Arquivo da tag: Lucíola

Autor de hoje: José de Alencar

Mecejana (CE), Brasil, 1829 – † Rio de Janeiro, Brasil, 1877

Filho de um senador do Império, diplomou-se em Direito em São Paulo. Iniciou sua carreira literária publicando folhetins no Correio Mercantil, do Rio de Janeiro. Trabalhou como advogado, jornalista e político, chegando a deputado e mesmo a Ministro da Justiça. Sua vasta obra teve imediato reconhecimento. Participou também das principais polêmicas de seu tempo, defendendo um programa de literatura nacionalista e romântica. Em sua obra, procurou representar as tradições do Brasil e os costumes nacionais, norteado por um senso estético incomum. Temas como o indianismo, o sertanismo, o regionalismo e a vida urbana em sociedade, presentes em seus romances, convivem com crônicas, textos para o teatro, ensaios críticos e poemas. Seu estilo é apurado e seu texto privilegia a descrição. Nas narrativas e no teatro, sua obra configura a linguagem literária brasileira.

 OBRAS PRINCIPAIS: O guarani, 1857; Lucíola, 1862; Iracema, 1865; O gaúcho, 1870; Senhora, 1875

JOSÉ DE ALENCAR por Myrna Bier Appel

Em 1875, escritor já reconhecido nacionalmente, com cerca de vinte romances publicados, diversas peças teatrais encenadas na corte, artigos publicados pela imprensa, o cearense José Martiniano de Alencar lança o livro Senhora, uma das obras da sua maturidade. Qual é o segredo dessa longevidade? O que pode oferecer ao leitor de hoje o romance Senhora? Aurélia Camargo – órfã, rica, bela, inteligente – é disputada por todos os jovens nos bailes e festas da corte. Cônscia de que sua beleza, aliada à fortuna, constitui um atrativo irresistível aos que lhe fazem a corte, atribui a cada um de seus pretendentes uma cotação, como em um mercado financeiro. Sabedores de sua cotação, os admiradores que a cercam esmeram-se em satisfazer-lhe os menores caprichos. Aurélia diverte-se com o jogo e a todos desdenha. De volta ao seu palacete, em seus aposentos, vai-se despindo de seus adereços e com eles despoja-se da personalidade exibida nos salões. Desfaz o penteado elaborado e aí está a legítima heroína ao gosto romântico: delicada, melancólica, mas decidida e firme. Administra seus pecúlios e sua casa com competência, soluciona problemas e alivia sofrimentos alheios, atenta ao que se passa ao seu redor. Alencar cria tipos humanos e sociais, descreve cenas e costumes da corte: ricos e pobres, escravos e senhores, diplomatas, mercadores, jovens “casadoiras” vigiadas pela família, estudantes à procura de uma noiva com bom dote, meretrizes à caça de um rico protetor. Também o cenário é variado: além do teatro, da ópera, dos bailes da corte, os passeios de fins de semana descrevem praias, arrabaldes com seus folguedos populares e outro padrão de vida. Isso tudo faz parte do plano traçado por Alencar: compor um vasto painel de seu país, com as peculiaridades de raças humanas, regiões, climas, paisagens, tipos sociais, história, política e até mesmo linguagem.

Deixou esquematizada uma gramática do dialeto brasileiro, que em grande parte já empregava em seus escritos, sobretudo nos diálogos de cunho popular, pelos romances e nas peças teatrais, atraindo críticas ferozes dos puristas e conservadores. A todos respondia Alencar, ou pela imprensa, nas famosas polêmicas, ou nos inúmeros prefácios e posfácios de suas obras.

“Seixas era homem honesto; mas ao atrito da secretaria e ao calor das salas, sua honestidade havia tomado essa têmpera flexível de cera que se molda às fantasias da vaidade e aos reclamos da ambição.” Alencar introduz o protagonista com uma frase incisiva, porém não absoluta: ao ponto-e-vírgula seguem palavras que esmaecem a primeira impressão e permitem prever uma personalidade contraditória. Será ela, conjugada a circunstâncias e acontecimentos vários, causa do conflito gerador do interesse da narrativa. Fernando Seixas, órfão de pai, funcionário público modesto, abandona a faculdade, arranja um cargo em uma secretaria, escreve na imprensa e conquista prestígio. Mas os rendimentos eram minguados. Fernando passa a viver então uma vida dupla. Mora numa casa modesta com a mãe e as duas irmãs, trabalha na repartição e no jornal durante o dia. À noite, ao abrirem-se as salas da alta sociedade, da ópera, do teatro, surge Seixas, elegantíssimo, figurino impecável, distinguindo-se entre os homens pela frase polida, pelo galanteio agradável. Alguns anos antes, Fernando cortejara Aurélia, então adolescente e pobre, e um grande amor parecia ligá-los. Com o tempo, ele a pretere em favor do oferecimento de uma noiva acompanhada de um dote tentador. Compromete-se e parte para o Recife a negócios. A vida de Aurélia transforma-se radicalmente: torna-se rica, graças a uma inesperada herança, e passa a brilhar na corte. Seixas volta da viagem em situação que vai se deteriorando progressivamente. O reencontro dos antigos namorados ocorre numa sala de teatro, causando-lhes forte emoção. O amor, mesmo negado e sufocado, ainda ardia vivo. Com o tempo, Aurélia decide virar o jogo. Deseja Seixas como marido e resolve comprá-lo. Sem revelar sua identidade, faz com que um desconhecido tutor ofereça a mais alta “cotação da sua bolsa matrimonial” a Fernando. O jovem aceita o “negócio”, mesmo sem saber quem será sua noiva. O conhecimento só se dará no dia da cerimônia oficial.

Alencar, retratando a vida social e doméstica da época, segue os encontros e desencontros desse casamento de aparências. Com tais antecedentes, poderá o amor sobreviver? Com esse enredo que facilmente poderia descambar para o folhetim melodramático, Alencar estrutura um romance da sociedade do Rio de Janeiro imperial. Examina a psicologia das personagens, evitando o maniqueísmo, prende a atenção do leitor pelas intrigas e artimanhas e confere à linguagem um tratamento literário até então ausente da ficção brasileira.

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. A partir de hoje, todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Pra melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.