Diários de Andy Warhol, parte II

Por Antonio Bivar*

No número passado da J.P [revista Joyce Pascowitch] esta coluna deu, com o título “Brasileiros nos Diários de Andy Warhol”, os dias em que Andy comentava seus encontros com brasileiros nas festas nova-iorquinas na década de 1970 e primeiros anos dos 80s. Pelé era o mais citado, mas bem citados também eram Elizinha Gonçalves, Florinda Bolkan, Santos [Dumont] (o relógio de pulso da Cartier) e outros. São pérolas como de resto todo o au jour le jour warholiano. Segundo o jornal inglês The Guardian, “os Diários são sua última grande obra de arte”. E são mesmo. Todas as manhãs, religiosamente Andy Warhol por telefone ditava à Pat Hackett o que rolara na véspera. Hackett gravava e depois editava. Warhol morreu em 1987 e com sua morte o diário parou. Dois anos depois, em 1989, os Diários de Andy Warhol saíram num único volume de mais de mil páginas. No Brasil foi publicado no mesmo ano, pela L&PM, traduzido por Celso Loureiro Chaves. Em 2012, 23 anos depois, a editora lançou os Diários em dois volumes populares L&PM Pocket. Mês passado aqui na revista compilei preciosidades do primeiro volume e agora passo aos do Volume II, que pegam os dias de 1982 a 1987. Não preciso dizer mais sobre os dias agora compilados porque o au jour le jour de Andy Warhol vai direto ao ponto. Gênio. Têm todo o charme de “antigamente a vida era assim”. Vintage.

Quarta-feira, 17 de março, 1982. Jon veio me buscar às 8 da noite e fomos para a casa de Diane von Furstenberg, que estava dando uma festa sem motivo específico, mas acho que talvez fosse para alguém rico da Indonésia.

Domingo, 4 de abril, 1982. Havia um coquetel que Henry estava dando na casa de Anna Wintour, onde ela mora com aquele Michael Stone. Estou começando a achar que talvez Henry não saiba o que seja uma festa elegante, que talvez não tenha ido a muitas. Porque esta festa – quer dizer, nem serviram comida. Era das 6h30 às 8h30 e só serviram bolachinhas. Havia três empregadas, mas e daí? Não tinha comida!

Sábado, 11 de setembro, 1982. Decidi fazer um livro fotográfico de verdade de apartamentos de verdade. Não casas fotográficas como a Architectural Digest faz, mas só mostrando como as pessoas realmente moram. Não é uma boa ideia? Bianca acaba de conseguir um apartamento de dez quartos no El Dorado. Parece um lugar tipo Barbra Streisand.

Segunda-feira, 20 de setembro, 1982. Saí mais cedo para chegar a tempo de ver Lana Turner na Bloomingdale’s. Comprei um de seus livros. E ela disse, “Não sei se quero falar com você, tirei você das minhas orações, você disse que eu era melhor quando não tinha encontrado Deus”. Fiquei num estado de nervos terrível, disse “Ah, não, Lana, você tem que rezar por mim, por favor me coloque de volta nas suas orações!” Finalmente ela autografou o livro e escreveu “Para um amigo?”, com um ponto de interrogação. Lana, seu cabelereiro bicha e eu estávamos todos com o mesmo penteado.

Quarta-feira, 27 de setembro, 1983. Bianca ligou e me convidou para o almoço para o ministro de cultura sandinista da Nicarágua. Era uma mulher. Quer dizer, e aí ela ficou dizendo que a revolução verdadeira está vencendo, que “está chegando a hora do povo”. E, sei lá, é tudo tão abstrato, mas aí aquela noite na festa dos Heinz com todos aqueles ricaços republicanos também fiquei com uma sensação de medo. É como qualquer pessoa que tem poder, não vai querer que ninguém mais tenha.

Domingo, 4 de dezembro, 1983. Depois fomos para o Four Seasons. Apertei a mão de Jackie O., ela nunca mais me convidou para sua festa de natal, é uma cretina. E agora eu nem iria se me convidasse. Eu a mandaria cuidar de seu nariz. Quer dizer, temos a mesma idade, portanto posso dizer-lhe algumas verdades. Embora eu ache que ela seja mais velha do que eu. Mas, aí, acho que todo mundo é mais velho que eu.

