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Balzac e o imperador

Por Voltaire Schilling*

Nas suas contumazes escapadas dos credores, Honoré de Balzac, um eterno endividado perseguido por letras vencidas, conseguiu alugar, em 1828, uma pequena e modesta vila na saída de Paris. Recorreu a um nome falso para assinar o contrato. Era um ponto estratégico situado entre o observatório e um convento, o que permitiria a ele, em caso de extrema necessidade, saltar o muro dos fundos e ganhar o campo até desaparecer. Nessa nova moradia, uma das tantas em que ele viveu, condenado àquela vida de cigano fujão, colocou sobre a caixa que guardava os seus arquivos um busto de Bonaparte.

Prometera a si mesmo, naquela ocasião, inspirando-se na impressionante aventura ensejada pelo general corso, “reconquistar a Europa com a pena de águia ou de corvo”. O que Napoleão fizera com seu exército, sebmetendo o continente inteiro à sua vontade, ele se predispôs a fazer com seus livros.

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Seguramente foi o exemplo de Napoleão, um sujeito que saíra do nada, nascido do mundo, que serviu-lhe de farol e modelo. Aquela soma de audácia e vontade inquebrantável que imanara da presença do general fez com que Balzac aspirando à mesma fama, se tornasse um escritor-fábrica voltado exclusivamente para a produção de livros. Trabalhador incansável, movido a doses cavalares de café fortíssimo (combustível que o matou do coração aos 51 anos) que ele mesmo gostava de preparar, enfrentava jornadas dignas de um condenado às galés.

Do mesmo modo como o jovem tenente Bonaparte, ainda nos seus tempos de anonimato, sonhava com as pirâmides do Egito ou em reproduzir as façanhas de Alexandre o Grande ou de César, a imaginação de Balzac, que deu seus primeiros passos escrevendo literatura do tipo “B”, o empurrou para vôos cada vez mais elevados.

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Uma alma imaginativa feérica e borbulhante como a de Balzac não poderia jamais deixar de inclinar sua simpatia pela figura do imperador, de deixar-se dominar por aquela força da natureza que parecia levar tudo adiante, submetendo os homens e o destino à sua vontade férrea.

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Portanto, nada de se estranhar que Balzac, leitor infatigável, tenha começado a coletar desde 1830 todas as frases atribuídas a Napoleão que conseguiu encontrar nos jornais, nas revistas ou nos livros de memórias dedicadas ao imperador falecido.

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* Voltaire Schilling é historiador e professor e os textos acima são trechos de “Balzac e o imperador”, introdução escrita para o livro “Napoleão, como fazer a guerra – Máximas e pensamentos de Napoleão Bonaparte recolhidos por Honoré de Balzac“.

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As origens de Balzac, o aniversariante do dia

Balzac nasceu em Tours, em 20 de maio de 1799. Nasceu provinciano da Touraine, e esse dado é essencial. Toda a sua obra traz as imagens da província francesa e dessa Touraine à qual voltará frequentemente e onde situa diversos romances: O cura de Tours, O ilustre Gaudissart, O romeiral, A mulher de trinta anos, O lírio do vale. Apreciará descrever as paisagens, o reflexo do rio, a bruma nas encostas, as florestas, os bosquetes tranquilos. Se quisermos continuar, como ele mesmo fez, a descer o rio, chegamos a Saumur, outro lugar monárquico, onde se desenrola Eungénie Grandet. A seguir, as regiões dos chouans, os partidários da realeza durante a Revolução Francesa, e, para terminar, a península de Guérande, onde ocorre o impiedoso huis clos amoroso de Béatrix.

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Os pais de Balzac não parecem muito inclinados a se ocupar dos filhos no dia-a-dia. Em todo caso, resulta daí uma tenra cumplicidade, que nunca se desmentirá, entre o irmão e a irmã, ambos isolados numa família emprestada e interessada sobretudo nos ganhos. Honoré permanecerá convencido, durante sua adolescência e juventude, de que o único ser nesse mundo que o ama e o compreende é essa irmã, com quem dividiu as brincadeiras e os machucados de menino. Ela nunca cessará de defendê-lo; confiarão um ao outro os seus segredos. Em uma das suas primeiras tentativas romanescas, Sténie, ele abordará o carinho ambíguo entre um irmão e uma irmã “de leite”, a ponto de o menino sentir um ciúme violento quando ela se casa.

