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Duas opiniões sobre a Alice de Burton

O frenesi para ver a adaptação de Tim Burton de Alice no País das Maravilhas levou a Paula, coordenadora do núcleo de comunicação da L&PM, e a Tássia, assessora de imprensa, ao cinema no final de semana de estreia do filme no Brasil. As impressões das duas a gente publica agora:

Que país das maravilhas é esse?

Por Paula Taitelbaum
Eu juro que fui preparada para assistir a uma versão da história. Juro que eu sabia que, para gostar do filme, teria que deixar o mundo literário e entrar de cabeça no mundo visual (e virtual). Eu já tinha sido avisada – e bem avisada pela mídia – de que a Alice de Burton era outra. Mesmo assim, não adiantou. Como grande amante do livro, não consegui gostar do filme. Acho até que prefiro a primeira versão da Disney.
Mas nem tudo me desagradou, é claro. O figurino de Alice é dos melhores. E desde que a moça entra na toca do coelho, troca de roupa cada vez que diminui ou aumenta de tamanho, o que acontece várias vezes. Até a armadura com a qual ela enfrenta o dragão malvado é digna de uma diva pop. Mas tirando isso, saí com a sensação de que é muito marketing para pouco enredo.
Na minha humilde opinião (essa pseudocrítica não passa de algo pessoal com a qual você tem todo o direito de não concordar), o que mais me irritou foi a luta do bem contra o mal. Enquanto no livro não há mocinhos e bandidos, no filme há heróis e vilões. No País das Maravilhas original todos são malucos, mas em suas maluquices ironizam o mundo real de forma inteligente. É impossível não rir quando se lê o livro. No País das Maravilhas de Tim Burton, os loucos, com destaque para o Chapeleiro Johnny Deep, são melancólicos párias dignos de pena. E piedade não me parece um sentimento que Lewis Carroll quisesse estimular. Mas daí voltamos ao início: o filme propõe-se a ser uma versão, não uma adaptação.
Só que a adaptação de Burton, volto a repetir, não me convenceu. Mesmo sendo gótico, o diretor é norte-americano demais para a inglesa Alice. Na verdade, acho até que ele se enganou de filme: o que Burton fez foi filmar O Mágico de Oz. Assista ao filme e depois me diga: Alice não está mais pra Dorothy? O Chapeleiro não está a cara de um espantalho? A Rainha Branca não é igualzinha à Bruxa Boa do Leste? A Rainha Vermelha não poderia ser a Bruxa Má do Oeste?
Mas não desanime: minha filha de nove anos gostou…


Alice para crianças. Só para crianças.

Por Tássia Kastner
Na edição de bolso de Alice no País das Maravilhas, publicada pela L&PM, a obra é apresentada como “O mais estranho e fascinante livro para crianças (só para crianças?)”. O sucesso da história através dos séculos, entre adultos e crianças, está em não ter solução para as perguntas. Tim Burton, em sua adaptação para o cinema, tem uma resposta: sim, só para crianças.
Porque a história que nos conta o aclamado diretor é uma narrativa linear, permeada por todos os principais elementos já consolidados no imaginário popular sobre o que é a história da Alice de Lewis Carroll. Uma menina, um coelho branco, um chapeleiro, um gato risonho, rainhas, charadas. Tudo isso está lá, devidamente organizado. Para Tim Burton, Alice tem 19 anos, está prestes a ser pedida em casamento, diz que precisa de um tempo para pensar e sai a perseguir um coelho – aquele coelho que todos conhecemos. O caminho, como também sabemos, a levará ao buraco “porta de entrada” do mundo que teimava em existir em seus sonhos desde os cinco anos – primeira vez que estivera no País das Maravilhas.
A partir daí, muitas cenas de ação, típicas dos clássicos infantis e infanto-juvenis da Disney. O visual, todos sabem, enche os olhos, a linguagem 3D é muito bem explorada e sem excessos. A queda de Alice no buraco é um brilhante jogo de perspectiva e faz o 3D finalmente ser mais do que uma profusão de objetos saltando da tela em direção ao espectador.
Quem pouco aparece é o Senhor Tempo, com exceção da cena do chá, quando à mesa, todos dizem que aguardavam Alice para a batalha que os libertaria daquele dia em que ela estivera lá pela última vez. Alice mal sabe que está atrasada. Responde sem dúvidas à pergunta da lagarta azul: Sou Alice. A charada insolúvel vira quase um bordão repetido ao longo do filme, e ela não ter resposta já não é uma perda de tempo.
Com um roteiro desprovido da fantasia do original de Carroll, restam apenas as perseguições e as atuações cuidadosamente afetadas de Johnny Depp e de Helena Bonham Carter. Já Tim Burton está ali quase que somente pelas peles pálidas e olheiras, sua herança expressionista, como se o excesso de cores do País das Maravilhas tivesse tirado as formas e a estética que consagraram o diretor. As árvores e seus troncos retorcidos são o que de mais próximo há na linguagem tradicional do cineasta (bem parecido com Noiva-Cadáver, animação de 2005).
A beleza do cenário e o uso das cores são o mais interessante das duas horas de filme. Ainda que não seja o melhor de Tim Burton, a estética do diretor ainda faz valer o ingresso do cinema. Já o onírico e fantástico mundo de Alice, esse é melhor buscar nos livros.