Quarta-feira, 2 de maio, 1984. Estou com nojo da maneira como tenho vivido, de todo esse lixo, de levar sempre mais coisas para casa. Tudo o que quero são só paredes brancas e um chão limpo. Não ter nada é a única coisa chique. Quer dizer, por que é que as pessoas possuem coisas? É realmente idiota.

Segunda-feira, 4 de junho, 1984. Tinha que embarcar a “Marilyn”, foi um pouco deprimente. Para aquele tal Saatchi na Inglaterra. Vai ajudar no nosso pagamento da hipoteca e coisas assim, mas não sei se foi uma boa ideia vender.

Domingo, 24 de junho, 1984. Comprei maquiagem na Patricia Field (maquiagem $28,70, táxi $7.50). Comprei vermelho japonês. Mas gosto daquelas coisas da Fiorucci que são apenas uma mancha que dá aos lábios da gente um marrom natural. Porque meus lábios eram tão carnudos e agora não são, desapareceram. Para onde terão ido?

Domingo, 5 de agosto, 1984. Enfim, Jean Michel [Basquiat] queria que eu fosse ver suas pinturas na Great Jones Street, então fomos lá e é um chiqueiro. O amigo dele, Shenge, o negro, mora com ele e deveria estar tomando conta daquilo, mas é um chiqueiro. E tudo cheira a maconha. Me deu algumas pinturas para eu trabalhar. Fui embora (táxi $8).

Terça-feira, 9 de outubro, 1984. Aniversário de Sean Lennon. E fomos para o Dakota. Vigília na frente do prédio porque o dia 9 é aniversário de Sean e de John. Yoko correu para chamar Sean. Fomos para o quarto de Sean – havia um garoto lá instalando o computador Apple que Sean ganhou de presente, o modelo MacIntosh. Eu disse que uma vez alguém tinha me ligado querendo me dar um, mas eu nunca liguei de volta, e aí o garoto me olhou e disse, “Claro, era eu, sou Steve Jobs”. E tem um ar tão jovem, como um universitário. Ele disse que ainda quer me dar um computador. E que vai me ensinar a desenhar com ele. Ainda vem apenas em preto e branco, mas logo vão fazer a cores.

Sábado, 23 de março, 1985. E fiquei seguindo [Greta] Garbo pelas ruas. Tirei fotos dela. Tenho certeza de que era ela. Estava de óculos escuros, um casaco enorme, calças compridas e aquela boca, e ela entrou na loja Trade Horn para conversar com uma mulher sobre TVs. Exatamente o tipo de coisa que ela faria. Aí tirei fotos dela até achar que ela ficaria furiosa e então fui a pé para downtown. Eu também estava sozinho (risos). Sábado, 13 de julho, 1985. Vi aquela coisa, Live Aid, na TV. Jack Nicholson apresentou Bob Dylan e o chamou de “transcendental”. Só que para mim Dylan nunca foi realmente de verdade – sempre copiou pessoas de verdade e as anfetaminas fizeram com que parecesse mágico. Com as anfetaminas ele conseguia copiar todas as palavras certas e fazê-las parecer verdadeiras. Mas aquele garoto nunca sentiu absolutamente nada – (risos) a mim ele nunca enganou.

Segunda-feira, 22 de julho, 1985. Fui à pré-estreia de Beijo da Mulher Aranha (táxi $5). É o filme que Jane Holzer produziu com David Weisman, aquele cara do Ciao Manhattan. Não o suporto, portanto odeio ter que dizer que gostei do filme. Acho que agora as pessoas estão querendo mais filmes de arte, ou algo assim, é a hora certa.

