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Joseph Conrad: mais do que um escritor, um personagem

O premiado escritor colombiano Juan Gabriel Vásquez é fã de Joseph Conrad. Mais do que isso: é seu biógrafo. Mais do que isso ainda: Conrad é um dos principais personagem do livro de Vásquez, História secreta de Costaguana, romance de ficção publicado pela L&PM em 2011. Em História secreta Vásquez cria uma trama em que um tal José Altamirano conhece Conrad durante a construção do canal do Panamá. Do encontro dos dois surge o que poderia ser chamado de um dos grandes roubos da literatura: a apropriação indevida por Conrad da vida de Altamirano para criar a famosa obra Nostromo. Tudo fruto da imaginação de Juan Gabriel Vásquez. Mas que usou o seu vasto conhecimento sobre a vida, a obra e a personalidade de Conrad para inseri-lo na trama.

“(…) um dos contrabandistas era um jovem dois anos mais moço que eu, camareiro com salário nominal, de origem nobre, de crenças católicas e jeito tímido, cujo sobrenome era impronunciável para o resto da tripulação e cuja cabeça já começava, clandestinamento, a arquivar o visto e o ouvido, a conservar casos, a classificar personagens. Porque sua cabeça (embora o jovenzinho ainda não o soubesse) era a cabeça de um contador de histórias. Será preciso que lhes diga o óbvio? Tratava-se de um tal Korzeniowski, de nome Jozef, de nome Teodor, de nome Konrad.

Conrad, quando ainda era Korzeniowski, aos 17 anos

Jozef Teodor Konrad Korzeniowski – futuro Joseph Conrad – nasceu em 3 de dezembro de 1857. Aos 17 anos, virou marinheiro. Em 1878, depois de uma tentativa frustrada de suicídio, passou a servir em um barco britânico para escapar do serviço militar russo. Aprendeu a falar inglês com apenas 21 anos, idioma que dominaria de tal forma que seria considerado um dos maiores escritores da língua inglesa. Conrad usou suas experiências para escrever obras como o maravilhoso O coração das trevas, livro que serviu de inspiração para Coppola em “Apocalipse now”. Além dele, a Coleção L&PM Pocket publica, de Conrad, A linha de sombra, A flecha de ouro, Juventude e Os duelistas. Conrad morreu em 3 de agosto 1924. Aliás, o livro de Vásquez começa justamente com a notícia de sua morte:

Melhor dizer de uma vez: o homem morreu. Não, não basta. Serei mais preciso: o Romancista (assim mesmo, com maiúscula) morreu. Vocês já sabem de quem estou falando. Não é mesmo: Bom, vou tentar de novo: o Grande Romancista da língua inglesa morreu. O Grande Romancista da língua inglesa, polonês de nascimento e marinheiro antes de escritor, que passou de suicida fracassado a clássico vivo, de vulgar contrabandista de armas a Joia da Coroa Britânica, morreu. Senhoras, senhores: Joseph Conrad morreu.

Retrospectiva: os destaques de 2012

E lá se foi 2012. Deixando boas lembranças e ótimos livros no catálogo L&PM. Foram muitos os lançamentos em formato convencional e pocket. Aqui, destacamos um para cada mês do ano que está terminando, de dezembro até até janeiro.

DEZEMBRO – Não tenho inimigos, desconheço o ódio, de Liu Xiaobo. Por que é destaque: o chinês Liu Xiaobo é um escritor, intelectual, ativista e professor que foi condenado a 11 anos de prisão por suas ideias. Prêmio Nobel da Paz 2010, pela primeira vez seus textos foram reunidos e publicados no Brasil, apresentando uma China que o ocidente ainda não conhece.

NOVEMBRO – Allen Ginsberg e Jack Kerouac: as cartas. Por que é destaque: o livro reúne a correspondência trocada entre os dois escritores beats durante mais de 20 anos. As quase 500 páginas que separarm a primeira da última carta oferecem “uma das mais frutíferas fusões de vida e obra da literatura do século 20” conforme disse a Folha de S. Paulo.

OUTUBRO – Um lugar na janela, de Martha Medeiros. Porque é destaque: a autora de Feliz por nada compartilha com seus leitores as mais afetuosas memórias de viagens feitas em várias épocas da vida, aos vinte e poucos anos e sem grana, depois, já mais estruturada, mas com o mesmo espírito aventureiro.

SETEMBRO – A interpretação dos sonhos, de Sigmund Freud. Por que é destaque: pela primeira vez no Brasil traduzida direto do alemão, a obra maior de Freud chegou à coleção L&PM Pocket em dois volumes coordenados por psicanalistas e professores de renome e que incluindo notas e comentários que Freud adicionou ao longo da vida, mais exclusivo índice de sonhos, nomes e símbolos.

