção redobrada na escrita. Mas sempre tive um interesse amplo e diversificado em minhas leituras. Gosto de quase tudo e gosto principalmente de variar minhas traduções. Com exceção talvez do Maigret, que se tornou ao mesmo tempo um prazer e uma fatalidade, pois nele reconheço, de certo modo, uma imagem transposta da minha condição de tradutor.

L&PM: Qual é a sua trajetória profissional? Quando começou a traduzir? E quais seriam, a seu ver, as características necessárias a um bom tradutor?

PN: Comecei a trabalhar como jornalista em São Paulo, onde morei de 1967 a 1981. Foram diversas experiências em agência de notícias, rádio, jornal, TV, até mesmo no setor de jornalismo empresarial. Mas eu não tinha diploma, que naquela época não era exigido, e, quando voltei a viver em Porto Alegre, tive dificuldade de arranjar emprego. Foi essa circunstância que me levou a procurar traduções, já que eu tinha um conhecimento razoável do francês e do inglês. E foi justamente a L&PM que me ofereceu o primeiro trabalho, Pés nus sobre a terra sagrada, um belo livro de um antropólogo que recolhe a palavra dos índios norte-americanos.  Daí por diante as encomendas foram se sucedendo e me tornei um tradutor de tempo integral, me especializando cada vez mais no francês. Isso modificou meu modo de vida, porque o tradutor, como todos sabem, é um trabalhador solitário, hoje terceirizado. Por outro lado, fui compelido a acompanhar o processo de mudança dos instrumentos de escrita, da máquina de escrever dos anos 1980 até chegar na Internet, quando o que mais aprecio ainda é escrever com papel e lápis. Muitas vezes me perguntei como pude resistir tanto tempo nessa condição de enclausuramento forçado diante da tela. A única explicação que encontro é que eu possuía, sem saber, certas características psicológicas indispensáveis para esse tipo de trabalho, como ser paciente, metódico e inventivo quando necessário. Características que talvez se possa generalizar a todo bom tradutor e que reconheço, mais uma vez, em Maigret.

L&PM: Além de tradutor, você também é poeta. Continua escrevendo?

PN: Sempre gostei de escrever, mas nunca tive um projeto de ser escritor. Cheguei a redigir um texto, a partir de uma pesquisa da Funarte sobre “Arte e técnica”, que acabou sendo publicado por uma pequena editora de São Paulo em 1985, intitulado Mixagem, o ouvido musical do Brasil. Mas foi só depois que comecei a traduzir que a escrita pessoal se tornou de fato, talvez por necessidade de um contrapeso interno, um exercício diário e sistemático, nas horas que me restavam à noite após o trabalho diurno. Em 2006 saiu pela Companhia das Letras um livro, Viagem, espera, no qual reúno poemas e textos em prosa escritos ao longo de vários anos. Posteriormente, mantive durante um ano e meio um blog (www.nolimiar.wordpress.com) que também resultou num livro, No limiar, ainda virtual, não publicado em papel. Acho que a escrita independe do seu meio de difusão, embora o livro seja o modo melhor de guardá-la. Mas para mim ela é antes, ou passou a ser, uma necessidade vital, um exercício sem finalidade como a poesia. Continuo escrevendo, portanto, mas em trânsito, intransitivamente.

Clique aqui e conheça mais títulos traduzidos por Paulo Neves na L&PM Editores.

Sartre: o rosto misterioso de um irmão

Hoje seria o aniversário de Jean-Paul Sartre (1905-1980). Poucos intelectuais encarnaram seu tempo como ele. Poucos filósofos esquadrinharam com tanta profundidade os abismos do ser humano. Filosofia que ele levou para a ficção com a coletânea de contos O muro, a trilogia Os Caminhos da Liberdade (A idade da razão, Náusea e Sursis) ou clássicos da dramaturgia como A prostituta respeitosa, Entre quatro paredes, A mosca entre muitos outros.

