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29. “Revista Oitenta”: histórias do jornalismo utópico

Por Ivan Pinheiro Machado*

A Revista OITENTA foi uma publicação cultural da L&PM Editores que circulou nacionalmente entre o final da década de 70 e meados da década de 80. Inspirada num clássico da época – a Granta Magazine inglesa – tinha cara de livro e edição de revista. Os ensaios, artigos, entrevistas, resenhas de livros, quadrinhos publicados na Oitenta, traziam a marca do novo, do revolucionário, do singular. Sua presença foi marcante e aqueles que a conheceram não esquecem. Foram 9 volumes. O primeiro foi lançado em setembro de 1979 e o último em setembro de 1984.

Quando concebemos o projeto e o nome, tínhamos a intenção de celebrar a nova década que, segundo se previa, seria a década da ressurreição do país; democracia, liberdade, progresso social e econômico. Os anos 70 terminavam sem deixar saudades. O país preparava-se para mudar. José Antonio Pinheiro Machado, meu irmão, morava em Roma naquela época. Ele era o entusiasta principal do projeto da revista-livro. E numa longa e intensa troca de cartas, nós fizemos o projeto, a pauta e colocamos de pé o primeiro número em setembro de 1979.

Tal foi a repercussão do primeiro volume, que decidimos comemorar o lançamento do volume 2 com uma grande festa de réveillon. Durante muito anos, setores da  inteligentzia portoalegrense relembrariam o fantástico réveillon “Revista 80”, realizado no inesquecível bar “Doce Vida”, na rua da República, primeiro boteco-ícone do bairro Cidade Baixa de Porto Alegre, hoje a meca da boemia local. Neste copioso réveillon, foram destruídos casamentos sólidos, foram bebidas mais de 2 mil garrafas de cerveja, 600 garrafas de champanhe e, às 10 horas da manhã, ainda se comemorava a entrada da nova década que, certamente, seria a porta dourada do futuro. Nosso e do país.

Pela revista OITENTA passaram todos os grandes intelectuais da época. Aquela que Millôr considerava sua melhor entrevista foi publicada em Oitenta. Fellini, Josué Guimarães, Woody Allen, Simenon e muitos outros falaram para a OITENTA. Umberto Eco pré-Nome da Rosa, estreou no Brasil, via Revista OITENTA. Éramos 6 editores, o José Antonio Pinheiro Machado, o Paulo de Almeida Lima, o José Onofre, o Eduardo “Peninha” Bueno, o Jorge Polydoro e eu.

Os seis primeiros volumes da Revista Oitenta

A revista acabou, como tudo acaba. A utopia de uma publicação ousada e eminentemente cultural, sustentada somente pelo leitor, naufragou com o fim das ilusões. As nossas vidas e o país mudaram. Veio a democratização e o que se viu foi um país destroçado pelo projeto fracassado da ditadura. O começo da década que nós celebramos numa festa sem fim naquele réveillon de 1980 foi o contrário do que imaginávamos. A tão sonhada década de ouro virou historicamente a famosa “década perdida”. Inflação, hiper-inflação, corrupção, foram as marcas da volta do país à democracia. O presidente Tancredo, no qual o Brasil acreditava, adoeceu antes da posse. E nós herdamos a era Sarney. E como se não bastasse, ainda teríamos Collor no réveillon de 1990…

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o vigésimo nono post da Série “Era uma vez… uma editora“.

28. O segredo de polichinelo

Por Ivan Pinheiro Machado*

Em 1985, depois de cair enfermo na véspera da posse, o primeiro presidente civil pós-golpe de 1964, Tancredo Neves, morreu 39 dias depois, emblematicamente no dia de Tiradentes, 21 de abril de 1985. Pelo seu estilo afável, conciliador, ideais democráticos, oratória impecável – e por ser o presidente que levaria o Brasil definitivamente à democracia – Tancredo Neves era admirado pelo povo brasileiro. A partir de sua doença, ele passou a ser cultuado e amado como um super pop star. Uma agonia que foi acompanhada minuto a minuto pela TV e trouxe junto para o panteão das celebridades o seu porta-voz: Antônio Britto. Britto era o homem que, com ar compungido e espessa barba escura, comunicava diariamente a 120 milhões de brasileiros, o estado de saúde do presidente que não conseguira assumir. Britto e Tancredo se confundiam no imaginário do povo. Competente como jornalista, Britto passou pelos principais jornais do Rio Grande do Sul e chegou a ser o mais respeitável repórter da TV Globo. Tancredo convidou-o para ser seu porta-voz. Com a morte do presidente, Britto iniciou brilhante carreira política. Foi o deputado mais votado no Rio Grande, Ministro da Previdência e depois Governador do Estado. No século 21, abandonou a política e hoje é um vitorioso empresário.

