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“Terror cultural”: a perseguição a editores e livreiros na ditadura

O jornal O Globo publicou, em sua edição de sábado, dia 22 de março de 2014, uma matéria sobre a perseguição a editoras e livreiros durante a ditadura militar e cita a apreensão do livro de memórias do general Olympio Mourão Filho, editado pela L&PM e apreendido ainda na gráfica, em 1978:

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Ivan Pinheiro Machado (à esq.) e Paulo Lima, da L&PM, em 1978: livro de Mourão Filho foi apreendido na gráfica

(…)

Fundada justamente em 1974, a L&PM, sediada em Porto Alegre, estreou com um livro que já testava os limites da anunciada abertura política. Era uma coletânea de quadrinhos do personagem Rango, anti-herói miserável criado pelo cartunista Edgar Vasques que ironizava o discurso grandiloquente do “milagre brasileiro”. O livro vendeu 12 mil exemplares em poucos meses e rendeu ao editor Ivan Pinheiro Machado uma visita à delegacia para explicar as piadas com símbolos pátrios.

Assim como outras editoras perseguidas, a casa gaúcha sofria apreensões de livros e tinha crédito negado em bancos (num deles, Ivan ouviu do gerente que “o coronel ligou para cá e disse: L&PM não!”). Mas sobrevivia publicando livros de políticos da oposição, como Paulo Brossard e Pedro Simon, literatura nacional e estrangeira e antologias de humor com autores como Millôr Fernandes, Luis Fernando Verissimo, os irmãos Caruso e Angeli, entre outros. O lançamento mais conturbado foi “A verdade de um revolucionário”, livro de memórias do general Olympio Mourão Filho, um dos artífices do golpe de 1964. Morto em 1972, Mourão deixou uma obra em que dava sua versão dos eventos e criticava figuras proeminentes do regime. O livro foi apreendido ainda na gráfica, em 1978, e só foi publicado no ano seguinte, depois de uma longa disputa judicial.

— Acho que foi a última apreensão de livros da história do Brasil, até chegar o Roberto Carlos… — ironiza Ivan, relembrando o início turbulento da editora, que este ano completa 40 anos. — Éramos jovens e tínhamos um idealismo, uma revolta contra aquela situação. Lembro que o Darcy Ribeiro uma vez me disse: “Mas você é editor, numa época dessas? É por isso que o mundo vai para frente, por causa da insciência da juventude!”

Para ler a matéria na íntegra, clique na imagem abaixo para ampliar o fac-símile ou clique aqui para ler o texto na versão online.

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Millôr Fernandes será o autor homenageado da Flip em 2014

Agência Estado –Por Maria Fernanda Rodrigues

São Paulo, 11 (AE) – Apesar da campanha de pesquisadores e de leitores, não deu para Lima Barreto (1881-1922). O homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty de 2014, marcada para o período de 30 de julho a 3 de agosto, será Millôr Fernandes (1923-2012).

É a primeira vez que os organizadores do evento escolhem um autor contemporâneo para as homenagens que se espalham por diferentes espaços da Flip – estão previstos debates e exposições. “O Brasil tem uma relação cruel com seus autores. Depois que morrem, passam 10, 20 anos numa espécie de limbo até que eles começam a ser reeditados. Eu quis dar uma resposta imediata a essa morte”, justifica Paulo Werneck, curador da Flip. Millôr, que esteve na primeira edição da festa fluminense, em 2003, quando dividiu o palco com o jornalista Ruy Castro, sofreu um acidente vascular cerebral em 2011 e morreu um ano depois, aos 88.

A ideia é explorar as múltiplas faces de Millôr, colaborador do jornal O Estado de S. Paulo entre 1996 e 2000 – ele foi humorista, artista gráfico, caricaturista, cartunista, escritor, dramaturgo, jornalista. “Millôr era o mundo da Flip num homem só: traduzia Shakespeare com erudição e fazia cartum nos anos 1950, quando a forma não era reconhecida.”

Com a homenagem, novos livros devem ser lançados e edições antigas podem ganhar cara nova. A agente literária Lucia Riff, que representa a obra do autor, diz que L&PM e Nova Fronteira continuam com os direitos da obra dele, mas adianta que outras edições estão sendo preparadas por novas casas editoriais. Com a morte do escritor, seu acervo foi doado para o Instituto Moreira Salles pelo filho Ivan, e daqueles 7 mil itens pode sair muito material.

Nos planos da L&PM estão “Millôr 3 em 1”, previsto para breve com “ê, Millôr Definitivo” e “Liberdade, Liberdade”, e ainda reedições, no formato convencional, das peças já publicadas em edições de bolso.

OUTROS HOMENAGEADOS

A Flip já celebrou, de 2013 para trás, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Gilberto Freire, Manuel Bandeira, Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Jorge Amado, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Vinicius de Moraes.