(Trechos de Balzac, de François Taillandier, Série Biografias L&PM Pocket)

Desenho de Honoré de Balzac feito em 1820, quando ele tinha entre 19 e 20 anos

Desenho de Honoré de Balzac feito em 1820, quando ele tinha entre 19 e 20 anos

 

O valor de Napoleão

“Uma bela mulher agrada os olhos, uma boa mulher agrada o coração; uma é uma joia, a outra um tesouro” (Napoleão Bonaparte)

A máxima acima é um dos tantos pensamentos de Napoleão que Honoré de Balzac reuniu no livro Napoleão – Como fazer a guerra (Coleção L&PM Pocket). Uma frase que tem tudo a ver com o que aconteceu no início desta semana: o leilão do anel de noivado oferecido em 1796 por Napoleão Bonaparte a Josefina de Beauharnais.

A joia foi vendido no domingo (24 de março) por 896.400 euros, quase R$ 2,4 milhões de reais, durante um grande leilão organizado pela casa Osenat. Com 18 milímetros de diâmetro, o anel em ouro com um diamante e uma safira esculpida em forma de pera, com a inscrição “você e eu”, havia sido avaliado entre 8 mil e 12 mil euros. “Na época, Bonaparte tinha pouco dinheiro. O anel é de uma simplicidade incontestável”, afirmou Jean-Christophe Chataignier, diretor do departamento de objetos históricos da casa Osenat.

Em 24 de fevereiro de 1796, Napoleão Bonaparte anunciou o seu noivado com Josefina, viúva de Alexandre de Beauharnais. Eles se casaram no civil no dia 9 de março, pouco antes de assumir o comando da campanha da Itália. A joia fazia parte da coleção do príncipe Victor Napoleão (1862-1926), neto de dois reis. Seus avôs eram o último irmão de Napoleão, Jérôme, rei de Westphalie, e Victor-Emmanuel II, rei da Itália. Ele herdou grande parte dos objetos de família ligados a Napoleão, indicou Chataignier.

Outra peça importante vendida no leilão foi um retrato do duque de Reichstadt, o filho de Napoleão I e Marie Louise, com 12 anos. No retrato, o duque aparece vestindo em um uniforme branco do 1º Regimento da Infantaria Imperial Austríaca oferecido a ele por seu avô materno em seu aniversário. O imperador austríaco Francisco I encomendou em 1823 o retrato de seu filho-neto do pintor Peter Krafft.

A pintura foi vendida por 435.600 euros, cerca de duas vezes sua estimativa.

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“História dos Treze”, de Honoré de Balzac

Por Ivan Pinheiro Machado*

Não custa nada relembrar Balzac. Ele deve ser lido sempre. As razões estão em sua própria obra, impressionante na extensão, fascínio, precisão, perenidade e talento.

Quem, na história da literatura ocidental, criou tantos mundos, tantos personagens, tantas intrigas, tantas e tantas histórias como Honoré de Balzac? Criador do romance moderno e do realismo, foi através da monumental Comédia Humana que ele unificou uma obra vasta, original, diversificada em temas, personagens, épocas e lugares.

Concebeu o projeto da Comédia Humana nos início dos anos 1830, quando tinha 30 anos. Em menos de duas décadas (morreu em 1850) criou 89 histórias diferentes – não concluindo o projeto da Comédia, que incluiria 137 livros. Até 1829 escreveu dezenas de romances que publicou sob pseudônimo.

Pela Comédia Humana transitam cerca de 2.500 personagens formando um magnífico e enorme painel da França e da Europa entre as décadas de 1790 e 1830. Frederich Engels, numa carta a Karl Marx, dizia que “eu aprendi mais em Balzac sobre a sociedade francesa da primeira metade do século, inclusive nos seus pormenores econômicos (por exemplo, a redistribuição da propriedade real e pessoal depois da Revolução), do que em todos os livros dos historiadores, economistas e estatísticos da época, todos juntos …”

História dos Treze é a trilogia composta pelos romances Ferragus, A Condessa de Langeais e A Menina dos Olhos de Ouro – completamente autônomos com histórias e personagens totalmente distintos. Em comum, a existência de uma sociedade secreta, Os treze devoradores, espécie de seita composta  por 13 amigos, cujo objetivo é todos ajudarem-se mutuamente – e secretamente – colocando a amizade acima de qualquer preceito moral e até mesmo da lei. Este tipo de “sociedade”, quase um ideal romântico, ocupava o imaginário do público francês e as histórias envolvendo seitas secretas tinham enorme sucesso na época. Balzac embarcou nesta e, muito mais do que seguir uma moda, criou três obras-primas que obtiveram enorme sucesso ao serem publicadas como folhetim nos jornais parisienses.

