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Em 1978, “Rango”, personagem de Edgar Vasques, já era Charlie Hebdo

Rango“, de Edgar Vasques, foi a publicação que deu origem à L&PM Editores. As tiras do faminto personagem criado por Vasques, cujo primeiro volume em livro data de 1974, foi um sucesso total. E não por acaso: repleto de ironia, inteligência e crítica às desigualdades sociais, “Rango” conseguia (e ainda consegue), de uma forma tragicômica, levar à reflexão.

Em 1978, Georges Wolinsky, então redator-chefe do “Charlie Mansuel” (a revista mensal do grupo “Charlie Hebdo”) publicou duas páginas de tiras do Rango traduzidas para o francês. O editorial dizia mais ou menos o seguinte (em tradução livre): Com “Rango” de Edgar Vasques, nos reportamos ao Brasil. Imaginem um “Peanuts” onde todos os personagens morrem de fome… Pois bem, “Rango ” é isto! É preciso estar empanturrado para apreciar. E nós estamos.

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“Involuntariamente, e avant la lettre, meu faminto foi o primeiro (Je suis) Charlie”, disse Edgar Vasques.

Aproveitamos para fazer um pequena entrevista com Vasques para o blog da L&PM:

– Para ser um bom chargista, é preciso ser um provocador?
Edgar Vasques: Sim, mas só no melhor sentido: provocar a reflexão (via humor), provocar a surpresa que sacode preconceitos (e hábitos) consolidados, provocar até a ação contra a mistificação, a injustiça, etc. E não provocador no sentido “espírito de porco”, a provocação pela agressão em si, pra se fazer de engraçadinho: pra isso não precisa inteligência nem talento…

– Você já teve medo, devido a um trabalho específico que fez? Por exemplo: uma tira do Rango na época da ditadura militar?
EV: Minha geração se criou profissionalmente sob a ditadura e a censura, quando era necessário pesar com cuidado não o conteúdo do que se dizia, mas a forma como se dizia. Fomos aprendendo certas “sutilezas”: várias vezes deixei de escrever “Brasil” numa tira pra escrever “país”, e daí fazer a crítica, por exemplo. O clima era opressivo, o medo rondava, mas eu, até de forma meio inconsequente, ignorava e ia em frente, adotando a postura do rinoceronte, que segue em linha reta e não quer nem saber se o caçador está à espreita. O jeito de ignorar o medo, às vezes, é não querer nem saber. O que não impediu o Rango (em 1977) de ser pivô da apreensão do “Pasquim” em todo o país… mas isso é outra história.

– De um modo geral, o que você acha que mais está faltando no mundo: bom humor ou tolerância?
EV: O bom humor e a tolerância são componentes psicológicos potenciais de todo ser humano. Dar ouvidos a estes estados de espírito (e suas consequentes atitudes) já depende de outros fatores de diversas ordens. Sem dúvida haveria melhores humores e mais tolerância se não vivêssemos cercados de injustiça, competição feroz e desigualdades, que são causa profundas da intolerância e do “mau humor”.

– Você acha que o triste episódio do Charlie Hebdo, de alguma forma, vai fazer com que algo mude no cenário mundial? O quê?
EV: Talvez, mas não me parece provável. Porque esse episódio estúpido é consequência de toda uma situação externa a ele próprio. O que muda mesmo uma situação é a alteração significativa das causas dessa situação, e não das suas consequências.

– O Rango do ano 2015 tem fome de quê?
EV: O Rango, que começou tratando do sintoma mais visível das mazelas do mundo, a fome, no decorrer dos seus (hoje) 45 anos de carreira, foi aprofundando o foco nas causas que produzem aquele sintoma: a desigualdade na distribuição da riqueza ( maior hoje do que nunca), causada pela exploração da maioria da humanidade por uma minoria ínfima, a mistificação de políticos e de mídias, quando são os braços desse esquema de exploração, o recurso à irracionalidade, à emocionalização e à violência, a corrupção etc. Quer dizer, a cadeia de produção da fome vem de longe, e o Rango ainda tem muito do que se ocupar (infelizmente).

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Os 45 anos de carreira de Edgar Vasques

O cartunista Edgar Vasques, criador do “Rango”, personagem do primeiro livro publicado pela L&PM, em 1974, está comemorando 45 anos de carreira. Para marcar a data, será lançado nesta terça-feira, dia 29 de outubro, em Porto Alegre, o livro “Edgar Vasques – Desenhista crônico” (org. de Susana Gastal), que reúne boa parte da produção do artista.

