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O novo livro de Galeano

Por Jaime Cimenti*

Os filhos dos dias é o mais novo livro do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, que vive, caminha e escreve em Montevidéu, aos 72 anos, e segue como um dos grandes nomes da intelectualidade contemporânea. Galeano escreveu o clássico moderno As veias abertas da América Latina – denunciando a exploração europeia – e já recebeu prêmios importantíssimos como o Casa de las Américas de Cuba, o Dagerman da Suécia e o Cultural Freedom Prize, da Lannan Foundation dos Estados Unidos. Sua obra mescla, sem medo e sem cerimônia, com criatividade, gêneros literários diversos, como a poesia, a narração, o ensaio e a crônica. Memórias e memórias inventadas também entram, claro. Ao longo de várias décadas de trabalho, Galeano notabilizou-se por recolher as vozes e as almas das ruas em obras como Bocas do tempo, De pernas pro ar, Futebol ao sol e à sombra e O livro dos abraços. Nessa nova obra, Os filhos dos dias, Galeano utilizou o formato de calendário para contar uma história para cada dia do ano. Na primeira página ele deseja que o dia seja alegre como as cores de uma quitanda. Na última, ele fala de morte, de febre terçã e da palavra abracadabra, que, em hebraico queria dizer e continua dizendo: envia o teu fogo até o final. Pois é, para o dia 16 de julho, Galeano traz a história daquele jogo da Seleção Brasileira contra o Uruguai em 1950, quando o Maracanã abrigou duzentas mil estátuas de pedra. Para o 1 de abril não há história de bobos. O escritor narrou o episódio do desembarque do primeiro bispo do Brasil, Pedro Sardinha – em 1553 – e que, três anos depois, teria sido devorado pelos caetés no Sul de Alagoas e inaugurado, assim, a gastronomia nacional. Para 19 de fevereiro, Galeano trouxe um diálogo-desafio terrível entre o consagrado escritor Horacio Quiroga e a morte. Para o dia 14 de abril, o escritor contou a história de Nellie Bly – a mãe das jornalistas -, que mostrou, em 1889, dando a volta ao mundo e reportando a viagem, que jornalismo não era só coisa de homem. Em 1919, ela publicou suas últimas reportagens, desviando das balas da Primeira Guerra Mundial. Como se vê, Galeano abraçou a diversidade de povos e culturas, contando episódios que vão de 1585, no México, até, por exemplo, o 15 de setembro de 2008 na Bolsa de Nova Iorque, passando pela morte de John D. Rockefeller, em 1937, e muitos outros. L&PM Editores, 432 páginas, R$ 49,00, tradução de Eric Nepomuceno.

*Jaime Cimenti é jornalista e escritor. Este texto originalmente publicado no Jornal do Comércio de Porto Alegre dos dias 17, 18 e 19 de agosto de 2012.

O dia que Galeano visitou Neruda

Fui a Isla Negra, à casa que foi, que é, de Pablo Neruda.

Era proibido entrar. Uma cerca de madeira rodeava a casa. Lá as pessoas tinham gravado seus recados para o poeta. Não tinham deixado nenhum pedacinho de madeira descoberta. Todos falavam com ele como se  estivesse vivo. Com lápis ou pontas de pregos, cada um tinha encontrado sua maneira de dizer-lhe: obrigado.

Eu também encontrei, sem palavras, a minha maneira. E entrei sem entrar. E em silêncio ficamos conversando vinhos, o poeta e eu, caladamente falando de mares e amares e de alguma poção infalível contra a calvície. Compartilhamos camarões ao pil-pil e uma prodigiosa torta de jaibas e outras dessas maravilhas que alegram a alma e a pança, que são, como ele sabe muito bem, dois nomes para a mesma coisa.

Várias vezes erguemos taças de bom vinho, e um vento salgado golpeava nossas caras, e tudo foi uma cerimônia de maldição da ditadura, aquela lança negra cravada em seu torço, aquela puta dor enorme, e foi também uma cerimônia de celebração da vida, bela e efêmera como os altares de flores e os amores passageiros.