História dos treze representa um marco na obra balzaquiana, pois ele – ao criar um elo entre os três romances – começava a expor a poderosa mecânica da Comédia, onde centenas de personagens frequentam vários livros, ora como protagonistas, ora como coadjuvantes. Mais do que  o misterioso Ferragus, o legendário herói de guerra general Montriveau, a bela e enigmática duquesa de Langeais, o charmoso De Marsay, a maravilhosa e ambígua Paquita Valdés, a grande personagem destes três livros é aquela que foi a grande paixão de Balzac: a cidade de Paris.

As ruas estreitas, úmidas e escuras, os palacetes, o sofisticado faubourg Saint Germain des Près, as Tulherias, o Boi de Boulogne, os bailes da Ópera, enfim, a grande Paris da Restauração que emergiu dos destroços do império napoleônico está inteira, contracenando e interagindo com homens e mulheres que se debatem em romances improváveis, traições, intrigas, num enredo magnífico que, segundo seu criador, refletia um mundo que resumia sua ambição à busca desenfreada por “ouro e poder”.

* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.

46. Quem nunca errou que atire a primeira pedra

Por Ivan Pinheiro Machado*

Você sabe quanto custa um erro?

Há aqueles que erram na vida e são punidos pela lei. Há os que erram por amor. Há os que simplesmente erram e vão em frente, há os que erram e capitulam, se submetem ao emaranhado de equívocos em que se enredaram. Há erros e erros. Uns maiores, outros menores. E há um custo para os nossos erros. Perdemos amores, perdemos empregos, amigos, lealdades e até a liberdade. Sempre há uma consequência, um castigo, uma penalidade.

Pois uma editora geralmente é refém da possibilidade de um erro.

Depois de tantos anos eu sempre digo que aprender a ser editor custa muito caro. Por exemplo: um belo dia, foram impressos 3.000 exemplares de um romance de Honoré de Balzac (1789-1850). Os livros chegaram na editora e a aquipe examinava o exemplar quando, de repente, alguém gritou desesperado: nããããããão, 1932 nããããão!!!

O Coronel Chabert saiu em 1832 e a contracapa do livro, em lugar nobilíssimo, exibia um rutilante 1932 como data de lançamento da primeira edição. Cem anos de equívoco. Recolhe-se o livro, devolve-se para a gráfica, corrige-se o erro e imprime-se de novo. Encaixa-se o prejuízo. Este é o caminho. Não tem outro jeito.

Duas versões da mesma quarta capa: a errada e a certa (clique para ampliar)

Um editora com 37 anos de vida como a nossa já passou por um longo e caríssimo aprendizado. Erramos muito no passado e de tanto errar, aprendemos. O lugar comum, “é com erros que se aprende”, é uma verdade absoluta quando se fala em editar livros.

Hoje, os recursos eletrônicos geram menos erros de digitação, o famoso “pastel” como se dizia antigamente. Se você digitar “atrazo” em vez de atraso, o Windows grita e você corrige correndo. Mas mesmo assim, com todo o aparato tecnológico, hoje, um livro passa no mínimo por cinco revisões, podendo chegar a seis ou sete. Há a revisão de originais, de tradução, a revisão de paginação, há a revisão da revisão, enfim. Há um enorme trabalho por trás de um livro. Tudo para que ele chegue quase perfeito nas mãos do leitor.