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Além do livro, a obra de Edgar Vasques pode ser contemplada pelo público na exposição homônima que fica em cartaz no Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo de 30 de outubro de 2013 a 31 de janeiro de 2014 (terça a sexta, das 10h às 19h, e sábado, das 11h às 18h).

Todas as tirinhas de Rango em e-book

Rango está voltando por inteiro. A L&PM já começou a lançar os e-books que vão trazer todas as tiras do célebre personagem criado nos anos 70 pelo cartunista Edgar Vasques. Os quatro primeiros volumes desta série que somará sete livros digitais já está disponível para compra (R$ 10 cada) e, breve, chegarão os outros números que, juntos, reúnem cerca de 600 tiras.

Rango foi o primeiro livro lançado pela L&PM Editores em agosto de 1974 (clique aqui e leia mais sobre a história de seu nascimento) e logo ganhou popularidade. Em esquetes inteligentes e tragicômicas, Rango resumia a miséria física e cultural do povo brasileiro na época da ditadura militar.  

Abaixo, algumas tiras para o caro leitor ver que, apesar de ter nascido há 40 anos, Rango continua totalmente atual:

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Aleluia!!! Os quadrinhos foram reabilitados!!!

Bons ventos sopram pela chamada “academia”; finalmente foram “descriminalizadas” as histórias em quadrinhos nas escolas. Aqueles que são jovens há mais tempo lembram muito bem que, num passado bem recente, as HQs eram proibidas em sala de aula. Professores de literatura e português faziam sinal da cruz diante de um álbum de quadrinhos, como se estivessem em frente ao demônio.

Mas, como tudo passa, esta onda também passou. Uma geração mais arejada de professores absolveu as HQs dos pecados da superficialidade dos quais era acusada e colocou finalmente nas mãos dos jovens leitores algumas obras-primas de arte e literatura.

Nós aqui da L&PM, que mourejamos nesta área desde os anos 70 – e que tivemos que abandonar temporariamente o barco devido à profunda rejeição – estamos de volta já há algum tempo e com um extraordinário cardápio de lançamentos. Na Coleção L&PM POCKET, os quadrinhos já conquistaram milhares de novos leitores com títulos dos consagrados Garfield, Snoopy, Hagar, Dilbert e o timaço de autores brasileiros composto por Laerte, Angeli, Adão Iturrusgarai, Glauco, Edgar Vasques, Paulo Caruso, Mauricio de Sousa, Santiago entre outros. Todos por R$ 11,00.

Além do quadrinho em livros de bolso, a editora voltou a investir em grandes projetos, como Peanuts Completo, uma série em capa dura e acabamento luxuoso que publicará todo o magnífico trabalho de Charles Schulz. Já foram editados 4 volumes e o quinto sai em março. Publicamos também belas adaptações a cores das histórias de Agatha Christie, o clássico pacifista Valsa com Bashir, cuja versão em animação foi finalista ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010 e iniciamos a publicar a festejada série afro-francesa Aya de Margarite Abouet, que trata da vida dos jovens nos países africanos. Recomeçamos também a publicar álbuns para adultos como o clássico Erma Jaguar do craque do desenho erótico Alex Varenne.

Como estamos livres para publicar o que de melhor se faz no mundo e para recomendar às escolas que usem e abusem das histórias em quadrinhos (já que não é mais pecado), um dos grandes destaques da programação de HQ da L&PM Editores é sem dúvida a série de Clássicos da literatura em quadrinhos. Um coleção espetacular feita por roteiristas e desenhistas belgas e franceses, publicada originalmente pela Editora Glénat com o apoio da UNESCO, órgão cultural da ONU que só chancela projetos de alto valor pedagógico. Estes livros possuem, além da história em quadrinhos a cores, um “dossier” que traça um rico painel sobre o livro, o autor, sua vida e seu tempo. Já foram lançados Volta ao mundo em 80 dias de Júlio Verne, A Ilha do Tesouro de Robert Louis Stevenson, Um conto de Natal de Charles Dickens, Dom Quixote de Miguel de Cervantes, Odisseia de Homero e Robinson Crusoé de Daniel Defoe. Deverão sair nos próximos meses Guerra e Paz de Leon Tolstoi e Os miseráveis de Victor Hugo.