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Clique aqui e conheça todos os títulos de Millôr publicados pela L&PM.

Fernanda Montenegro e Millôr Fernandes

Fernanda Montenegro e Millôr Fernandes eram amigos. Ela encenou peças escritas por ele. Ele escreveu um texto sobre ela da Série Retratos em 3 x 4 de alguns amigos 6 x 9 que está no verbete “Fernanda Montenegro” do livro Millôr definitivo – A Bíblia do Caos:

Sua vida é um palco iluminado. À direita, as gambiarras do perfeccionismo. À esquerda, os praticáveis do impossível. Em cima, o urdimento geral de uma tentativa de enredo a ser refeito todas as noites, toda a vida. Atrás, os bastidores, o mistério essencial. Embaixo, o portão, que torna viáveis os mágicos, inspiração do teatro, que é uma fé, e comove montanhas. (…) Incansável operária, pisa na ribalta nua e mostra todas as noites que o teatro e a vida são apenas duas tábuas e uma paixão. (…) E após o final, na solidão da glória, poder escutar, no silêncio e no escuro, o último espectador que se afasta das aleias desertas.

A amizade entre Millôr e Fernanda Montenegro atravessou décadas

A amizade entre Millôr e Fernanda Montenegro atravessou décadas

Fernanda Montenegro e Millôr Fernandes nos anos 1990

Fernanda Montenegro e Millôr Fernandes nos anos 1990

Saudades do amigo: Fernanda participou da inauguração do Largo do Millôr e depois do banquinho do Millôr que aconteceu em 27 de maio de 2013

Saudades do amigo: Fernanda participou da inauguração do Largo do Millôr e depois do banquinho do Millôr que aconteceu em 27 de maio de 2013 na Praia do Arpoador no Rio de Janeiro

Como vai ser o banquinho do Millôr

Da coluna de Ancelmo Gois – Jornal O Globo – 23 de maio de 2013

O pensador de Ipanema

Millôr Fernandes dizia aos amigos que, se algum dia fosse homenageado, poderia ser com a colocação de um banquinho “de onde o pessoal pudesse curtir o pôr do sol”. O pedido vai ser atendido na segunda, quando será inaugurado o banco, no Largo do Millôr, entre o Arpoador e a Praia do Diabo. Não será um banquinho qualquer. O projeto, de Jaime Lerner, dá a impressão que o banco flutua. O perfil de Millôr, desenhado por Chico Caruso e apelidado de “O Pensador de Ipanema”, está em uma chapa de aço. Dali vai dar para ver o sol se pondo no mar, como queria o genial Millôr, morto em 2012.

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A inauguração do Banquinho do Millôr

Este convite chegou hoje pra gente. Na próxima segunda-feira, a ponta do Arpoador vai ganhar um banco especial, que tem o nome do nosso querido e saudoso amigo Millôr Fernandes. Um lugar para sentar e apreciar as belezas cariocas que o grande artista tanto admirava.

O convite oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro

O convite oficial da Prefeitura do Rio de Janeiro

Liberdade, liberdade

No Dia de Tiradentes, 21 de abril de 1965, em plena ditadura militar brasileira, estreava, no Rio de Janeiro, a peça “Liberdade, liberdade“. Escrita por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, a partir de textos históricos, o espetáculo que mesclava protesto, humor e música, era  dirigido por Rangel e tinha no elenco Paulo Autran, Nara Leão, Oduvaldo Vianna Filho e Tereza Rachel. Sucesso total de público e crítica – elogiada inclusive pelo The New York Times -, “Liberdade, liberdade” foi proibida pela censura poucos meses depois de sua estreia.

Publicado na Coleção L&PM Pocket, “Liberdade, liberdade” traz, além do texto integral da peça, a crítica publicada pelo The New York Times em 25 de abril de 1965, mais as introduções “A liberdade de Millôr Fernandes”, “A liberdade de Flávio Rangel” e “A liberdade de Paulo Autran”.

A liberdade de Paulo Autran

Tenho quinze anos de teatro.
Só há pouco tempo atingi uma posição profissional que me permite escolher os textos que vou representar.
Poder interpretar num mesmo espetáculo, farsa, drama, comédia, tragédia, textos íntimos, épicos, românticos, é tarefa com que sonha qualquer ator, principalemnte quando os autores se chamam Shakespeare, Beaumarchais, Büchner, Brecht, Castro Alves, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Sócrates…
A responsabilidade é pesada, o trabalho é árduo; mas o prazer, a satisfação de viver palavras tão oportunamente concatenadas, ou tão certas, ou tão belas, compensa tudo.
Se o público compreendê-las, assimilá-las e amá-las, teremos lucrado nós, eles, e o País também. Se isso não acontecer a culpa será principalmente minha, mas pelo menos guardarei dentro de mim a consoladora ideia de que tentei.
Por isso escolhi a Liberdade…

 

 

Paulo Autran e Tereza Rachel em cena da peça "Liberdade, liberdade"

Paulo Autran e Tereza Rachel em cena da peça “Liberdade, liberdade”

 

 

Millôr, eterno Millôr

27 de março de 2013: exato um ano que Millôr Fernandes se foi. Um ano de saudades de um genial artista e grande amigo. Sua relação com a L&PM foi longa e embalada pela amizade de décadas. Anos que renderam encontros célebres, conversas inesquecíveis e livros eternos.

