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51. Isadora e a dança das palavras

Em outubro, como já anunciado, a Série “Era uma vez… uma editora” ficou um pouco diferente. Este mês, como o editor Ivan Pinheiro Machado* estava na Feira de Frankfurt, ficou decidido que os posts seriam dedicados a livros que deixaram saudades. O livro de hoje é: “Isadora – fragmentos autobiográficos”.

A capa da primeira edição de "Isadora", de 1985

Na semana passada, falamos sobre a Coleção “Olho da Rua” que publicou, entre outros, o livro Isadora, fragmentos autobiográficos de Isadora Duncan. Isadora foi publicado nos EUA, em 1981, pela City Lights, editora de Lawrence Ferlinghetti, e chegou no Brasil pela L&PM Editores no Outono de 1985, com tradução de Lya Luft e em uma edição que reunia pela primeira vez dezenas de ensaios, poemas, discursos, entrevistas, cartas e declarações de Isadora Duncan que estavam inacessíveis, esquecidos em velhos jornais, periódicos obscuros e livros esgotados. O livro trazia ainda várias fotos da bailarina, além de alguns desenhos dedicados a ela. Tão impressionante era seu conteúdo que quando a L&PM lançou a sua Coleção Pocket, ele foi um dos primeiros (o número 5!). Lançado em 1997, a edição em pocket manteve várias das ilustrações originais e, atualmente, encontra-se esgotado.

Uma das fotos que estão no livro da Coleção "Olho da Rua"

“Nasci na América, na cidade de São Francisco, no dia em que por lá rebentou uma revolução. A revolução, naturalmente, era ‘dourada’; era um dia ‘dourado’ quando todos os bancos em São Francisco foram à falência. Multidões enfurecidas vociferavam nas ruas. No dia daquela catástrofe, minha mãe esperava meu nascimento de uma hora para outra. Mais tarde ela me disse que tinha certeza de que a criança que esperava seria alguém extraordinário” (Trecho inicial do livro).

Isadora Duncan foi, além de uma dançarina fantástica, teórica da dança, aventureira, revolucionária, crítica da sociedade moderna e defensora dos direitos das mulheres, da revolução social e da concretização da poesia na vida cotidiana. Nascida em São Francisco em 1877, faleceu em 1927.

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo primeiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

50. Quando a L&PM foi parar no “Olho da Rua”

Em outubro, como já anunciado, a Série “Era uma vez… uma editora” ficou um pouco diferente. Este mês, como o editor Ivan Pinheiro Machado* estava na Feira de Frankfurt, ficou decidido que os posts seriam dedicados a livros que deixaram saudades. Hoje, no entanto, no lugar de um título, resolvemos falar de uma coleção inteira. A ideia de contar a história da Coleção “Olho da Rua” surgiu de uma conversa com o escritor Eduardo Bueno (que alguns chamam de Peninha) que, nos anos 80, criou esta série de livros marginais, como ele mesmo definiu.

A Coleção “Olho da Rua” começou quando Eduardo convidou Antonio Bivar para (re)publicar o seu livro Verdes Vales do Fim do Mundo, que já estava há tempo fora de catálogo. Bivar era co-tradutor, junto com Bueno, da primeira versão da tradução de On the Road. O plano era, a partir deste livro, dar início a uma versão brasileira da Coleção “Rebeldes e Malditos”, criada por Ivan Pinheiro Machado e que, em 1984, já publicava, entre outros, Cartas a Théo de Van Gogh, De Profundis, de Oscar Wilde, Paraísos Artificiais, de Charles de Baudelaire e A correspondência de Arthur Rimbaud.

A edição de "Verdes Vales do Fim do Mundo" de 1984, depois relançada na Coleção L&PM POCKET

“A seguir, convidei Jorge Mautner, Roberto Piva, Pepe Escobar, Reinaldo Moraes e outros malucos para se juntarem ao bando. Precisávamos de um nome para a coleção, que soasse rebelde e maldito o suficiente. Da conversa com o Bivar surgiu o nome “Olho da Rua”, já que vários deles tinham a vivência plena das calçadas e das sarjetas, nunca foram de circular muito pelas avenidas principais e já haviam sido orgulhosamente postos no olho da rua várias vezes. Além de tudo, o “olhar” deles era o olhar típico dos escritores que não produziam seus livros “de pantufas no gabinete, com a lareira acesa e um gato ronronando”. Aí, eu e Ivan achamos o nome não apenas adequado como ótimo. E a coleção saiu. Ela era quase uma “resposta” à Cantadas Literárias, lançada pouco antes pela editora Brasiliense. Resposta não é bem o caso: era complementar a ela e seguia a tendência de editar “marginais”, que a L&PM já fazia tanto na “Rebeldes e Malditos” como na Coleção “Alma Beat”. Era o inicio dos anos 80, o país vivia grande efervescência, todo mundo ansiava pela abertura e pela volta das “liberdades democráticas” e então a “Olho da Rua” veio para resgatar textos já publicados e/ou censurados e também livros inéditos (como “Speedball” de Pepe Escobar e “Abacaxi”, de Reinaldo Moraes).” Conta Eduardo Bueno.