Mangás

Mas a grande novidade de 2011 foi a nossa entrada no mundo dos mangás. Iniciamos com os dois volumes de Solanin de Inio Asano e Aventuras de menino de Mitsuru Adashi, os três livros disponíveis nos mais de 2 mil pontos de venda da coleção L&PM Pocket pelo Brasil inteiro. Com a colaboração e a consultoria do tradutor e especialista em mangás Alexandre Boide, a L&PM está preparando novos títulos para 2012.

Enfim, a editora está definitivamente retomando uma de suas vocações que sempre foi a de editar HQs. E a prova disso é que, justamente o primeiro título da L&PM Editores, foi um livro de quadrinhos: Rango 1 de Edgar Vasques. (Ivan Pinheiro Machado)

56. Estreia de luxo com o personagem do lixo. E com prefácio do grande Erico

Por Ivan Pinheiro Machado*

Ontem foi o dia em que morreu Erico Verissimo, no longínquo ano de 1975. De certa forma, este que é um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos está ligado ao nosso destino. Erico era muito amigo do Mario de Almeida Lima, pai do Paulo Lima, o “L” da L&PM.  Para orientação do leitor, vou fazer uma pequena rememoração; o Lima e eu vínhamos de uma desastrada experiência comercial com uma agência de publicidade, na qual éramos sócios do grande desenhista brasileiro Edgar Vasques. Na época, 1974, o Edgar fazia grande sucesso na mídia com seu personagem Rango, que era publicado em tiras diárias na Folha da Manhã. Muito crítico contra o governo, paradoxalmente, o Rango era publicado num jornal conservador. E só por isso os militares ainda não tinham acabado com ele. Ao colocarmos um ponto final na nossa Ciclo Cinco Propaganda, sentamos numa churrascaria em Porto Alegre, o Edgar, o Lima e eu, e ficamos assuntando sobre o que faríamos da vida dali em diante. Eu e o Edgar estudávamos Arquitetura e o Lima, Administração. Vivíamos os tumultuados anos 70. A ditadura na ofensiva. Intimidava e reprimia os estudantes que eram os grandes responsáveis por uma enorme onda de protestos que havia tomado conta do país. Decidimos então fazer uma editora e publicar o Rango. Pra incomodar os “milicos” como eram chamados,  pejorativamente, os militares que espancavam e torturavam aqueles que discordavam da ditadura. Reunimos as tiras e publicamos o Rango 1, cuja história já contei num post bem no comecinho destas publicações.

Mas voltando ao ponto; o Erico era amigo do Mario de Almeida Lima. Nós íamos publicar o Rango. Pedimos ao Mario Lima que fizesse uma “embaixada” junto a ele,  para que escrevesse o prefácio do livro de estreia da L&PM Editores. A contragosto, o “velho” Lima foi ao Erico e disse: “estes malucos querem fazer uma editora e querem que tu faças o prefácio do primeiro livro”.

Para os que não conheceram Erico Verissimo: guardo dele a imagem de um homem afável e extremamente generoso. Éramos muito, muito jovens e ele, o grande escritor, nos levava a sério, como se fossemos adultos experientes. Cada ida à sua casa, era uma ou duas horas da melhor conversa. Convocado pelo amigo, Erico pediu os originais e uma semana para fazer o prefácio. E não poderia ter sido melhor. Veja o fac-simile da página ofício onde ele escreveu um elogio definitivo ao nosso primeiro livro. Ele foi sincero, pois gostava do Rango e generoso ao extremo por topar a empreitada de fazer o prefácio do livro que fundou esta editora.

A edição em pocket de Rango 1, mais recente, mantém o prefácio de Erico

Foi graças a este prefácio que eu me salvei das garras da polícia da ditadura, quando fui “convidado” a prestar esclarecimentos no sinistro prédio da Polícia Federal em Porto Alegre. Era um edifício que, uma vez lá dentro, ninguém tinha certeza de que sairia.

O chefe da Polícia Federal de Porto Alegre, um pobre diabo com muito poder, em pessoa, depois de um longo chá de banco, me recebeu com o Rango aberto na sua frente. Ele não levantou a cabeça. Folheava lentamente o livro e fazia comentários tipo “olha aqui, piada com coronel… não é possível uma coisa destas”. Mais adiante, “estes comunistinhas usam até a bandeira do Brasil para fazer sacanagem…”. E eu ali, nem me mexia. Até que ele finalmente me olhou e disse: “isto aqui é uma revistinha e revista tem que ter um registro no departamento de censura. Onde está o registro?”. Eu gaguejei; “mas isto não é revista, é livro!”. “Como não é revista?” berrou o gorila, isto aqui é uma revistinha de quadrinhos e uma revistinha muito vagabunda!”. Aí eu tive uma iluminação. Procurei a voz mais firme que eu conseguiria para o momento e disse: “É livro sim! Olha o prefácio do Erico Verissimo”. Quis Deus, na sua infinita bondade, que o prefácio do Erico começasse assim: “Recomendo este livro com o maior entusiasmo…”. O troglodita leu, me olhou, abanou a cabeça desolado e por fim disse delicadamente: “Te manda daqui seu comunistinha, mas abre o teu olho…”