Pois bem. Quando morreu Tancredo, assumiu José Sarney, o vice. Com a Nação paralisada, através de meu irmão, José Antonio, contatamos Britto que estava escondido em algum lugar da serra gaúcha. Éramos todos ex-colegas de jornal, tanto no Correio do Povo, como na Zero Hora. Utilizando uma operação de inteligência sofisticadíssima, secretíssima e impecável, conseguimos descobrir onde estava Antônio Britto. E numa noite de neblina espessa, num hotel nos arredores de Gramado, combinamos que Britto juntamente com o jornalista Luis Cláudio Cunha, faria o livro contando tudo sobre a agonia e morte de Tancredo Neves. Uma verdadeira bomba (do bem) editorial estava nas nossas mãos. Acertamos todos os detalhes e, excitadíssimos com a novidade, descemos a serra em condições precaríssimas, já que um fog praticamente intransponível e característico do outono gaúcho tomava conta da estrada sinuosa e perigosa.

O Dudu Guimarães era um personagem folclórico entre o meio jornalístico. No legendário bar do IAB, ele sempre estava lá, rodando de mesa em mesa, sabendo de tudo que acontecia. Ele falava com todo mundo e acabava sempre sentado na mesa do cineasta Jorge Furtado, de quem antevia o futuro brilhante. Mas se chegasse no bar, por exemplo, o Chico Buarque, Caetano Veloso ou algum outro músico da moda, ou quem sabe um filósofo famoso ou um escritor célebre, em poucos instantes o Dudu abandonava a mesa de Jorge Furtado e se aboletava na mesa do ídolo.

Mas voltemos a 24 de abril de 1985, dia em que contratamos o grande bestseller do ano. Conseguimos transpor a neblina da serra, chegamos a Porto Alegre e logo o Eduardo “Peninha” Bueno, que trabalhava na L&PM, quis saber o motivo de tanta alegria. Eu e o Lima dissemos que não podíamos contar. Ele insistiu. Falamos que ele era boca grande demais. Ele continuou insistindo para saber o que estava acontecendo. Até que diante de tantos pedidos (e do juramento de que se aquela notícia vazasse ele seria demitido) contamos para o Peninha que o Britto escreveria o livro. Ele era a quarta pessoa a saber e jurou não contar nada. Juntos, decidimos comemorar nosso enorme segredo numa festa que se realizava todos os anos no antigo cinema Castelo no bairro da Azenha em Porto Alegre. O Troféu Scalp. Uma espécie de sacanagem ao Oscar, onde o Scalp, um grande salão de cabelereiros, oferecia um troféu estranhíssimo aos destaques do ano na área cultural. Na verdade, a entrega dos troféus era pretexto para um grande e imperdível baile pop. Saímos direto da editora para lá.

Ninguém, na imprensa brasileira sabia onde estava Britto. Todos queriam o seu depoimento e caçavam o porta-voz de Tancredo em Minas, Rio, São Paulo, Bahia. Uma complexa operação que envolveu até vôo privado, levara Britto em segredo para longe do mundo, oculto na neblina da serra gaúcha. Juramos que não falaríamos nada para ninguém. Nem do seu paradeiro, nem do livro. Éramos quatro cúmplices de um mesmo segredo.

Horas depois deste solene pacto, entramos lépidos e saltitantes, o Peninha e eu no cinema Castelo, já sonhando com o futuro super-betseller. Pois o Dudu Guimarães estava presente na festa (óbvio). Levantou-se subitamente da mesa do Jorge Furtado, onde havia ancorado – como sempre – e veio em nossa direção. Sorria – como sempre também – por trás de seus óculos de lentes espessas e embaçadas. Deu um abraço apertado no Peninha e perguntou:

– Vão lançar o livro do Britto, hein?!

Foi então que nosso mundo caiu.

P.S.:  nosso sonho de bestseller se concretizou 30 dias mais tarde, quando o livro “Assim morreu Tancredo” estourou no Brasil vendendo mais de 200 mil exemplares. E nunca ficamos sabendo quem contou para o Dudu.

