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Um romance marcante

Por Paula Taitelbaum*

Antes de trabalhar na L&PM, eu já tinha uma ligação forte com essa casa. Primeiro, porque como escritora venho publicando por aqui desde 1999. Segundo, porque há alguns anos sou colaboradora de jornais e revistas – o que fazia de mim uma potencial habitante do mailing da editora. Digo isso para contar que eu costumava receber muitos dos lançamentos da L&PM. Foi assim que, um certo dia lá por novembro de 2007, cheguei em casa e encontrei mais um  embrulho em papel pardo. Ao abrir o pacote, dei de cara com um nome que nunca tinha ouvido falar na vida: Nancy Huston. Além do nome da autora, o livro recém chegado trazia a foto de uma menina em preto e branco e possuía um título bastante poético: Marcas de Nascença.

Confesso que quase nunca eu folheava o livro na hora em que ele chegava – muito porque eu sempre estava atrasada para ir ou fazer alguma coisa –, mas Marcas de Nascença foi como um imã e, ali mesmo, de pé na sala, abri na primeira página. Instanteneamente, fui sugada pela história, pelas frases que não chegavam ao fim do parágrafo e pelos espaçamentos diferentes que soavam como um poema, além do fluxo de pensamento muitas vezes sem vírgula, ponto:

Estou acordado.
É como ligar o interruptor e encher o quarto de luz.
Assim que escapo do sono, estou ligado alerta     eletrificado,     com a cabeça e o corpo funcionando perfeitamente. Tenho seis anos e sou um gênio. Esse é o primeiro pensamento do dia.
O meu cérebro preenche o mundo e o mundo preenche o meu cérebro,
eu controlo e possuo cada parcela dele.
Domingo de Ramos                 muito cedo
A bisa de visita aqui em casa
A mamãe e o papai ainda estão dormindo um domingo
ensolarado             sol           sol         sol        Rei sol
Sol           Solly       Solomon
Sou uma onda de luz                instantânea             invisível       e    todo-poderosa que se espalha pelos cantos mais sombrios do universo se a menor dificuldade

Aquelas palavras – e todas as que vieram a seguir – pareciam ser tudo o que eu queria ter escrito na vida. Não larguei mais o livro. Dividido em quatro capítulos, ele conta as histórias de quatro membros da mesma família judia que possuem uma idêntica marca de nascença em diferentes lugares do corpo. Histórias sempre narradas do ponto de vista de uma criança de seis anos e com um estilo diferentes para cada capítulo. Dessa forma, vai se desenrolando um novelo familiar que conta em primeira pessoa a vida do bisneto, pai, avó e bisavó. Tudo começa com Solomon, passando para seu pai Randall, indo para sua avó Sadie e terminando em sua bisavó Kristina. Num período que vai de 2004 até 1945.

Digo, com certeza, que Marcas de Nascença foi um dos melhores livros que já li na vida. E este ano, ele foi relançado na Coleção L&PM Pocket. Ou seja: provavelmente é fácil encontrá-lo por aí. Vá atrás!

* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.

Perspectiva: os destaques de 2012

Já fizemos aqui neste blog a Retrospectiva 2011, com alguns livros que chamaram a atenção durante o ano que está chegando ao fim. Mas agora chegou a hora de olhar para frente e fazer a Perspectiva 2012. Com alguns dos destaques que estão programados para o ano que vem. Dê uma olhada no prólogo dos lançamentos:

1961 – O golpe derrotado, de Flávio Tavares. Quando o Movimento da Legalidade eclodiu no sul do país, Flávio foi o enviado especial do Jornal Última Hora ao centro de operações do movimento e acabou atuando como um porta-voz informal de Brizola. O que ele viu e viveu agora chegará em um livro que, além de ser um documento histórico, é uma aventura eletrizante.

Peanuts Completo – O volume 5 de Peanuts Completo chegará no início do ano, trazendo as tiras de Charles Schulz que vão de 1959 a 1960. Novamente em uma edição de luxo com capa dura.

Andy Warhol – Primeiro, será lançado Andy Warhol na Série Biografias. Depois, chegará Os diários de Andy Warhol em dois volumes na Coleção L&PM POCKET. E para meados de 2012 está prevista a chegada de América, livro de fotos do papa do pop.

Simon´s Cat – O fofo e faminto gato de Simon (o desenhista Simon Tofield), famoso na França não apenas nos livros, mas também na TV, chegará ao Brasil com o selo L&PM. Livros apaixonantes que vão deixar os leitores sem palavras.