E se muitos de seus estudos filosóficos são de extrema complexidade e sofisticação, se a sua biografia de Flaubert, O Idiota da família, ficou inconclusa com pouco menos de quatro mil páginas (e isto é só a metade do que seria), o “outro” Sartre é pop. Coerente com sua vida e suas idéias, recebeu e recusou o Prêmio Nobel de Literatura de 1964. Cabeça privilegiada, soube, no ocaso de sua vida, ser um dos principais interlocutores da juventude rebelde que sacudiu Paris e o mundo em maio de 1968, transformando as ruas do Quartier Latin num campo de batalha. Foi engajado com as causas da esquerda, alinhou-se com Cuba e a URSS num determinado momento, mas mais tarde atacou o cerceamento às liberdades individuais. Sua visão da sociedade e dos homens era generosa e ao mesmo tempo utópica. Nunca perdeu a fé em um mundo mais justo, que fosse um lugar melhor para passar por esta efêmera experiência de existir. Ele mesmo dizia que o grande fracasso do ser humano era a existência da morte. E ao morrer, em abril de 1980, mais de 50 mil pessoas acompanharam seu funeral. Sobre este grande ato de despedida, o jornalista e intelectual francês Gilles Lapouge escreveu um belo texto que foi publicado no Brasil pelo O Estado de S. Paulo. Ele conclui assim:

“(…) é preciso não esquecer que as idéias de Sartre, por mais luminosas e fecundas que sejam, não passariam de um sistema a mais, se não tivessem sido expressas numa das linguagens mais límpidas e mais belas que existem. Sobretudo porque cada uma dessas idéias foi afiançada, garantida, por um homem que ao longo de toda a sua vida, mas principalmente na claridade descorada da morte, tinha o rosto misterioso de um irmão”.

(Ivan Pinheiro Machado)

A L&PM publica a grande biografia de Sartre, escrita por Annie Cohen-Solal, e as obras Esboço para uma teoria das emoções, da Série Pocket Plus, e A imaginação, ambas na Coleção L&PM Pocket.

18. Roberto Marinho e Prestes com exclusividade na TV Bandeirantes

No dia 7 de março de 1990, aos 92 anos, morria Luís Carlos Prestes. Para marcar a data, o post da Série Era uma vez… uma editora desta semana será publicado excepcionalmente na segunda-feira e não na terça-feira.

Por Ivan Pinheiro Machado*

Paulo Perdigão, falecido em 2009, foi um dos grandes jornalistas e intelectuais brasileiros. Ganhava a vida programando os filmes da TV Globo e escrevendo sobre cinema no jornal O Globo. Mas escreveu um clássico da cultura brasileira, “Anatomia de uma Derrota”, o livro definitivo sobre a derrota do Brasil para o Uruguai na Copa de 1950. Este livro originou o premiado curta “Barbosa”, de Jorge Furtado. E mais: ele traduziu o livro intraduzível de Jean-Paul Sartre “O ser e o nada”. Pois bem. Perdigão era meu amigo e tinha quatro grandes obsessões intelectuais –  aliás, famosas entre os seus amigos –, a saber: Sartre, a final da copa de 1950, o filme “Shane” e a Rádio Nacional. Nós, da L&PM, editamos a maior parte de suas obsessões; um livro sobre o pensador francês, “Existência e liberdade”; o seu clássico sobre a Copa de 50, “Anatomia de uma derrota” e o livro sobre “Shane” (em português, “Os Brutos também amam”) cujo título era “Western Clássico”. Pois esta história começa quando Perdigão lançava justamente seu livro “Western Clássico” no terceiro andar do Shopping da Gávea no Rio de Janeiro. Uma quinta-feira de outubro, livraria “Timbre”. O ano era 1985 (início do primeiro governo democrático depois de 21 anos de ditadura). Estava muito calor e houve um problema de falta de luz que abalou o ar-condicionado. Às 8 da noite, já havia uma fila razoável de amigos e admiradores de Perdigão e resolvi dar uma volta pelo Shopping para refrescar. Ao chegar no primeiro andar, onde havia uma outra livraria (não lembro o nome), notei um certo burburinho, luz de TV, gente que parava e olhava para o interior da loja. Cheguei perto e vi que lá estava Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, maior líder comunista do país.