Sexta-feira, 16 de agosto, 1985 – Los Angeles. Foi mesmo o fim de semana mais excitante da minha vida. Fomos de limusine até Malibu e quando vimos os helicópteros lá longe desconfiamos que era por causa do casamento. Uns dez helicópteros estavam ali por cima, era igual Apocalypse Now. Olhei para Madonna bem de perto e ela é linda. E a única celebridade chata mesmo era Diane Keaton. Sean veio nos cumprimentar e a família bonita de Madonna estava lá, todos os irmãos. E dá para perceber que Madonna e Sean se amam muito, foi a coisa mais excitante do mundo. Ah, e quando estávamos indo embora não consegui acreditar: Tom Cruise pulou para o nosso carro para fugir dos fotógrafos. Tirei uma foto dele. Fred e eu achamos que o casamento de Marisa [Berenson] foi mais glamuroso, mas este foi espetacular por causa dos helicópteros.

Sábado, 17 de agosto, 1985 – Los Angeles. E Cher foi divertida. E nos contou que durante o casamento Madonna pediu a ela que lhe ensinasse a cortar o bolo. Cher disse, “Como se eu soubesse”. E aí Madonna ficou passando as fatias com a mão. Sabe, estava sendo “bem terra”.

Quarta-feira, 9 de outubro, 1985. E eu matei uma barata e foi um trauma. Um trauma enorme mesmo. Fiquei me sentindo horrível.

Sábado, 19 de outubro, 1985. Encontrei Bill Katz, que se rasgou em elogios sobre minha exposição conjunta com Jean Michel [Basquiat] na galeria de Tony Shafrazi. Encerra esta semana. Jean Michel está ganhando todos os elogios, não eu. E Tony não está muito contente, parece que não vendeu muita coisa.

Domingo, 3 de novembro, 1985. Ah, e como é que a gente se livra de ficar velho? Minha mãe tinha a idade que tenho agora quando veio para Nova York. Naquela época eu achava que ela era realmente velha. Mas aí ela chegou aos oitenta. Tinha muita energia.

Domingo, 9 de março, 1986. Dizem no Times que Imelda Marcos deixou 3 mil pares de sapatos nas Filipinas. Talvez ela fosse trash. E encontraram material pornô no quarto de Marcos. [E em 16 de março:] E os Marcos ainda estão no noticiário. Agora encontraram 3 mil calcinhas pretas. E a conta deles no Bulgari chegava a $1 milhão.

Sexta-feira, 25 de abril, 1986. Li nos jornais que Grace Jones vai me levar ao casamento Schwarzenegger-Shriver no seu avião, aí acho que Grace ligou para o seu assessor de imprensa e pediu para divulgar. Portanto acho que estamos mesmo indo. Trabalhei nos desenhos de Maria Shriver que vou dar de presente de casamento.

Sábado, 26 de abril, 1986 – Nova York-Hyannis, Massachusetts-Nova York. E apreciando aquele casamento de conto de fadas não dava para deixar de pensar em como vai ser quando chegar a hora do divórcio. Jackie comungou e por isso caminhou por toda a igreja com John-John só para se mostrar. Estava linda. A missa durou uma hora e o casamento levou quinze minutos. Uma mulher cantou “Ave Maria”.

Terça-feira, 14 de outubro, 1986. Briguei com Fred [Hughes]. Ele está ficando cada dia mais parecido com Diana Vreeland. Eu digo que Interview é uma revista pequena e ele diz não não, não é. E não me deixa dar opiniões sobre o assunto. Eu digo, “Fred, Time é uma ‘revista grande’. Eles cobram $75 mil por página. Nós cobramos 3 mil.” E ele diz, “Não, não, nós cobramos $3.1 mil”. Quer dizer, …

Domingo, 25 de janeiro, 1987. Kenny Scharf ligou tentando me convencer a comprar terras no Brasil e eu estava pronto para lhe enviar um cheque, mas daí Fred gritou comigo por causa desse assunto quando estávamos na França, insistindo que são apenas vendas de mercado negro, sem contrato algum e nenhuma prova de que a gente é realmente o dono. Mas é muito barato. E a Paige queria entrar nisso comigo e até iria lá durante uma semana para verificar as coisas. A gente ganha (risos) um coqueiro só pra gente. Mas dizem que há muitas mortes por lá e que podem tirar a terra da gente a qualquer momento. Mas, ei, é muito barato.

* Texto escrito para a edição de fevereiro de 2014 da revista Joyce Pascowitch, em breve nas bancas.

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