Liu Xiaobo – com título provisório “Monólogos de um sobrevivente do dia do juízo final: textos escolhidos”, vem aí o livro de Liu Xiaobo, Prêmio Nobel que encontra-se preso pela China comunista. O livro terá textos sobre a China e, também, poesias de autoria de Xiaobo.

Los hijos de los días – Este é o título original do novo livro de Eduardo Galeano que está sendo traduzido por Eric Nepomuceno. Em sua nova obra, Galeano traça uma pequena história para cada dia do ano, sempre centrada em um fato real que aconteceu naquela data.

Cartas: Kerouac/Ginsberg – Livro que traz a correspondência trocada entre os escritores beats durante mais de duas décadas. Os editores Bill Morgan e David Stanford foram os responsáveis por organizar essa correspondência, dois terços da qual nunca havia sido publicada antes.

História Secreta da Costaguana – De Juan Gabriel Vásquez, autor de Os informantes, já publicado pela L&PM, chegará História secreta de Costaguana, que rendeu ao escritor o prêmio Qwerty de melhor romance espanhol (Barcelona) e o prêmio Fundación Libros & Letras (Bogotá).

À sombra da Rota da Seda – Para viajar (e escrever) sobre a Rota da Seda, a maior rota terrestre do planeta, o escritor britânico Colin Thubron percorreu este caminho de ônibus, caminhão, carro, carroça e camelo, durante oito meses. Foi do coração da China às montanhas da Ásia Central, andou pelo norte do Afeganistão e percorreu as planícies do Irã, chegando à Turquia. O resultado, você poderá ler em 2012.

O canto da planície de Nancy Huston – Da mesma autora de Marcas de Nascença, Dolce Agonia e A espécie fabuladora, será lançado este que é um dos livros mais famosos livros da premiada escritora canadense radicada nos EUA, Nancy Huston.

A interpretação dos sonhos – Este livro que é considerado uma das mais famosas obras de Sigmund Freud agora fará parte da Coleção L&PM Pocket. Em seguida, será lançado, também do pai da psicanálise, Moisés e o monoteísmo. Ambos com tradução do alemão, feita por Renato Zwick.

Roberto Freire – O bestseller Roberto Freire, sucesso nos anos 80 e 90 com livros como Sem tesão não há solução, chega na Coleção L&PM Pocket com dois títulos: Cleo e Daniel (adaptada para cinema e TV) e Ame e dê vexame.

E ainda vem Virginia Woolf, Jane Austen, James Joyce, Lawrence Ferlinghetti, Luigi Pirandello e mais Agatha Christie e Simenon. E também novos títulos na Série Clássicos da Literatura em Quadrinhos, o volume 2 da HQ Aya, novidades na Série Encyclopaedia e nomes como Jesus, Buda, James Dean e Pasolini na Série Biografias. Ou seja:  motivos para aguardar um ótimo ano novo não faltam. Feliz 2012!

Nós, que contamos histórias

Luís Augusto Fischer*

Atenção, muita atenção: livro imperdível na praça, para qualquer leitor interessado em viajar pelos motivos mais profundos da existência da literatura. Livraço, massagem no cérebro, alargamento de horizontes. E tudo isso numa forma de ensaio relativamente livre, que combina otimamente com a matéria. Ainda não disse nem nome, nem título: é A Espécie Fabuladora (com o subtítulo que não é um exagero: Um Breve Estudo sobre a Humanidade), de Nancy Huston, editado pela L&PM com tradução de Ilana Heineberg – e minha primeira sugestão de compra na Feira que vem vindo aí. O livro é uma paciente (embora breve) indagação sobre a força da literatura enquanto uma marca da natureza humana. Somos a única espécie da natureza que sempre se conta histórias; não há grupo humano, de qualquer espaço ou época, que não tenha criado e mantido um conjunto de relatos para explicar o mundo, organizar a vida e transmitir o sentido das coisas aos que vêm chegando. A autora, romancista consagrada (li dela o belo e pungente Marcas de Nascença, também editado pela L&PM), passeia por vários dos argumentos que o senhor e eu alguma vez até já vimos ou ouvimos em torno do tema; mas ela costura tudo por um interesse bem pessoal, que nos aproxima do tema de modo irresistível: conversando sobre literatura com presidiárias, ouviu de uma delas uma pergunta perturbadora: “Para que inventar histórias quando a realidade já é tão extraordinária?”. Aí é que tá: a escritora não apenas aceitou a provocação como encontrou um caminho argumentativo singular e eficaz, que mostra a força da narrativa, para o bem da espécie, como se pode ver nos incontáveis relatos existentes, mas para o mal também, como ocorre com aqueles leitores de um único livro ou, pior ainda, com aqueles leitores que tomam certos relatos como de origem divina e por isso como mandatos, não raro como álibi para matar. Nancy Huston, sem doutrinarismo algum, olha as coisas como uma humanista radical, que concebe a figura divina desde que esta também seja compreendida como criação humana – uma perspectiva freudiana arejada. O texto termina com uma defesa do romance que é um refrigério para a alma de leitores em pânico, como é meu caso, de vez em quando, ao constatar o avanço da imagem e da instantaneidade sobre e contra a palavra e a reflexão: o objetivo da ficção literária chamada romance não é ser mais forte que a realidade, mas sim fornecer outro ponto de vista sobre ela – ele não quer ensinar o certo e o errado, como fazem as ficções familiares, religiosas e políticas, mas sim mostrar a verdade dos seres humanos, “uma verdade sempre mista e impura, tecida de paradoxos, questionamentos e abismos”. Assim simples.