A capa de "Assim morreu Tancredo", de Antônio Britto

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o vigésimo oitavo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

O escondidinho dos sonhos

A receita de hoje é de baixas calorias e está no livro Cardápios do Anonymus Gourmet, do José Antonio Pinheiro Machado, o próprio Anonymus Gourmet.

ESCONDIDINHO
Ingredientes:
2kg de aipim, 1kg de carne, 1 tomate, 1 cebola, 3 dentes de alho, 1 copo de suco de laranja, 1 copo de caldo de carne, 2 colheres de farinha de trigo, 3 colheres de massa de tomate, 1 maça, ½ copo de requeijão, 100g de queijo ralado, sal e azeite
Modo de Preparo:

1 – Comece pelo aipim, ou macaxeira, ou mandioca. Coloque-o em uma panela com água e leve ao fogo até  cozinhar bem. Deixe quase se desmanchar.
2 – Depois espere esfriar um pouco e bata no liquidificador pedaços de aipim, um pouco de água do cozimento e o requeijão. Bata todo o aipim e arrume tudo em uma vasilha. Misture bem e acerte o sal.
3 – Agora vamos ao refogado. Corte a carne em pedaços pequenos. Esquente uma panela e acrescente um pouco de óleo. Em seguida entre com os dentes de alho picados. Misture rapidamente.
4 – Acrescente a carne picada. Misture novamente e espere dourar. Em seguida espalhe a farinha de trigo por cima de tudo e misture rapidamente.
5 – Só então adicione a cebola e o tomate picados, a massa de tomate e a maçã também picada. Misture.
6 – Agora entram os líquidos, o caldo e o suco. Mexa bem, tampe a panela e deixe refogar até secar o molho.
7 – Unte um refratário grande. Coloque o refogado de carne e cubra tudo com o purê de aipim.
8 – Para finalizar espalhe o queijo ralado por cima e leve ao forno preaquecido por 30 minutos, ou até dourar o queijo.

Sábado tem sempre uma “Receita do dia” vinda diretamente dos livros da Série Gastronomia L&PM.

23. Um sobressalto nos anos 90: ou a arte de cair para cima

Por Ivan Pinheiro Machado*

No final da década de 1990, o modelo de editora que colocamos em prática lá nos paleolíticos anos 70 começou a dar sinais de fadiga. A L&PM tinha cumprido um ciclo de 20 anos e penava indefinidamente num ambiente econômico adverso. Sem capital de giro (éramos muito jovens e muito duros quando fundamos a editora), tínhamos atravessado ditadura, crises econômicas, inflação de até 80% e 4 moedas; a saber: Cruzeiro, Cruzeiro Novo, Cruzado, Cruzado Novo, até chegarmos –  estropiados –  no Real. Era um momento de grande aperto fiscal e os juros eram exorbitantes. Dependentes dos bancos, sofríamos com juros escorchantes. E para piorar o cenário, grandes grupos editoriais nacionais e estrangeiros se movimentavam com grande poderio econômico e acirravam a concorrência pelos grandes autores. Estávamos extremamente fragilizados economicamente. E no meio da crise, como um boxeador cambaleando no meio do ringue, quase “jogamos a toalha”, o que no boxe significa desistir, encerrar a luta. A prova disso é que, em 1996, a L&PM esteve à venda pelo valor simbólico de um Real. Ou seja, se alguém quisesse, entregávamos a editora pelo valor da dívida.

Ninguém apareceu. Foi nesta época de incertezas que conhecemos um economista inglês, casado com uma brasileira e com um escritório de consultoria empresarial estabelecido no Rio de Janeiro. Chamava-se Ken Baxter. Morreu muito jovem, aos 50 anos, e deixou saudades entre os seus amigos. Ken era uma pessoa extraordinária. Interessou-se pelos nossos imensos problemas e foi, juntamente com os advogados José Antonio Pinheiro Machado, Elias Guerra e Fernando Carvalho, decisivo na nossa recuperação. Debaixo desta tempestade, decidimos que íamos lutar para sobreviver. E a primeira coisa a fazer, era… mudar. Quem não tem dinheiro, tem que ter ideias. Foi aí que decidimos concentrar nossa imaginação e nossa energia no projeto L&PM POCKET. Ken e nossos advogados “blindariam” a editora contra um pedido de falência. Enquanto isso, trabalharíamos 20 horas por dia para materializar a ideia dos livros de bolso.

