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A história dos quatro homens que fizeram o capitalismo americano

Por Ivan Pinheiro Machado*

Os Magnatas” é o livro brilhante de Charles R. Morris, advogado, ex-banqueiro, empresário da área da informática, articulista do Wall Street Journal e autor de livros sobre economia, finanças e história econômica dos EUA.

Este livro, escrito de forma magnífica, mereceu no Brasil a tradução impecável de Edmundo Barreiros que preservou o saboroso texto de Morris. Ele narra a saga de Andrew Carnegie (1835-1919), John D. Rockefeller (1839-1937), Jay Gould (1836-1892) e J. P. Morgan (1837-1913), os “barões ladrões” como eram chamados pelas más línguas. Eles foram os gigantes da Era de Ouro, os magnatas por trás do exuberante crescimento que fez dos EUA o país mais rico, mais criativo e mais produtivo do mundo.

Dos quatro, apenas J. P. Morgan era rico, filho de um grande banqueiro. Os outros, filhos da classe média, seriam, ao chegar na casa dos 30 anos, donos de segmentos fundamentais da economia americana. Rockefeller era dono do petróleo, Carnegie do aço, Gould era a raposa que devorava empresas através de inacreditáveis manobras na bolsa de valores. Morgan controlava o dinheiro – era o grande banqueiro, cuja assinatura no lado esquerdo dos títulos avalizava os mega empréstimos dos bancos europeus ao estado americano.

Inimigos, companheiros, rivais, concorrentes, estes desbravadores estiveram sempre no limite e muitas vezes além da lei. Toda legislação restritiva das bolsas foram criadas inspiradas nas tramóias de Jay Gould. A lei antitrust foi criada para esfacelar a Standard Oil, o monopólio de Rockfeller, em 32 empresas de petróleo. Operação aliás da qual ele saiu mais rico ainda, para morrer aos 98 anos como um dos homens mais influentes do mundo. Carnegie construiu uma imensa fortuna controlando durante décadas o negócio do aço na América, sendo várias vezes investigado por formação de cartel e até “dumping”, quando vendia aço por preços abaixo do custo de produção para destruir seus concorrentes.

Os Magnatas”, vai muito além de uma brilhante análise biográfica e psicológica destes quatro “tycoons”. É um minucioso relato político e econômico de mais de meio século de embates entre estes quatro homens que quase sempre estiveram – por força de negócios – juntos, embora se detestassem pessoalmente. Enfim, este é um livro fascinante, que conta a história fascinante de homens fascinantes, tanto pelo lado do bem, como do mal. No final das 450 páginas da edição de bolso de “Os Magnatas”, você vai compreender como se construiu, a ferro e fogo, num tempo sem lei e sem restrições, o maior país capitalista do mundo.

* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.

Maus costumes

Por Juremir Machado da Silva*

Quando vou perder a mania de falar de livros? Ainda mais de livros sentimentais. Ando tão piegas que, depois de chorar num filme de caminhoneiro, fiquei de queixo caído diante de um livro do Eduardo Galeano, “Os Filhos dos Dias” (L&PM). Galeano, autor do clássico infanto-juvenil ideológico “As Veias Abertas da América Latina”, que os lacerdinhas transformam com maledicência em “véias”, também serviu de modelo para o idiota do filho de Mario Vargas Llosa escrever um livro idiota intitulado “Manual do Perfeito Idiota Latino-americano”. Não desrespeito quem gosta, pois eu mesmo sou um idiota perfeito e um perfeito idiota, o que não é muito difícil constatar, embora eu não seja marxista, nem comunista, só um idiota.

Com textos curtos, dedicados a cada dia de um ano, o escritor uruguaio desencava histórias que deveriam ser esquecidas. Por exemplo, esta de Winston Churchill, o herói civilizador que comandou a resistência ao nazismo: “Não consigo entender tantos melindres sobre o uso de gás. Estou muito a favor do uso de gás venenoso contra as tribos incivilizadas. Isso seria um bom efeito moral e difundiria um terror perdurável”. Uau! E esta, ainda melhor (ou seja, pior): “Eu não admito que se tenha feito mal algum aos peles-vermelhas da América, nem aos negros da Austrália, quando uma raça mais forte, uma raça de melhor qualidade, chegou e ocupou seu lugar”. Racismo britânico, of course! Só no dia 26 de janeiro de 2009, graças a um plebiscito, que aprovou uma nova Constituição, outorgou-se cidadania a todos os índios da Bolívia. Obra “lamentável” do “atrasado” Evo Morales.

Há uma divertida homenagem a um magnata americano: “Em 1937, morreu John D. Rockefeller, dono do mundo, rei do petróleo, fundador da Standard Oil Company. Tinha vivido quase um século. Na autópsia, não foi encontrado nenhum sinal de escrúpulo”. Excelente também é a síntese da visão de mundo de Tintim, personagem mítico de histórias em quadrinhos criado pelo belga Hergé. Na sua famosa viagem ao Congo, Tintim “fuzilou 15 antílopes, escalpelou um macaco para se disfarçar com sua pele, fez um rinoceronte explodir com um cartucho de dinamite e disparou na boca aberta de muitos crocodilos. Tintim dizia que os elefantes falavam francês muito melhor que os negros. Para levar um souvenir, matou um e arrancou suas presas de marfim”. O rei da Espanha adora Tintim.

Instrutivo é o capítulo sobre a “desonra”. Em 1981, Galeano participou de uma reunião do Tribunal Internacional, que tratou, em Estocolmo, da invasão do Afeganistão pela União Soviética. Um alto chefe religioso islâmico, integrante do que os americanos chamavam, então, de “guerreiros da liberdade”, mais tarde rebatizados de terroristas, acusou, no seu depoimento, os invasores de terem cometido o mais hediondo dos crimes:

– Os comunistas desonraram nossas filhas!

Diante da expectativa geral, explicou:

– Ensinaram elas a ler e a escrever!

* Juremir Machado da Silva é jornalista e escritor, autor de História Regional da Infâmia. Este texto foi originalmente publicado em sua coluna no Jornal Correio do Povo do dia 16 de agosto de 2012