Antonio Pinheiro Machado Netto, pai de Ivan Pinheiro Machado, e Luís Carlos Prestes

Eu havia conhecido Prestes em Porto Alegre, pois meu pai, ex-deputado do PCB na Constituinte de 1946 (cassado em 1947), era seu amigo. Pensei em chegar perto, me identificar e trocar umas palavras com o grande chefe da Coluna Prestes. Quando pensei em me aproximar, notei outro burburinho. Parei. Entrava na pequena e super-lotada loja o Dr. Roberto Marinho e sua esposa Lili Marinho. Velhos conhecidos, contemporâneos de juventude, política e história, Roberto Marinho soube que Prestes autografaria um livro coletivo sobre a Coluna Prestes e foi até a Gávea abraçá-lo. Parecia um encontro surreal. Os opostos se abraçando. Eu e todos os que ali estavam, na maioria simpatizantes de Prestes, velhos comunistas, jovens ativistas, pararam curiosos a observar aquela cena. Ouvia-se o zumbido de uma mosca na livraria. Um cinegrafista de TV e seu “pau de luz”, consciente da preciosidade da cena, acompanhava meticulosamente aquele encontro. Roberto Marinho falava com Prestes e olhava curioso para o cinegrafista, até que não resistiu e perguntou:

– O senhor é da nossa TV?

O cinegrafista meio sem jeito respondeu:

– Desculpe Dr. Roberto, mas eu sou da Bandeirantes…

– Não tem ninguém da Globo aí? Insistiu Roberto Marinho.

– Só estou eu aqui, Dr. Roberto. Desculpou-se o cinegrafista.

– Então, meu filho, por favor, filme eu e o Prestes, pois eu vou mandar pedir a fita pro Saad, já que não veio ninguém da Globo…

No outro dia, o Jornal Nacional apresentou em grande destaque o encontro entre Roberto Marinho e Luís Carlos Prestes, “velhos amigos”, segundo disse Dr. Roberto em seu depoimento ao repórter. Abaixo, no vídeo, se lia, “imagens gentilmente cedidas pela TV Bandeirantes”. Diz a lenda que Roberto Marinho interpelou pessoalmente a chefia de reportagem perguntando furioso: “Vocês querem ser mais realistas do que o rei?”.

Para ler o próximo post da série “Era uma vez uma editora…” clique aqui.

Maio de 68: Paris vivia outra revolução #1

A agitação começou em 2 de maio de 1968. Quatro dias depois, no dia 6, 13 mil estudantes bateram de frente com a polícia. A partir daí, Paris virou um campo de batalha entre jovens que protestavam e policiais que tentava reprimir a massa. Foi um combate que teve a participação de intelectuais como Jean-Paul Sartre (na foto abaixo, entregando jornais durante as agitações) e que culminou numa greve geral com a participação de milhões de europeus. 

© Bruno Barbey / Magnum Photos

O movimento que durou menos de um mês foi suficiente para eternizar o Maio de 68. Desde então, tornou-se impossível, por exemplo, escrever sobre a história de Paris sem tocar nesse episódio. A seguir, trechos de dois livros publicados pela L&PM Editores que falam sobre o assunto:
 

 Paris: uma história, de Yvan Combeau – L&PM POCKET ENCYCLOPAEDIA
Em 1968, da Rue Gay-Lussac ao Odéon, da Sorbonne aos Champs-Élysée, os dias do mês de maio apresentaram uma agitação bastante parisiense. Após um primeiro ato nos edifícios da recém-fundada Universidade de Nanterre, o movimento dos estudantes transcorreu (dia e noite) nas ruas, nos bulevares e nos teatros da capital. 

 
Paris – Biografia de uma cidade, de Colin Jones – L&PM EDITORES
“Esses acontecimentos começaram como um protesto contra as condições de superlotação e empobrecimento das universidades, mas acabaram se tornando um esforço de estudantes rebeldes de reviverem a tradição de militância nas ruas da Esquerda do século XIX. Durante várias semanas, revoltas e barricadas novamente tornaram-se característica principal da vida urbana parisiense, e o Quartier Latin transformou-se num campo de batalha entre estudantes arremessadores de pedras e policiais repressores de rebeliões. Os eventos de Maio de 68 também providenciaram um fórum para questionamentos fundamentais dos valores da sociedade capitalista e de seu consumismo emergente.