Foi assim que tudo começou. Enquanto o “mercado” previa o eminente naufrágio da L&PM, a magnífica logística de distribuição da coleção POCKET foi sendo montada cuidadosa e vertiginosamente. Era uma corrida contra o tempo. Precisávamos de eficiência empresarial para implantar um sólido projeto cultural. Muitos foram os que nos ajudaram. Os autores, quase na sua totalidade, se mantiveram solidários, especialmente o grande escritor Sergio Faraco, que chegou a dar expediente na L&PM, chamando novos autores e editando antologias de autores clássicos para a Coleção Pocket. Foi criado um anel de solidariedades que nos protegeu e nos deu forças. Neste ambiente de incerteza, repito, nosso amigo Ken foi fundamental. Ele acreditou sempre e tinha uma fé impressionante que a coleção de livros de bolso “salvaria” a editora.

Fomos voltando das cinzas e, devagar, conseguimos retomar e ampliar ainda mais o nosso espaço, conquistando milhares de leitores. Hoje, temos mais de 2 mil livros ativos em catálogo. Neste mês, entre 18 lançamentos, a L&PM estará lançando o livro “Mulheres” de Charles Bukowski.  Volume número 950 da coleção L&PM POCKET, líder de mercado e a maior coleção de livros de bolso do Brasil.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o vigésimo terceiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Anonymus Gourmet ilustrado por Gonza

Gonzalo Rodriguez, o Gonza, é um ilustrador de mão cheia. Basta ver suas caricaturas e desenhos para concordar. O Anonymus Gourmet, por exemplo, está uma “maravilha” (atenção para o clássico “Voltaremos” na língua pátria do ilustrador – que é argentino). É ou não é igualzinho ao José Antônio Pinheiro Machado? Aliás, 100 segredos de liquidificador, o mais recente livro do Anonymus é um dos mais vendidos da Feira do Livro de Porto Alegre. Para ver mais ilustrações do Gonza, dê uma passada pelo blog do artista. Vale a pena.

Um passeio pelos lançamentos da Feira do Livro de Porto Alegre

Esta semana foi corrida. Escritores da L&PM tiveram suas sessões de autógrafos e eventos relacionados na Feira do Livro de Porto Alegre 2010. Fomos até lá para registrar estes momentos para os leitores do nosso blog.

As fotos são de Carol Marquis e Clara Taitelbaum.

Segredinho de liquidificador

Hora do almoço chegando… Para quem ainda não sabe o cardápio desta sexta-feira temos uma dica: preparar uma das receitas do  novo livro do Anonymus Gourmet. Em  100 segredos de liquidificador, Anonymus mostra como elaborar salgados e doces num apertar de botão. As receitas variam entre lanches rápidos e pratos que podem ser servidas no almoço e no jantar, como pizzas, massas, carnes variadas, quiches e sopas.

Anote a receita a bon appetit!

Frango com brócolis

Ingredientes

800g de carne de galinha, 400g de queijo fatiado, 400g de peito de peru defumado, 1 molho de brócolis, ½ litro de leite, 1 colher (sopa) de farinha de trigo, 50g de manteiga, pimenta, sal.

  1. NO LIQUIDIFICADOR: bata o leite, a farinha e a manteiga. Tempere com sal. Leve para uma panela e mexendo sempre, espere engrossar. Desligue o fogo.
  2. Corte a carne de galinha em pedaços pequenos e tempere-os com sal e pimenta. Arrume-os em um refratário e leve ao forno por 30 minutos.
  3. Retire o excesso de líquido e, por cima da carne, coloque o queijo fatiado e o peito de peru picado.
  4. Entre com o brócolis cortado em pedaços e previamente lavado. Cubra tudo com molho branco.
  5. Leve o refratário de volta ao forno, preaquecido, por 15 minutos ou até derreter o queijo.

Dica do Anonymus: sirva com arroz branco ou integral. Uma refeição leve e saudável.

Não digam à minha mãe que sou jornalista

*José Antonio Pinheiro Machado

Não há nada que irrite mais o príncipe do que o conhecimento da verdade, quando ela se opõe aos seus fins ou impede seus propósitos, escreveu Juan Luis Cebrián, num livro indispensável que acaba de ser lançado no Brasil: O pianista no bordel.O título do livro utiliza a ironia de um ditado espanhol: “Não digam à minha mãe que sou jornalista, prefiro que continue pensando que toco piano num bordel.” É um livro que celebra o jornalismo e as dificuldades para exercer com correção e eficiência essa profissão. Cebrián foi diretor-fundador de um dos mais importantes jornais do mundo, El Pais, que começou a circular em 1976, durante a transição na Espanha da ditadura de Franco para a democracia, e atualmente é um dos administradores do francês Le Monde. Os dois jornais têm algo em comum: El Pais, nas últimas três décadas, e Le Monde, desde sempre, se tornaram referências mundiais na busca da isenção e na despreocupação em desagradar os personagens de suas matérias. O grande Balzac é um exemplo: quando era elogiado, adorava os jornais. Quando recebeu críticas mudou de lado e escreveu: “Se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la.”

*Advogado e jornalista.  Autor de diversos livros de gastronomia publicados pela L&PM.

Diário do Anonymus em Paris – 3º Dia

Por José Antonio Pinheiro Machado

Na segunda-feira de carnaval, não houve desfiles nem bailes em Paris. Foi o dia do encerramento da Paris Cookbook Fair, e a maior festa ficou por conta dos grandes investidores, como o Grupo Food, que através do seu presidente Paulo Dalcó disse que foi uma das melhores feiras que participou: “Aqui, encontramos apenas o melhor. Tudo foi o máximo! As pessoas que vieram aqui tinham um foco bem determinado.”
Nesta primeira Feira Mundial do Livro de Gastronomia, de fato os participantes queriam comprar ou vender direitos de publicação de livros dessa área. E muitos negócios foram encaminhados. Houve a premiação de diversos livros, através de uma comissão julgadora e, para todos, ficou a sensação de que há um caminho aberto. A segunda edição da Paris Cookbook Fair está prevista para o ano que vem, na mesma época.

O local escolhido para a feira, o novíssimo “Cent Quatre”, centro de eventos artísticos e culturais, foi comentado com reservas. O local é amplo e bonito, com 4.000 metros quadrados de área. Mas ainda tem uma infraestrutura deficiente. Além disso, é muito longe da área central, localizado num bairro que não tem boa fama, pelo alto índice de criminalidade. Também houve queixas à divulgação do evento, que mereceu pouca atenção da imprensa local. Os organizadores cuidaram de todos os detalhes para o conforto dos participantes, mas se descuidaram das relações com a imprensa e o público: nos dias abertos ao público, a presença ficou abaixo do esperado.

Entretanto, esses detalhes, de modo geral, foram colocados em segundo plano: “Foi a estreia. Muita coisa tem que melhorar. Mas, no fundamental, os franceses capricharam”, disse Dolores Manzano, a “Dosh”, secretária da Câmara Brasileira do Livro que transformou o estande brasileiro no maior sucesso.
Domingo, a chef Ana Trajano já tinha brilhado com uma apresentação culinária à base de mandioca e charque que encantou os participantes. Ontem foi a vez do estande brasileiro virar o centro das atenções também com gastronomia bem brasileira.  Foram servidos ao público que passava pelo estande salgadinhos espetaculares e muito típicos: coxinhas de galinha, bolinhos de bacalhau, empadinhas de palmito e o clássico pão de queijo. Brasileiros residentes em Paris ficaram surpresos pela qualidade e pela autenticidade dos salgadinhos servidos: “Me sinto num boteco do Rio de Janeiro. Só falta cachaça… Mas o café é de primeira. Aqui na Europa, eles tentam imitar os quitutes brasileiros, mas fica sempre uma porcaria. Quem fez estas maravilhas?”- queria saber uma fotógrafa brasileira que serviu-se de uma dose generosa dos saborosos quitutes. A cozinheira que preparou esse destaque gastronômico do dia é uma brasileira humilde que pouco a pouco ganha muito prestígio com suas especialidades: Rita Félix Pereira, que se recusa a dar qualquer informação sobre as receitas e os ingredientes. Como todo mágico que se preza, ela recolheu os aplausos e não revelou os truques.
Depois de muitos  bolinhos, empadinhas, coxinhas e pãezinhos, Anonymus Gourmet, na despedida da primeira Paris Cookbook, não poderia dizer outra coisa: voltaremos!

N.E.: Na estande brasileira, foi improvisada uma mesinha com os livros do Anonymus e um computador com a página do blog aberta. O diário do Anonymus em Paris fez sucesso até… em Paris!

