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Julio Cortázar na lista negra dos militares

Na semana passada, o Ministério da Defesa da Argentina divulgou as chamadas “listas negras” que trazem os nomes de personalidades consideradas perigosas pela ditadura. Entre eles está o do escritor Julio Cortázar.

Os papéis são parte de 1.500 documentos encontrados no subsolo do Edifício Condor, sede da Força Aérea do país.

Na lista, além de escritores, estão jornalistas, intelectuais, artistas, professores, advogados e locutores. Outros que aparecem entre os possíveis inimigos do governo militar da época são o da cantora Mercedes Sosa e da atriz Norma Aleandro.  

Os documentos encontrados incluem ainda 280 atas secretas da junta militar, informações sobre a relação entre o Chile e o Reino Unido e documentos comprovando que os militares ajudaram o jornal “Clarín” a comprar parte da Papel Prensa, maior empresa de papel-jornal do país. A ditadura argentina foi de 1976 a 1983.

Julio Cortázar faleceu em 1984, um ano depois do fim da ditadura na Argentina

Julio Cortázar faleceu em 1984, um ano depois do fim da ditadura na Argentina

 De Julio Cortázar, a L&PM publica A autoestrada do sul e outras histórias.

No dia 12 de novembro às 17h na Feira do Livro de Porto Alegre acontecerá o bate-papo Cortázar: tradução e criação na literatura hispano-americana, com a participação do organizador do livro, Sergio Karam, e da tradutora Heloisa Jahn.

Sarau para Cortázar em Porto Alegre

Nesta quarta-feira, dia 28 de agosto, será realizado um sarau em homenagem a Julio Cortázar em Porto Alegre, na Palavraria Livros & Cafés a partir das 19h. Um dos convidados para o encontro é o organizador da coletânea A autoestrada do sul e outras histórias, Sérgio Karam, ao lado de Lígia Sávio, Jeferson Tenório e Gabriela Silva.

Assista à entrevista que Sérgio Karam concedeu à L&PM WebTV:

 

Cortázar antes de Cortázar

Os mistérios começam com a dúvida a respeito do dia exato de seu nascimento: 24 ou 26 agosto?  Bem, até que alguém desencave a certidão de nascimento do cidadão, o que temos é que Julio Florencio Cortázar nasceu em fins de agosto de 1914, em Ixelles, um subúrbio de Bruxelas, na Bélgica, em pleno início de um conflito sangrento que ficaria conhecido como a Primeira Guerra Mundial. Ao contrário do que habitualmente se lê nos resumos biográficos do autor, seu nascimento naquele país nada teve de acidental: seus pais, os argentinos Julio José Cortázar e María Herminia Descotte de Cortázar, junto com a avó materna do futuro escritor, Victoria Gabel, haviam chegado ali um ano antes, numa tentativa de se estabelecer na Europa. O fato é que Julio José havia sido convidado pelo sogro para administrar em Bruxelas a filial de sua firma de importação de móveis de luxo, um trabalho que não tinha nada a ver com qualquer missão comercial associada aos meios diplomáticos argentinos, outro mito repetido à exaustão na maioria das biografias de Cortázar.

Com o prosseguimento da guerra, e com a  Bélgica ocupada pelas tropas alemãs, o plano acabou não dando certo: buscando refúgio num país neutro, a família, com María Herminia grávida de Ofelia, chega a Zurique, na Suíça, em outubro de 1915. Menos de dois anos depois, em junho de 1917, os Cortázar abandonam a Suíça, estabelecendo-se por algum tempo em Barcelona, de onde finalmente regressam à Argentina, em algum momento entre 1918 e 1920, quando a Grande Guerra já havia terminado. Aqui, mais um mistério (ou dois): não se conhece nem a data exata do regresso da família a Buenos Aires, nem se sabe se o pai de Cortázar ainda fazia parte do grupo familiar.

O certo é que, já sem a presença de Julio José Cortázar, a partir de 1920 a família se instala no subúrbio de Bánfield, a mais de quinze quilômetros do centro de Buenos Aires, numa casa comprada por Victoria Gabel, a matriarca da família. É nesta casa que Julio Cortázar vai passar toda a infância e a adolescência, sempre rodeado de mulheres: a avó, a mãe, a irmã Ofelia e, por algum tempo, uma prima de sua mãe, Etelvina. Este ambiente sobrecarregado da presença feminina será recordado mais tarde em contos como “Os venenos, de Final de jogo, e em muitos outros. (…)

O pequeno Julio Cortázar com sua irmã Ofelia

O ainda pequeno Julio Cortázar com sua irmã Ofelia

Julio Cortázar e sua mãe

Julio Cortázar e sua mãe

Trecho inicial da apresentação de Sérgio Karam para A autoestrada do sul & outras histórias, de Julio Cortázar (1914-1984). Karam também foi responsável por selecionar os contos do livro.