AGOSTO – Guerra e Paz, de Tolstói, na Série Clássicos da Literatura em Quadrinhos. Por que é destaque: no caso de Guerra e Paz, uma obra bastante extensa, a adaptação para HQ é muito impressionante. “Coleciono HQs, de forma intensa, desde 1958. Nunca, nesses anos todos, vi ou ouvi falar de Guerra e Paz no formato de quadrinhos. Qualquer roteirista, mesmo com experiência e capacidade, deve ter sonhado com essa aventura louca.” disse Goida a respeito do livro.

JULHO – Os filhos dos dias, de Eduardo Galeano. Por que é destaque: inspirado na sabedoria dos maias, Galeano escreveu um livro que se situa como uma espécie de calendário histórico, onde de cada dia nasce uma nova história. Provocante, intenso e sensível como toda obra do escritor, os textos formam uma colcha de retalhos costurada com poesia, emoção e concisão.

JUNHO – Uma breve história da filosofia, de Nigel Warburton. Por que é destaque: a filósofa e escritora Sarah Bakewell definiu este livro como um “manual de existência humana em que poucas vezes a filosofia pareceu tão lúcida, tão importante, tão válida e tão fácil de nela se aventurar”. Partindo da tradição iniciada com Sócrates, o autor traz dados interessantes sobre a vida e o pensamento de alguns dos mais instigantes filósofos de todos os tempos.

MAIO – História secreta de Costaguana, de Juan Gabriel Vásquez. Por que é destaque: Juan Gabriel Vásquez foi um dos convidados da Flip 2012 – Festa Literária Internacional de Paraty. Misturando fatos históricos e ficção, Vásquez cria uma história em que o escritor Joseph Conrad é um dos personagens e que tem como pano de fundo a construção do Canal do Panamá.

ABRIL – Simon’s Cat, de Simon Tofield. Por que é destaque: em abril, Simon’s Cat foi publicado pela primeira vez no Brasil. O gato que não tem nome definido é o mais famoso felino do Youtube. Depois de Simon’s Cat – As aventuras de um gato travesso e comilão, em novembro deste ano foi lançado o segundo volume da série: Simon’s Cat – Em busca de aventura.

MARÇO – Erma Jaguar, de Alex Varenne. Por que é destaque: esta HQ luxo traz todas as aventuras de Erma Jaguar, personagem criada pelo notável ilustrador Alex Varenne. Erma é uma espécie de “madame” moderna que à noite, vestindo seu corpete preto e dirigindo seu carro, vai satisfazer todas as suas fantasias. Insaciável, ela enlouquece homens e mulheres de todos os tipos.

FEVEREIRO – Diários de Andy Warhol. Por que é destaque: esta nova edição dos Diários do artista pop Andy Warhol, dividida em dois volumes em formato de bolso (e reunidos em uma caixa especial), marcou a entrada da Coleção L&PM Pocket na casa dos 1.000 títulos. Um dos mais reveladores retratos culturais do século XX, Diários de Andy Warhol soma mais de mil páginas de glamour, fofocas e culto às celebridades.

JANEIRO – 1961 – O golpe derrotado, de Flávio Tavares. Por que é destaque: este livro conta como um movimento de rebelião popular paralisou e derrotou o golpe de Estado dos ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica e evitou a guerra­ civil. Escrito por um jornalista que testemunhou e participou do Movimento da Legalidade junto a Leonel Brizola,­ então governador­ do Rio Grande do Sul.

Paraty é uma cidade poética

Paraty é a soma de casas históricas, pedras irregulares, cores vibrantes, águas calmas. E se isso não bastasse para dar vontade de versejar, há ainda um príncipe (D. João de Orleans e Bragança – descendente de D. Pedro) que ali vive cercado de uma natureza abençoada que cheira a cachaça dourada, coco maduro e peixe fresco. Em época de Flip – a festa literária – quando o movimento deixa as ruas congestionadas de gente, a cidadezinha fica mais internacional e pulsante do que nunca. Para os que vivem do turismo, é um prato cheio. Já para os que só estão por lá em busca de sossego, é uma espécie de pesadelo. O evento não dura muito, somente cinco dias, mas o suficiente para que a literatura penetre por todos os poros das pedras polidas nas ruelas. Este ano, na décima edição da Flip, novamente grandes escritores do mundo, autores de diferentes etnias e sotaques, ali se reuniram como numa grande fraternidade. O colombiano Juan Gabriel Vásquez, autor de Os informantes e História Secreta de Costaguana (editados pela L&PM), foi um dos convidados. E assim como seus colegas de letras, ele apaixonou-se por Paraty. Paraty, que tem um pé em Paradise, Paradies, Paradis, Paradijs e todas as outras formas e idiomas de se chegar ao “paraíso”. (Paula Taitelbaum)

As águas de Paraty

O céu de Paraty

Árvore de livros em Paraty

Painéis da Flip com Millôr Fernandes em primeiro plano

A conferência com a participação de Juan Gabriel Vásquez (no centro e no telão)

Fotos: Nanni Rios

Ficção, história, frases e Flip

Por Paula Taitelbaum*

Empolgante, esclarecedora, engraçada. Se eu precisasse resumir em três adjetivos o encontro que reuniu os escritores de língua espanhola Juan Gabriel Vásquez e Javier Cercas, talvez escolhesse estes. Mas, pensando bem, eles não fariam jus a tudo o que se ouviu na Tenda dos Autores da Flip na quinta-feira à tarde. Com o tema “Ficção e História” e a mediação de Angel Gurría-Quintana, a conferência começou com a leitura de trechos de livros de ambos os escritores. Com seu espanhol claríssimo e deliciosamente sonoro, Vásquez leu um trecho de “História Secreta de Costaguana” (L&PM Editores), seguido de Cerca que leu um trecho de seu livro.

Os escritores Javier Cercas, Juan Gabriel Vásquez (ao centro e no telão) e o mediador Angel Gurría-Quintana

A partir de então, totalmente entrosados, os dois autores presentearam a plateia com ótimas frases. Anotei algumas de Juan Gabriel para compartilhar aqui no blog:

“Toda novela é a construção de uma voz, mas algumas dessas vozes são mais parecidas com a nossa”

“A voz de ‘Os informantes’ é mais parecida com a minha, já ‘História Secreta de Constaguana’ é um capricho, uma reflexão de como, por que e o que se passa quando escrevemos uma história”

“Temos que evitar a tentação de nos embasarmos no que as pessoas já conhecem. A novela como gênero, diferente do romance histórico, deve criar uma nova realidade, reinventar o mundo. A novela conta as coisas como poderiam ter sido e não exatamente como se passaram. Há a liberdade de distorcer.”

“Minha novela é uma espécie de metáfora histórica”

“A verdade histórica é factual e concreta. A verdade literária é abstrata, universal, fala do que ocorre com os homens em qualquer lugar. Há aqueles que misturam os dois e buscam a verdade literária e histórica”

“W. Somerset Maugham já dizia que há três regras para escrever novelas, o problema é que ninguém sabe quais são elas.”

“Já disse E. Doktorou: o romancista histórico é aquele que finge que existem mais documentos históricos do que realmente existe”

“Tudo é mais complicado. O novelista quer iluminar o que não sabemos”

“A literatura é como um fósforo no meio do campo escuro. Ele não serve para iluminar, mas para mostrar o quanto de escuridão existe”

“Toda novela é uma crítica à novela que a precede” (Referindo-se a suas próprias novelas)

“O passado não passa nunca, ele nem sequer passou” (Citando William Faulkner)

Itabira em Paraty: o primeiro dia da Flip

Por Nanni Rios*

Nem o voo atrasado e uma tarde inteira de viagem por terra foram capazes de ofuscar o brilho de Paraty em dia de festa. E, felizmente, apesar dos contratempos, conseguimos assistir à conferência de abertura da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, que este ano homenageia o poeta Carlos Drummond de Andrade. Itabira deixou de ser só mais uma fotografia na parede e, ontem, virou cenário para a fala do escritor Silviano Santiago, que recebeu do curador da Flip, Miguel Conde, a missão de fazer um panorama da vida e da história de um dos poetas mais importantes das letras brasileiras.

Antônio Cícero e Silviano Santiago na conferência de abertura da Flip (fonte: JB)

Drummond nasceu em 1902, quase junto com o século 20 – que Silviano Santiago chamou de “seu irmão mais velho”, cresceu com ele, acompanhou suas transformações, viveu seus traumas e se refez junto com ele no pós-guerra. E para completar a homenagem, o poeta e filósofo Antonio Cícero recitou o poema “A flor e a náusea” e nos ofereceu em seguida uma releitura mais íntima, estrofe por estrofe, adentrando meandros e particularidades da escrita de Drummond e vertendo o significado mais delicado e, por vezes, oculto de cada verso.

E por fim, poesia e sintetizadores: o show do “lião” do norte Lenine fechou a primeira noite da Flip com chave de ouro.

E hoje a festa continua! O destaque da programação do dia é a mesa sobre “Ficção e história” com Juan Gabriel Vásquez, que está lançando seu novo livro História secreta de Costaguana aqui na Flip, e Javier Cercas.

*Nanni Rios é editora de mídias sociais da L&PM Editores e compartilha os melhores momentos da Flip no Facebook (LePMEditores), no Twitter (@LePM_Editores) e no Instagram (@lepmeditores). Acompanhe!