Diário do Anonymus em Paris – 2º Dia

Por José Antonio Pinheiro Machado

Os brasileiros estão adorando a Paris Cookbook Fair, a feira mundial dos livros de gastronomia que se realiza no recém criado “104”, o “Le Cent Quatre”, novo espaço cultural e artístico da capital francesa.
Representantes de cerca de 100 países movimentam o pavilhão amplo, moderno e confortável, totalmente reciclado e modernizado — que no passado abrigou o órgão municipal das “Pompas Fúnebres de Paris” durante dois séculos. O Cent Quatre fica no XIXème Arrondissiment, valorizando uma região pobre de operários, desempregados e estrangeiros ilegais.
As Câmara Brasileira do Livro, está presente com um estande que tem a participação das editoras Melhoramentos, Senac e Bocatto. A L&PM, a convite da presidente Rosely Boschini, comparece como observadora. “Esta feira veio para ficar”, disse Rosely. “Aqui estão presentes as principais editoras do mundo que editam livros de gastronomia. Até no Brasil, o interesse editorial pela gastronomia é crescente. No ano que vem, vamos comparecer com representação reforçada.”
Embora ainda não seja a realidade brasileira, nos Estados Unidos e na Europa os livros de gastronomia, segundo o presidente da Paris Cookbook Fair, M. Edouard Cointreau, já são “a parcela mais apetitosa e mais rentável do mercado editorial.”
Esse entusiasmo parece contagiar nossos editores e livreiros, e vai se concretizar em duas frentes, num primeiro momento. Desde logo começa a preparação para trazer a Paris uma representação mais numerosa na Cookbook Fair do ano que vem. Além disso, outra novidade imediata: a criação de um espaço exclusivo para livros de gastronomia já na próxima Bienal do Livro, em São Paulo.
Na verdade, esta primeira edição da Paris Cookbook Fair ficou dividida entre duas inclinações: feira de negócios ou feira-festival? Numa feira de negócios, a exemplo da tradicional Feira de Frankfurt, o foco é a comercialização internacional de direitos entre editores de diversos países; na feira-festival, da qual a cinquentenária Feira do Livro de Porto Alegre é amostra, a idéia é um grande evento de público, de divulgação de autores e novos lançamentos.
“Talvez seja interessante cultivar essa dúvida existencial”, diz um dos editores mais chegados a M. Cointreau.  “Essa duplicidade pode fazer bem à saúde financeira e ao marketing das próximas edições”, completa.
Por enquanto os negócios têm mais expressão do que a presença do público.
Mesmo assim, centenas de parisienses e turistas, no primeiro dia aberto ao público, enfrentaram a manhã gelada do fim de semana, com temperaturas em torno de zero grau, para ingressar no Cent Quatre, felizmente bem fechado e aquecido: além da calefação impecável, bailarinas indianas, conhaques e vinhos se encarregaram de fazer subir a temperatura.
Somando-se aos apelos dos estandes e das danças, o público desfrutou de quiosques com bebidas variadas e uma mini-feira livre de produtos bio, onde não faltaram cenas inesquecíveis. Um renomado produtor italiano de caríssimo aceto balsamico oferecia demonstração de seu produtos envelhecidos, com amostras diminutas servidas ao público em parcimoniosas colherinhas. Um japonês, entusiasmado pelo sabor foi polidamente advertido pela esposa, ao tentar a quinta colherada de repetição.
Nas demonstrações culinárias, o destaque (sem patriotismo) foi o Brasil, que apostou na simplicidade: a cozinheira e chef de cozinha Ana Trajano apresentou a uma platéia de dezenas de refinados gourmets o charque e a mandioca. Depois de uma apresentação teórica em que comilões de diversos países foram iniciados nas diferenças entre charque, carne seca e carne de sol, todos adoraram os finalmentes: charque com salada e uma boa farofa.
A mandioca brilhou especialmente: “De norte a sul do Brasil, chamada de mandioca, macaxera ou aipim, servida ao natural, ou na forma de pirão, farofa ou paçoca, é um alimento de primeira. A mandioca une o Brasil!”, disse Ana no evento em que lançou seu livro “Gosto do Brasil”. O editor Breno Lerner lembrou que 60 milhões de pessoas deixaram de morrer de fome na África graças ao crescimento da cultura da mandioca, que tem o Senegal na liderança mundial em matéria de cultivo.
Entre os livros de luxo de cintilantes capas dura,s apresentados na Paris Cookbook Fair por editores europeus em ternos Armani impecáveis, não deixa de ser estimulante constatar que brilhou o grande ingrediente da mesa brasileira. Quem diria. Os estandes refinados se transformaram, por momentos, em balcão da realidade, e a mandioca, normalmente reduzida a insossa curiosidade tropical, foi redimida.