Passe Livre

Blog da Folha – Por Elekistão (Cassiano Elek Machado) – 14/08/13

Ninguém descreveu melhor um engarrafamento do que Julio Cortázar. No primeiro conto de “Todos los Fuegos el Fuego” (que título, não, senhoras e senhores?), o escritor franco-argentino descreve um congestionamento que dura meses, numa estrada que leva Fontainebleau a Paris. A boa nova é que o mais bonito trânsito da literatura mundial está de volta, em nova edição, a este congestionado país tropical. “A Autoestrada do Sul & Outras Histórias” (org. Sérgio Karam, tradução Heloisa Jahn, 21 tostões) é o nome de uma coletânea de contos que a editora gaúcha L&PM publica estes dias, em formato de bolso — cabe em qualquer porta-luva).

Engarrafamento com 13 mil carros de brinquedo em Madrid

Engarrafamento com 13 mil carros de brinquedo em Madrid

Escrita em 1964, “Autopista del Sur” é uma descrição minuciosa de um gigantesco  nó de carros, enlaçados sob o sol de agosto (e eu cito: “…O sol, que se punha do lado esquerdo da rodovia, derramava sobre cada automóvel uma última avalanche da geleia alaranjada que fazia ferver os metais e ofuscava a vista, sem que jamais uma copa de árvore desaparecesse completamente atrás de nós, sem que a outra sombra entrevista à distância se aproximasse a ponto de mostrar sem a menor dúvida que a massa de automóveis estava se movendo nem que fosse um pouquinho..”).

Os personagens do conto não têm nomes: cada um é tratado de acordo com o carro onde está empacado. Há o engenheiro do Peugeot 404, o homem pálido e solitário do Caravelle, os recém-casados do Volkswagen. Nas primeiras horas, cinco horas, eles avançam uns 50 metros (segundo os cálculos do engenheiro do Peugeot). Mas não muito mais nas horas e dias seguintes. E vem a fome, e a sede, o frio, o sono, as necessidades fisiológicas.

Pouco a pouco, a “sociedade” do engarrafamento vai se organizando. Um consegue água, outro, cobertores, uma das freiras à bordo do 2HP descola um sanduíche de presunto, enquanto o Ford Mercury e o Porsche traficam mantimentos. Motoristas se conhecem, se apaixonam, alguns até morrem.  E eis que, de golpe, do mesmo modo fantástico como havia se formado, a enorme maçaroca de carros começa a se mover.  E então…

“…todos corriam a 80 km/h na direção das luzes que cresciam pouco a pouco, já sem que se soubesse direito para que tanta pressa, para que tanta correria na noite entre carros desconhecidos onde ninguém sabia nada dos outros”

O jovem Cortázar, preparando-se para encarar um engarrafamento

O jovem Cortázar, preparando-se para encarar um engarrafamento

Numa entrevista dada muitos anos depois sobre o conto, Cortázar (1914-1984) contou a origem (e sua leitura crítica) da história.

“Estava na Itália e li um ensaio que afirmava que os trânsitos não tinham nenhuma importância: me pareceu superficial e frívolo dizer isso. Os engarrafamento são um dos signos mais negativos desta triste sociedade em que vivemos, que provam a contradição com a vida humana, a busca pela desgraça, a infelicidade, a exasperação através da grande maravilha tecnológica que é o automóvel. Ele deveria nos dar a liberdade e está nos trazendo as piores consequências. Nunca havia estado num congestionamento quando escrevi o conto. É curioso que alguns meses depois de ter escrito a história passei por isso. Estive durante cinco horas numa estrada de uma província francesa num engarrafamento. Descobri com surpresa e com uma sensação de fatalidade que o começo do conto se repete quando você está num verdadeiro congestionamento. Você desce do carro, pede um cigarro para o motorista ao lado, blasfema contra a prefeitura, os automóveis e tudo o mais. E logo há um momento em que começa muito calor e começam os problemas físicos, e vem uma senhora e pede água, porque uma criança está chorando. Foi uma experiência impressionante me ver dentro de meu próprio conto..” 

Soa bastante familiar, não?