(Trecho de O livro dos abraços, de Eduardo Galeano, que escolhemos para homenagear Pablo Neruda no dia de seu aniversário. O poeta nasceu em 12 de julho de 1904)

59. Vinte anos de Eduardo Galeano

Por Ivan Pinheiro Machado*

Nosso primeiro encontro foi em 1976, na Feira do Livro de Frankfurt. Naquele ano, o tema era “Literatura latino-norteamericana” e eu, então um jovem de 24 anos, fui apresentado pelo meu amigo Fernando Gasparian, dono da editora Paz e Terra, a um promissor escritor uruguaio editado por ele. Seu nome: Eduardo Galeano.

Galeano, que na época tinha 36 anos, já era festejado com seu “Las venas abiertas de América Latina”. Eu, filho de comunista que era, já tinha lido o livro em espanhol, pois a obra era proibida no Brasil. Fiquei fascinado com sua figura e continuamos mantendo contato.

Nosso primeiro Galeano: "O livro dos abraços" que agora é publicado na Coleção L&PM POCKET

Quinze anos depois, recebi um telefonema de sua agente no Brasil. Queria uma nova editora brasileira para publicar O livro dos abraços, lançado em espanhol em 1989 e que ainda não tinha edição por aqui. Entrei em contato com Eric Nepomuceno, brilhante jornalista que já traduzia Galeano no Brasil, e que aceitou de imediato fazer mais esta tradução. E assim, em 1991, publicamos nosso primeiro Galeano.

Ou seja: fechamos 2011 comemorando 20 anos de convívio com Eduardo Galeano e 14 livros publicados incluindo As veias abertas da América Latina. Eduardo Galeano é uma grande figura humana. Ele consegue transmitir para sua vida pessoal a ternura e a poesia que são a matéria-prima do qual é feita a sua obra. Generoso, postou-se sempre ao lado dos fracos e dos oprimidos, tornando-se um símbolo de resistência às injustiças e às espoliações cometidas contra a América Latina. Não é preciso dizer que foi perseguido pelas ditaduras uruguaias e argentinas naqueles tempos tétricos de operação Condor nos anos 70 e 80. Solidário, esteve conosco nos piores momentos, quando a crise econômica de meados dos anos 90 quase abateu a L&PM. Alertado de que “sua editora estava mal”, Galeano respondeu: “Não faz mal, eu vou ficar até o fim”. Ele me contou isso somente 10 anos depois, quando tudo já estava resolvido e já tínhamos a maior e mais prestigiada coleção de livros de bolso do Brasil.

Há cerca de três semanas, recebi um email seu, singelo, onde ele contava do novo livro, Los hijos de los dias, que mostra como cada um dos dias do ano é capaz de fazer nascer uma nova história. Neste seu email, que trazia o livro em anexo, ele dizia: “si te parece publicable, manos a la obra.” Emocionado, li numa noite as 366 histórias (contando um ano bissexto) que compõem este livro belíssimo. No outro dia, liguei para o Eric Nepomuceno e… mãos à obra. O novo Galeano sai em meados de 2012.

O generoso Eduardo Galeano em foto dos anos 1980

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo nono post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Amares

Nos amávamos rodando pelo espaço e éramos uma bolinha de carne saborosa e suculenta, uma única bolinha quente que resplandescia e jorrava aromas e vapores enquanto dava voltas e voltas pelo sonho de Helena e pelo espaço infinito e rodando caía, suavemente caía, até parar no fundo de uma grande salada. E lá ficava, aquela bolinha que éramos ela e eu; e lá no fundo da salada víamos o céu. Surgíamos a duras penas através da folhagem cerrada das alfaces, dos ramos do aipo e do bosque de salsa, e conseguíamos ver algumas estrelas que andavam navegando no mais distante da noite.

Eduardo Galeano em O livro dos abraços

Sugestão: no Dia dos Namorados, ler em voz alta para quem você ama ao som de “Milonga de Amor” do grupo Bajo Fondo Tango Club: