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Um tiro no coração de Vargas

Em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas saiu da vida e entrou definitivamente para a história. O presidente mais lembrado (e por muitos mais amado) do Brasil deu um tiro no próprio coração. Em 1964, quando completou dez anos de seu suicídio, o já reconhecido jornalista Hélio Silva deu início à publicação de “O Ciclo de Vargas”, um conjunto de 16 volumes que somam quase sete mil páginas que começa com 1889: A República não esperou o amanhecer e vai até 1964: Golpe ou contragolpe. Escritos em colaboração com a historiadora Maria Cecília Ribas Carneiro, essa monumental série traz os personagens, fatos, registros oficiais, depoimentos,  documentos (muitos deles descobertos e trazidos à luz por Hélio Silva), narrados de forma impecável e atraente.

Entre 2004 e 2005, a L&PM reeditou quatro dos títulos de “O Ciclo de Vargas”: 1889: A República não esperou o amanhecer; 1922: Sangue na areia de Copacabana; 1926: A grande marcha e 1954: Um tiro no coração (publicado atualmente em pocket). Na década de oitenta, já havia saído 1964: Golpe ou contragolpe, outro livro da série. E publicar todos eles na Coleção L&PM Pocket, está nos planos da editora.

As medalhas têm duas faces. É comum que em uma delas figure o desenho de uma máquina, o símbolo da realização. A outra estampa a efígie de quem se pretende homenagear, Vargas teve sua efígie profusamente reproduzida em retratos, painéis, medalhões, notas de dinheiro, moeda. Se pretendessem cunhar uma medalha, depois de 24 de agosto, em um dos lados figuraria um poço de petróleo, um forno siderúrgico, a Eletrobrás, um símbolo da política de desenvolvimento, que marca a passagem de Vargas na direção dos negócios públicos do Brasil. Na outra, deveria ficar uma recordação do combate que sofreu, dos obstáculos que enfrentou, da campanha de silêncio do que fazia de bom, para lhe atribuírem todos os crimes de todos os criminosos, e essa imagem poderia ser a última que o povo teve de sua presença física, tombado no leito de morte, com uma bala ferindo o coração. (De 1954: Um tiro no coração, de Hélio Silva)

Hélio Silva foi um homem singular. Antes de se dedicar ao jornalismo, foi um urologista respeitado no Rio de Janeiro. Testemunha ocular da Era Vargas, em 1949, a convite de Carlos Lacerda, assumiu o cargo de redator-chefe da Tribuna da Imprensa. E foi justamente no jornal de Lacerda que ele começou a publicar suas pesquisas de história contemporânea. Era uma homem extremamente católico, modesto, suave e generoso. E um grande trabalhador. Em 1990, resolveu renunciar a todos os bens materiais, fez voto de pobreza e passou a ser monge beneditino recolhido no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, onde morreu em 21 de fevereiro de 1995, aos 91 anos.

De Hélio Silva, a Coleção L&PM Pocket publica ainda Vargas uma biografia política.

53. Três gerações de amizade e parceria

Por Ivan Pinheiro Machado*

Carlos Augusto Lacerda, meu amigo, dublê de surfista e brilhante editor, foi a terceira geração na proa da editora Nova Fronteira, esta que foi uma das maiores e mais importantes do mercado brasileiro. Pois coube a ele, em 2008, a dura missão de vender o respeitado e admirado negócio familiar para o grupo Ediouro.

Hoje, Carlos Augusto segue com o mesmo entusiasmo à frente da Editora Lexikon, especializada em livros de referência e dicionários em geral, com a autoridade do know how adquirido como editor do célebre Aurélio. Foi na editora Nova Fronteira que o mais famoso dicionário brasileiro adquiriu o respeito e a celebridade que goza até hoje.

Carlos Lacerda

A história da L&PM, em mais de 30 anos, se entrelaça ocasional e sistematicamente com a história dos editores Lacerda. Em 1974, Lima e eu chegávamos ao Rio de Janeiro com pouco mais de 20 anos para procurar um distribuidor para nossa recém fundada editora, que possuía apenas três livros em seu catálogo. Tínhamos uma carta de recomendação do jornalista e intelectual Mario de Almeida Lima (pai de Paulo Lima, o “L” da L&PM) ao seu amigo Carlos Lacerda, ex-governador do Rio de Janeiro, protagonista da cena política brasileira durante mais de três décadas. Nós queríamos que a Nova Fronteira distribuísse nossos livros no Rio. Lembro bem quando o Lima e eu chegamos no casarão de Botafogo, sede da editora, para a esperada entrevista com Carlos Lacerda. Defenestrado pela ditadura militar de quem se tornara inimigo, longe da linha de frente da política, Lacerda dedicava-se à sua editora e à pintura. Estávamos no jardim do casarão, quando vimos um homem grande atravessando o pátio e carregando, com uma certa dificuldade, uma grande tela de pintura. Ele parou e ficou nos olhando. Estávamos imobilizados diante daquela figura histórica. Afinal, era raro o dia em que não aparecia, estampado nos jornais, a sua foto de dedo em riste ou sua caricatura desenhada por algum dos grandes cartunistas do país.

Carlos Lacerda não agiu como o exuberante orador que conhecíamos pela imprensa. Muito pelo contrário. Mansamente, perguntou o que queríamos. O Lima identificou-se e ele abriu um sorriso ao ouvir o nome do seu amigo Mario de Almeida Lima. E a partir de então, naquele distante 1974, a Nova Fronteira passou a distribuiu nossos livros. Alguns anos depois, estabelecemos um contrato de exclusividade com um distribuidor e encerramos nossas relações comerciais.

Uma década mais tarde, tornei-me amigo de Sérgio, filho de Carlos Lacerda, que assumia com seu irmão Sebastião, o comando da empresa familiar. Foram muitas lembranças divertidas e agradáveis em conversas, jantares e churrascos pelo Rio Grande, Rio, Lisboa, Paris e principalmente Frankfurt, onde convivíamos todos os anos. Sérgio morreu aos 52 anos deixando-nos carentes de sua amizade e de sua liderança. Coube a ele comandar o grande salto da Nova Fronteira na década de 80. Ele trouxe para sua editora os principais autores brasileiros, recém saídos da então agonizante editora José Olympio. O seu ótimo catálogo foi então reforçado por Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Jorge de Lima, Josué Montello, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, João Cabral de Mello Neto entre outros.

É aí que entra o nosso amigo Carlos Augusto Lacerda, terceira geração de editores, filho de Sérgio. Com ele firmamos as parcerias entre Nova Fronteira e L&PM POCKET, publicando Agatha Christie e Georges Simenon na nossa coleção de bolso. No final da década de 2010, ao sair da NF, Carlos Augusto fundou a Lexikon e nós retomamos – como velhos amigos – a nossa parceria. Deste vez com o prestigiado dicionário Caldas Aulete (“Aulete de bolso”) e outros livros de referência como “Dicionário de dificuldades da língua portuguesa” de Domingos Paschoal Cegalla, e “Gramática do português contemporâneo” de Celso Cunha.

Aulete de bolso, o dicionário que é uma parceria com a Lexikon, editora de Carlos Augusto Lacerda

Nós aqui na L&PM, que tivemos o privilégio de conviver com estas três gerações de editores, nos sentimos gratificados, pois fomos testemunhas da formação de uma das grandes editoras brasileiras. Uma família que soube conduzi-la por quatro décadas e deixou mais do que um grande acervo editorial, um exemplo de correção profissional, talento editorial e generosidade no trato e na relação com seus amigos.

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo terceiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.