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo sexto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Erico Verissimo recomenda Edgar Vasques

O autor de O tempo e o vento escreveu o prefácio do primeiro livro publicado pela L&PM lá em 1974, quando a editora foi criada. Erico morreu pouco tempo depois, em 28 de novembro de 1975, há exatos 36 anos, e para homenageá-lo, recuperamos o fac-símile do texto batido à máquina e corrigido à mão pelo próprio Erico.

“Recomendo este livro com o maior entusiasmo”, diz ele sobre as tirinhas do Rango, personagem criado por Edgar Vasques. Leia você mesmo:

(clique para ampliar e ler melhor)

 

Pai diz cada coisa…

Apresentamos aqui, alguns pais saídos diretamente das páginas da Série Quadrinhos L&PM. Para ampliar as tirinhas, basta clicar sobre elas. E Feliz Dia dos Pais!

Hagar, o pai Viking, parece ter muito a ensinar ao filho Hamlet

O filho de Rango sempre tem uma pergunta a fazer ao pai

Aline puxou ao pai: é carente que nem ele

Já Guilhermino, filho de Radicci, é bem diferente do pai...

“Rango” na Revista de História da Biblioteca Nacional

Rango foi o primeiro livro publicado pela L&PM, lá nos idos de 1974. O personagem título, criado por Edgar Vasques, ficou tão famoso que acabou virando o mais vendido da Feira do Livro de Porto Alegre daquele ano.

Rango segue sendo publicado na Coleção L&PM POCKET e, apesar de retratar uma época muito específica do país, continua sendo atual, como bem mostra a matéria escrita por Henrique Magalhães e publicada na Revista de História da Biblioteca Nacional do mês de agosto, que acaba de chegar às bancas (clique para aumentar e ler o texto na íntegra): 

34. A história dos quadrinhos

O “Era uma vez… uma editora” de hoje está um pouco diferente. Como Ivan Pinheiro Machado está viajando, o post está menos autoral (mas nem por isso menos histórico). Semana que vem Ivan está de volta.

Tudo começou com um quadrinho: Rango, lançado pela L&PM em 1974. Dois anos depois, foi a vez de um álbum do cartunista e pintor Caulos, Só dói quando eu respiro, considerado o primeiro livro brasileiro de um autor importante que denunciava, através do cartum, a devastação ecológica. Em 1980, vieram os álbuns de luxo europeus clássicos, como os quadrinhos eróticos de Guido Crepax, entre eles História de O e vários títulos de Valentina e Anita.

 

Em meados da década de 80, começaram a ser publicados os álbuns clássicos de autores americanos, com destaque para Spirit, de Will Eisner, Fantasma, de Lee Falk, Batman de Bob Cane e Dick Tracy de Chester Gould.

Mais no final dos anos 1980, chegaram os quadrinhos undergrounds americanos como Freak Brothers de Gilbert Shelton e títulos de Crumb como Minhas mulheres. No meio de tudo isso, Moebius, Dik Browne, Quino, Jules Feiffer, Wolinski, Milton Caniff e outros grandes autores nacionais e internacionais que, juntos, somaram 120 títulos.

Esta coleção durou até os anos 90, mas deixou sua marca, cuja linha editorial serviu de inspiração para novas editoras. A tradição em publicar quadrinhos, no entanto, não se esgotou. Prova disso é que os títulos continuam chegando e fazendo parte do catálogo da editora. A partir de setembro deste ano, terá início a série Clássicos em HQ que somará oito títulos publicados em dez volumes. O primeiro deles será Robinson Crusoé. Depois virão A volta ao mundo em 80 dias, Dom Quixote, A ilha do tesouro, Um conto de natal, Os miseráveis, As histórias das mil e uma noites, Guerra e Paz e Odisseia.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo quarto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

32. Atravessando o Brasil de Fusca para fazer uma editora nacional

Por Ivan Pinheiro Machado*

Quando fizemos a L&PM e lançamos nosso primeiro livro, o “Rango 1”  do Edgar Vasques, decidimos que ela não seria uma “editora gaúcha”, mas uma editora brasileira. Portanto, precisávamos apresentá-la ao Brasil. Isto na prática significava levar o primeiro livro em mãos para os principais jornais do centro do país. O jornalista Mario de Almeida Lima, pai do Paulo, o “L” da L&PM, era diretor da sucursal do “Estadão” em Porto Alegre e preparou-nos uma lista de jornais e jornalistas importantes de Florianópolis, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro. Para alguns editores amigos, o Mario Lima fez uma carta de apresentação.