P.s. Em agosto de 2010, o conto de Cortázar se materializou numa estrada chinesa, a via que liga Pequim ao Tibete. Um engarrafamento ao longo de 100 quilômetros da rota demorou 11 dias para ser desbaratado. Leia aqui bom texto do escritor espanhol Vicente Verdú sobre o episódio. 

P.s.2  Além de ter exibido sua destreza no congestionamento, Cortázar teve ótima performance em alta velocidade. Em parceria com Carol Dunlop, com quem era casado, ele escreveu no início dos anos 1980 o maravilhoso “Os Autonautas da Cosmopista”, relatando uma viagem pela estrada, de Paris a Marselha. Está esgotado há um par de décadas no Brasil. 

P.s. 3 O livro “A Autoestrada do Sul & Outras Histórias” inclui, pasmem, outras histórias. Entre elas, está a joia “O Perseguidor”, inspirada no saxofonista Charlie Parker, um dos favoritos de Cortázar, ao som de quem estas anotações foram escritas.

Cortázar inspirou Godard

Júlio Cortázar foi enorme. Tinha cerca de dois metros de altura, mãos gigantescas e um fôlego maiúsculo que o levou a tocar trompete. Nasceu na embaixada da Argentina em Bruxelas e, aos quatro anos, retornou à terra de seus pais, de onde saiu em 1951 para se estabelecer em Paris e nunca mais voltar. Seus contos – muitos deles fantasiosos – seguem sendo adorados por uma legião de leitores.  Suas histórias são multitemáticas, há jazz, gatos, velórios, portas que escondem segredos, tango, jogos, estradas… “A autoestrada do sul”, que é um de seus contos mais famosos, dá nome ao livro que, em poucos dias, chegará à Coleção L&PM Pocket. O livro traz este e mais sete contos selecionados por Sérgio Karam e com nova tradução de Heloisa Jahn. E uma curiosidade: “A autoestrada do sul” inspirou Jean-Luc Godard a criar o filme “Weekend”. Leia abaixo o trecho inicial do conto e depois assista ao trailer do filme de Godard:

No começo a garota do Dauphine insistira em contabilizar o tempo, embora para o engenheiro do Peugeot 404 isso já não fizesse diferença. Qualquer um podia consultar o relógio mas era como se aquele tempo preso ao pulso direito ou o bip bip do rádio medissem outra coisa, fossem o tempo dos que não fizeram a besteira de querer voltar para Paris pela autoestrada do sul num domingo à tarde e, logo depois de sair de Fontainebleau, foram obrigados a diminuir a velocidade, parar, seis filas de cada lado (é sabido que nos domingos a autoestrada fica inteiramente reservada aos que regressam para a capital), ligar o motor, avançar três metros, parar, conversar com as duas freiras do 2HP da direita, com a garota do Dauphine à esquerda, olhar pelo retrovisor o homem pálido ao volante de um Caravelle, invejar ironicamente a felicidade avícola do casal do Peugeot 203 (atrás do Dauphine da garota), que se distrai com a filhinha e faz brincadeiras e come queijo, ou tolerar de tanto em tanto as manifestações exasperadas dos dois rapazinhos do Simca que precede o Peugeot 404, e mesmo descer do carro no topo da ladeira e explorar sem se afastar muito (porque nunca se sabe em que momento os carros lá da frente recomeçarão a avançar e será preciso correr para que os de trás não disparem a guerra das buzinas e dos insultos), e assim chegar à altura de um Taunus na frente do Dauphine da garota que verifica a hora a todo momento, e trocar algumas frases desalentadas ou espirituosas com os dois homens que viajam com o menino louro cujo maior divertimento nessas precisas circunstâncias consiste em fazer circular livremente seu carrinho de brinquedo sobre os assentos e o rebordo posterior do Taunus, ou ousar avançar mais um pouco, embora não pareça que os carros da frente estejam prestes a retomar a marcha, e contemplar com um pouco de pena o casal de velhos do id Citroën que parece uma gigantesca banheira roxa na qual sobrenadam os dois idosos, ele descansando os antebraços sobre o volante com ar de paciente cansaço, ela mordiscando uma maçã com mais aplicação que vontade.

Contos que estarão no livro A autoestrada do sul e outras histórias: “A casa tomada”, “O perseguidor”, “A porta condenada”, “Comportamento nos velórios”, “A autoestrada do Sul”, “Manuscrito achado num bolso”, “Tango de volta” e “A escola de noite”.

O jazz era uma cas paixões de Cortázar e está presente em muitas de suas histórias

O jazz era uma cas paixões de Cortázar e está presente em muitas de suas histórias