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Millôr Fernandes, Paulo Lima (o L da L&PM) e Ivan Pinheiro Machado (o PM) no início dos anos 80

Clique aqui e leia mais sobre Millôr e seus livros.

Millôr Fernandes e a arte de traduzir

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Com a experiência que tenho, hoje, em vários ramos de atividade cultural, considero a tradução a mais difícil das empreitadas intelectuais. É mais difícil mesmo do que criar originais, embora, claro, não tão importante. E tanto isso é verdade que, no que me diz respeito, continuo a achar aceitáveis alguns contos e outros trabalhos meus de vinte anos atrás; mas não teria coragem de assinar nenhuma das minhas traduções da mesma época. Só hoje sou, do ponto de vista cultural e profissional, suficientemente amadurecido para traduzir. As traduções quase sem exceção (e não falo só do Brasil), têm tanto a ver com o original quanto uma filha tem a ver com o pai ou um filho a ver com a mãe. Lembram, no todo, de onde saíram, mas, pra começo de conversa, adquirem como que um outro sexo. No Brasil, especialmente (o problema econômico é básico), entre o ir e o vir da tradução perde-se o humor, a graça, o talento, a poesia, o pensamento, e, mais que tudo, o estilo do autor.

Fica dito – não se pode traduzir sem ter uma filosofia a respeito do assunto. Não se pode traduzir sem ter o mais absoluto respeito pelo original e, paradoxalmente, sem o atrevimento ocasional de desrespeitar a letra do original exatamente para lhe captar melhor o espírito. Não se pode traduzir sem o mais amplo conhecimento da língua traduzida mas, acima de tudo, sem o fácil domínio da língua para a qual se traduz. Não se pode traduzir sem cultura e, também, contraditoriamente, não se pode traduzir quando se é um erudito, profissional utilíssimo pelas informações que nos presta – o que seria de nós sem os eruditos em Shakespeare? – mas cuja tendência fatal é empalhar a borboleta. Não se pode traduzir sem intuição. Não se pode traduzir sem ser escritor, com estilo próprio, originalidade sua, senso profissional. Não se pode traduzir sem dignidade.

(Millôr Fernandes – De uma entrevista para a Revista Senhor – 1962)

O catálogo L&PM possui várias obras traduzidas por Millôr Fernandes: O jardim das cerejeiras, seguido de Tio Vânia, de Tchékhov; Pigmaleão, de George Bernard Shaw; Fedra, de Racine; Lisístrata – A greve do sexo, de Aristófanes; quatro peças de Shakespeare: Hamlet, O rei Lear, A megera domada, As alegres matronas de Windsor e duas de Moliére: Don Juan e As eruditas.

Instituto Moreira Salles negocia acervo de Millôr Fernandes

A Revista Veja desta semana informa que o Instituto Moreira Salles está negociando a compra do extenso acervo deixado por Millôr Fernandes. Originais, manuscritos e a biblioteca do “filósofo do Méier”, que faleceu no ano passado, estão sendo avaliados.

Pensamento final, de todo mundo: “Mas já? E por que eu? Por que tão cedo? Por que assim? Por que pra sempre? (Millôr Fernandes em Millôr definitivo – A Bíblia do Caos)

Millôr, Pope e o ano novo sem euforia…

“Ano após ano rouba-nos algo todo o dia,
E acaba por roubar-nos de nós mesmos.”

(Alexander Pope, 1688 – 1744)

No mesmo clima, Millôr Fernandes escreve sobre o ano novo em seu Millôr definitivo – a bíblia do caos:

“Ano novo, pois é. Coisa bem velha. Mesmo assim, o mundo está cheio de pessoas que não têm e querem filhos, de gente que tem filhos demais e quer vendê-los, de intermediários de troca e doação, de policiais que impedem tudo e prendem todos. Há gente de nariz grande procurando plásticos, mulheres de peito demais, peito de menos, pessoas que querem viver mais e mais, enquanto outras – cheias de saco cheio de viver – se atirando do oitavo andar em cima delas. Mas não há de ser nada. No fim o bandido morre. Aliás o mocinho também, toda a platéia, e até a bilheteira mirrada mas bonitinha que, por ser tão jovem, pensa que é eterna.” (Millôr Fernandes, 1922 – 2012)