Neste tempo todo editamos mais de 3 mil livros. E foram dezenas de edições perdidas. Livros que foram “reciclados” por conterem doenças incuráveis, que são os erros que saltam aos olhos, erros de português, de estrutura, de páginas que faltam, por erro nosso, ou simplesmente por uma fatalidade da informática. No envio de um arquivo à gráfica por internet, a pag 71 e 72, por exemplo, somem no éter virtual. E para o desespero do editor, o erro só aparece quando um leitor liga e diz: “quero meu dinheiro de volta! Faltam duas páginas no meu livro”. Aí então se recolhe o livro (para “reciclar”), corrige-se, manda-se os arquivos para a gráfica, revisa-se as provas pré-impressão e imprime-se de novo. E depois deste erro assustador, revisa-se a primeira rodagem da máquina. Enfim, revisa-se, revisa-se, revisa-se e mesmo assim, vez que outra, acaba se descobrindo um errinho…

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo sexto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

A morte de um gênio chamado Balzac

“Em 18 de agosto, Victor Hugo, tendo ouvido que o seu colega se encontrava em um estado alarmante, apresenta-se ao cair da noite na Rue Fortunée. É recebido. Descreveu a cena. O quarto empestado. Os médicos mandaram colocar produtos destinados a livrar o ar do odor da gangrena que tomou conta de uma das pernas. Balzac está na cama, emagrecido, lívido, o rosto tomado pela barba. Não reconhece o visitante. Morre durante a madrugada. Será impossível, como então era costume, realizar uma máscara mortuária: nas horas que seguem à morte, as carnes do rosto já estão apodrecendo. (…) Durante essa noite de 18 de agosto, Hugo, de volta à sua casa, disse que a Europa ia perder um dos seus grandes espíritos. A sua admiração é real e profunda. O poeta do cérebro épico captou qual era a visão e o alcance do romancista. Durante os funerais em Saint-Philippe-du-Roule, quando um oficial evoca o ‘homem distinto’ que era Balzac, responde em voz alta: ‘Era um gênio’.” (Trecho de Balzac, de François Taillandier, série Biografias L&PM).

Honoré de Balzac e seu amigo Victor Hugo eternizados por Auguste Rodin

Massacrado pela péssima alimentação e atormentado pelas dívidas, Balzac se foi em 18 de agosto de 1850, aos 51 anos, dois meses após ter casado com a condessa polonesa Éve Hanska, o grande amor de sua vida. Três dias depois, em seu enterro, Victor Hugo proferiu o discurso fúnebre em sua homenagem. Ele pode ser lido aqui, em um dos posts da Série Especial Balzac, publicada neste blog.

A L&PM publica dezesseis títulos de autoria de Balzac.

Balzac é destaque na Wikipédia em português

Quem já acessou a página inicial da Wikipédia em português (sem ser pela busca do Google) deve ter observado que há sempre um “Artigo em destaque” dentro de uma caixa azul (como na imagem abaixo). Estar ali significa que o artigo é de “excelente qualidade”. No ambiente colaborativo e aberto da Wikipédia, em que todo mundo pode  escrever o que bem entende, ter este atestado de credibilidade é valioso.

Bom… tudo isso é pra dizer que o artigo sobre a vida e a obra de Honoré de Balzac está lá na página inicial da Wikipédia em destaque já faz uns dias. Isso quer dizer que, se você precisar de informações precisas sobre o autor de A Comédia Humana, a comunidade de colaboradores da Enciclopédia Livre – como é conhecida a Wikipédia – garante que naquele artigo você pode confiar.

E não é fácil virar “Artigo em destaque”: primeiro, o texto tem que se enquadrar em um lista enorme de critérios (deve conter referências, fontes, notas, etc) e só então vai para a fila de votação. Apenas os usuários mais ativos e mais antigos têm direito a voto, ou seja, tem muita gente comprometida com a Wikipédia de olho no que é publicado por lá. E o processo não termina aí: são contabilizados apenas os votos que vêm com justificativa. E não adianta escrever qualquer coisa, pois só vale se a justificativa estiver de acordo com aquela lista de critérios iniciais. Após esta seleção criteriosa (ufa!), o artigo mais bem votado ganha destaque na página inicial da língua correspondente. É por isso que ser eleito como “Artigo em destaque” na Wikipédia é um mérito e tanto para o conteúdo construído colaborativamente.

Outra opção para saber tudo sobre Balzac é assistir ao documentário Vida & Obra – Honoré de Balzac, apresentado pelo editor Ivan Pinheiro Machado na L&PM WebTV.