* O texto acima foi originalmente publicado na coluna de Luís Augusto Fischer no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora de 26 de outubro de 2010.

Uma biografia recheada de ficções

Hoje pedimos licença para publicar no blog uma pequena biografia. Em agosto, será lançado A espécie fabuladora, terceiro livro de Nancy Huston pela L&PM. A espécie… é um conjunto de ensaios sobre a necessidade dos seres humanos de encontrar um Sentido (assim, com S maiúsculo) para tudo e a consequente habilidade de formular histórias (já que todo Sentido encontrado é, na verdade, uma ficção criada por nós mesmos). E um nome insiste em aparecer em quase todos os ensaios do livro: Romain Gary, o nosso “biografado”. As inúmeras menções a ele nos deixaram curiosos, fomos pesquisar a respeito e agora dividimos nossas descobertas com vocês. É dele também a citação usada na abertura do livro de Nancy: “Nada é humano sem aspirar ao imaginário”.

Pois Romain Gary é, na verdade, Roman Kacew, um escritor russo (embora não se saiba se realmente nasceu em Moscou), filho de judeus e que cresceu na Lituânia. Nunca conheceu o pai, o sobrenome foi herdado do segundo casamento da mãe. Aos 11 anos, viu o padrasto deixar a família e, aos 14, foi morar na França com a mãe. Abandonou o “Kacew” e adotou o “Gary” quando escapou da França ocupada por tropas estrangeiras para se juntar ao exército inglês e lutar contra a Alemanha na 2ª Guerra.

Seu primeiro romance foi lançado em 1945 e ele acabou se tornando um dos escritores mais populares da França, tendo publicado inclusive alguns livros sob o pseudônimo de Émile Ajar, além de um como Fosco Sinibaldi e outro como Shatan Bogat. E é justamente a esse amontoado de pseudônimos que Gary deve a honra de ter sido o único escritor a receber duas vezes o prêmio Goncourt, concedido anualmente ao autor do melhor livro de língua francesa. Ele ganhou pela primeira vez por Les racines du ciel, e pela segunda com La vie devant soi, publicado sob pseudônimo de Émile Ajar. A Academia concedeu o segundo prêmio sem saber a verdadeira identidade do autor e boatos sobre o caso começaram a circular. O mais famoso atribuía a autoria de La vie… a um primo de Gary. A verdade só apareceu no póstumo Vida e morte de Émile Ajar.

Romain Gary e a segunda esposa, a atriz americana Jean Seberg

Gary casou e separou duas vezes, primeiro com Lesley Blanch, editora da Vogue, e depois com a atriz americana Jean Seberg. O relacionamento com Jean quase rende uma novela: quando ela engravidou, circularam boatos de que estava tendo um caso um dos integrantes dos Panteras Negras e que o filho não seria de Gary. Jean tentou o suicídio e foi encontrada quase morta em uma praia. Quando a criança nasceu, ela e Gary já haviam concordado em se separar. Alguns meses antes, ele havia descoberto que ela estava tendo um caso, na verdade, com o galã hollywoodiano Clint Eastwood.

Depois do suicídio de Jean (na segunda tentativa ela conseguiu), Gary  também matou-se com um tiro de espingarda em 1980, mas fez questão de deixar um bilhete dizendo que sua morte nada tinha a ver com o suicídio da ex-esposa e  confirmou  que ele era mesmo Émile Ajar. A nota  terminava  assim: “Me renovar, renascer, ser outra pessoa, foi sempre a grande tentação da minha existência”.