A “Olho da Rua” acabou não ficando só nos brasileiros. Foi nela que, pela primeira vez, Sam Shepard foi publicado no Brasil com o livro Louco para Amar. E também Gasolina e Lady Vestal, de Gregory Corso, De repente, acidentes de Carl Solomon, 7 Dias na Nicarágua Libre, de Lawrence Ferlinghetti, A queda da América, de Allen Ginsberg, Luna Caliente de Mempo Giardinelli e Isadora – fragmentos autobiográficos, de Isadora Duncan.

Alguns dos livros que inicialmente sairam na “Olho da Rua” acabaram sendo relançados na Coleção L&PM POCKET. Como Verdes Vales do Fim do Mundo, por exemplo.

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Isadora Duncan: liberdade, revolução e dança

“Adeus, amigos! Vou para a glória!” foram as últimas palavras que Isadora Duncan disse em 14 de setembro de 1927, pouco antes de embarcar no carro que a matou. Sua echarpe ficou presa em uma das rodas do conversível, estrangulando-a. E assim termina a biografia da mulher de espírito revolucionário e apaixonado que reinventou a arte da dança e lutou até o fim da vida por um mundo melhor.

Descendente de escoceses e irlandeses, Isadora nasceu em São Francisco, nos Estados Unidos, no dia 27 de maio de 1877. Ficou na “Bay Area” até 1896, quando saiu para ganhar o mundo. Passou por Chicago, Nova York, Inglaterra, França, Grécia, Alemanha e Rússia, onde se envolveu com a revolução e os ideais comunistas.

Em sua autobiografia, escrita coincidentemente no ano em que morreu, ela conta que sua mãe tricotava roupas para vender e fazer algum dinheiro extra para o sustento dos quatro filhos, que criava sozinha. Vendo o desespero da mãe que não conseguia sequer comprar comida, a pequena Isadora resolveu vestir um gorro vermelho e ajudar nas vendas de porta em porta como narra Isadora – Fragmentos Autobiográficos, um dos primeiros livros da Coleção L&PM POCKET:

“De casa em casa, apresentei minhas mercadorias. Algumas pessoas eram bondosas, outras grosseiras. De modo geral, tive sucesso, mas foi o primeiro despertar, em meu peito infantil, da consciência da mosntruosa injustiça do mundo. E aquele pequeno gorro vermelho que minha mãe tricotara era o gorro de uma criança bolchevique.”

Isadora recorda em sua autobiografia que a dança faz parte de sua vida desde muito cedo, só que não da forma clássica, como na vida das meninas que frequentaram aulas de balé, mas da forma mais natural, intuitiva e libertária:

“Na infância, não tive brinquedos ou brincadeiras de criança. Muitas vezes fugia sozinha para as florestas ou à praia junto do mar, e lá dançava. Sentia que meus sapatos e roupas apenas me estorvavam. Meus sapatos pesados eram como correntes; minhas roupas eram minha prisão. Por isso eu tirava tudo. E sem olhos me espiando, inteiramente só, eu dançava nua diante do mar. E parecia-me que o mar e todas as árvores dançavam comigo.”

Vários anos mais tarde, em 1915, Isadora repete o feito da infância no Metropolitan, em Nova York. Nua e descalça, vestida apenas com um xale vermelho, ela surpreende o público e encerra seu espetáculo dançando o hino nacional francês, numa tentativa intensa e desesperada de sensibilizar os americanos e chamar atenção para os efeitos da Primeira Guerra Mundial que devastava a Europa.

Mas seus ideais e sua arte nem sempre foram compreendidos – quiçá bem aceitos – pelo público. E não era pra menos! Muito antes do surgimento dos movimentos feministas, ela já se posicionava a favor da emancipação da mulher e criticava a instituição sagrada do matrimônio. E, em 1916, quando resolveu repetir o maravilhoso feito do Metropolitan num café em Buenos Aires, foi quase deportada em nome da moral, dos bons costumes e dos sagrados símbolos pátrios.

Diante desta história, Eduardo Galeano não poderia deixar de falar de Isadora Duncan em seu livro Mulheres. O texto que leva seu nome traduz a alma radical e libertária de uma das maiores dançarinas de todos os tempos, que se transformou em exemplo para aqueles que sonham com um mundo melhor e que, para realizar este sonho, não medem consequências:

Isadora

Descalça, despida e envolvida apenas pela bandeira argentina, Isadora Duncan dança o hino nacional.

Comete esta ousadia numa noite de 1916, num café de estudantes de Buenos Aires, e na manhã seguinte todo mundo sabe: o empresário rompe o contrato, as boas famílias devolvem suas entradas ao Teatro Colón e a imprensa exige a expulsão imediata desta pecadora norte-americana que veio à Argentina para macular os símbolos-pátrios.

Isadora não entende nada. Nenhum francês protestou quando ela dançou a Marselhesa com um xale vermelho como traje completo. Se é possível dançar uma emoção, se é possível dançar uma ideia, por que não se pode dançar um hino?

A liberdade ofende. Mulher de olhos brilhantes, Isadora é inimiga declarada da escola, do matrimônio, da dança clássica e de tudo aquilo que engaiole o vento. Ela dança porque dançando goza, e dança o que quer, quando quer e como quer, e as orquestras se calam frente à música que nasce de seu corpo.

Em 1996, a L&PM publicou Isadora – Fragmentos autobiográficos, com tradução de Lya Luft, mas infelizmente o livro está esgotado. A autobiografia completa de Isadora Duncan está no livro Minha vida.