Não tínhamos dinheiro para fazer este périplo de avião. Naqueles tempos ancestrais, você pagava para ir de Porto Alegre ao Rio o mesmo que hoje se paga para ir a Paris… O Lima tinha um Fusca 1971 (estávamos em 1975) e eu tinha um Puma conversível quase Zero km. Os pneus do carro do Lima estavam completamente “carecas” e no Puma (um esportivo de dois lugares) não cabiam as caixas de livros e a nossa bagagem. A solução foi tirar as rodas do Puma, colocar no Fusca (era a mesma bitola) e enfrentar a velha BR-116 rumo ao Rio de Janeiro com escala em outras capitais. Tudo ocorreu conforme o planejado. Fomos aos principais jornais de Floripa e Curitiba, e em São Paulo conseguimos uma matéria de meia página no Estadão extremamente elogiosa sobre o “Rango 1”, primeiro e – até então – único lançamento da L&PM. E foi com o Estadão embaixo do braço que fomos para o Rio. Primeiro visitamos o grande jornal da época, o Jornal do Brasil, editado pelo gaúcho Raul Riff e depois O Globo. Em ambos os jornais o “Rango 1” obteve resenhas consagradoras – e este seria o primeiro passo para que Edgar Vasques se tornasse colaborador do famoso O Pasquim.

Foi aí então que resolvemos ligar para o célebre Ziraldo, na tentativa de que ele nos recebesse. Ele foi muito simpático e marcou um encontro conosco às 13 horas no restaurante de um hotel à beira mar em Copacabana, pois morava ali perto. O Lima e eu ficamos excitadíssimos. Íamos conhecer o grande Ziraldo!… Chegamos no velho prédio do Ouro Verde Hotel, subimos para o restaurante e ficamos ao mesmo tempo impressionados e preocupados. Na sala de espera do restaurante, decorada em pesados lambris de mogno e velhas gravuras inglesas, o embaixador Walther Moreira Salles lia o “Le Fígaro”. Mais tarde ficamos sabendo que a revista americana Fortune, havia incluído o restaurante do Ouro Verde entre os “10 melhores pequenos restaurantes do mundo”… Ziraldo já nos aguardava numa mesa diante de um geladíssimo vinho branco português. Nos apresentamos e começamos uma ótima conversa. Como sempre, Ziraldo foi muito simpático. E do alto da sua celebridade tratou os dois jovens desconhecidos muito bem. Apresentamos o projeto de um “Álbum do bebê”, utilizando os personagens da turma do Pererê, personagem desenhado por ele. Ziraldo achou ótimo, conversamos bastante e então pedimos o almoço. Ou melhor, o Lima e eu, apavorados com os preços, optamos pela saladinha mais barata.

O Ouro Verde Hotel, na Avenida Atlântica em Copacabana, palco de um célebre encontro com Ziraldo

O resumo desta história é o seguinte: o papo foi sensacional, comemos, bebemos, até que chegou a conta. Para os nossos modestíssimos recursos, era um valor astronômico. O Lima e eu nos preparávamos para rachar o prejuízo quando o Ziraldo magnanimamente disse: “Não! Esta conta é comigo!!”. O imenso alívio que tomou conta de nós, no entanto, durou pouco. Ele começou a apalpar os bolsos insistentemente até que disse: “Xiiiiii! Acho que esqueci a carteira em casa… então paguem vocês”.

Íamos ficar mais uma semana no Rio de Janeiro, curtindo as lendárias noites do Baixo Leblon, no “Luna Bar”, “Diagonal”, Pizzaria Guanabara” etc. Mas no outro dia, na madrugada, contrariando nossos planos, estávamos já na estrada. Depois de pago o almoço do Ouro Verde, mal sobrou para alguns sanduíches e a gasolina da viagem. As aventuras no Baixo Leblon ficariam para uma próxima oportunidade.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo segundo post da Série “Era uma vez… uma editora“.