O nascimento de um leão chamado… Napoleão

Para os que entendem de zodíaco, Napoleão Bonaparte não poderia ter nascido sob outra constelação. Aliás, o próprio nome já traz em si o signo que o iluminou durante toda a vida: Leão. Ao nascer em 15 de agosto de 1769, Napoleão logo mostrou que era um típico leonino: ambicioso, orgulhoso, vaidoso e com grande espírito de liderança. Natural de Ajaccio, capital da Córsega, ele foi o segundo de oito filhos.

Aluno brilhante, aos 16 anos formou-se como oficial de artilharia. Aderiu à Revolução Francesa em 1789 e, em 1793, depois de liderar a retomada de Toulon, foi promovido a general de brigada. Tinha 24 anos e era o mais jovem general do exército francês. Aos 27, em 1796, tornou-se comandante em chefe do Grande Exército depois de derrotar os austríacos na campanha da Itália. Iniciou aí sua fulminante ascensão. Atingiu a celebridade comandando as tropas francesas em triunfos lendários como as batalhas de Rivoli, Austrelitz e Marengo. Tornou-se imperador, foi exilado em Elba, voltou de forma triunfal. E acabou seus dias na Ilha de Santa Helena, isolado em meio ao Oceano Atlântico, onde morreu em 5 de maio de 1821 e entrou para a história como o maior líder que o mundo Ocidental já viu.

Alguém ainda duvida de que os leoninos nasceram para reinar? Mesmo assim, Napoleão costumava dizer que “um trono não passa de uma tábua forrada de veludo”.

"O nascimento de Napoleão" foi desenhado por A. Raffet em 1839. Prestou atenção nos leões?

Para saber mais sobre Napoleão, leia seus aforismos, publicados em Manual do líder e também Napoleão – como fazer a guerra com as máximas e pensamentos de Napoleão recolhidas por ninguém menos do que Honoré de Balzac.

“Ferragus”: crimes e intrigas numa Paris assolada por tragédias e paixões

Desde que o remake da novela “O Astro” começou, o nome “Ferragus” caiu, digamos, na boca do povo. Mas talvez nem todos os telespectadores saibam que o misterioso mentor de Herculado Quintanilha, personagem agora vivido por Francisco Cuoco (e que não existia na versão original da novela), certamente foi inspirado em uma criação de Honoré de Balzac. E não só seu nome como também suas atitudes. Tanto é assim que, em uma das primeiras cenas de “O Astro”, Ferragus fala para Herculano: “Todos os seres humanos querem ser enganados, sobretudo as mulheres…”

Talvez esta frase pudesse estar em um dos livros de Balzac. Mas isso não significa que ele não amasse o sexo oposto. Amava muito, assim como amava Paris. Sobre a Comédia Humana, monumental conjunto de textos composto 89 romances (entre eles “Ferragus“), se disse que – caso tirassem as mulheres – desabaria o monumento. Tirassem os homens, mesmo assim seria uma obra-prima. Claro que é um exagero. Mas mostra que são as mulheres que dominam e dão força e sentido a este definitivo monumento da literatura ocidental. Boa parte da imensa obra de Balzac, escrita compulsivamente em menos de 20 anos, tem a presença impressionante da cidade de Paris. Ela paira sobre os livros com seu charme suntuoso, interagindo com os personagens através de suas sombras, suas ruelas sinistras, enlameadas, seus palácios e seus fiacres soturnos que cruzam as madrugadas.

Em “Ferragus” não é diferente. O personagem título – chamado de “O chefe dos devoradores” é o misterioso líder de uma sociedade secreta parisiense. Mas ele não é o único a se enredar nas tramas balzaquianas, como bem mostra o texto de apresentação da edição da L&PM: “Uma mulher, generosa e bela como um anjo, suspeita de adultério; um jovem oficial que se lança na mais vã e desastratada das investigações; um agente de câmbio perdido nos tormentos da paixão; uma soma de dinheiro que ninguém explica; uma sociedade secreta (Os Treze) na qual os membros se protegem para usufruir do poder ao seu bel prazer; duelos, assassinatos, suicídios; e como pano de fundo, como gigantesco e febril teatro de todas as paixões, a cidade de Paris nos incandescentes anos da Restauração da Monarquia. Todo Balzac já está aqui em Ferragus, que é considerado uma das etapas essenciais da grande obra balzaquiana, um dos romances fundadores da Comédia Humana.”