Revista da Cultura entrevista a escritora Martha Medeiros

A Revista da Cultura traz, na sua edição de junho, uma entrevista com a escritora Martha Medeiros, realizada por Gustavo Ranieri e publicada originalmente no site da revista.  As fotos são de Tânia Meinerz.

Martha Medeiros não está à venda

por Gustavo Ranieri

Da janela da redação, no 11º andar de um tradicional edifício paulistano, à beira da Avenida Paulista, é possível mirar um grande pôster publicitário, fixado em uma banca de jornal, anunciando o último título de Martha Medeiros, Um lugar na janela. É o mesmo livro que, assim como outros de sua trajetória – já são 24 –, estão presentes também em livrarias, supermercados e nas gôndolas em lojas de conveniência e padarias de diversos lugares do país. “Estou quase vendendo mais do que pãozinho”, ela ri quando comento sobre essa popularidade no nosso encontro em seu apartamento em Porto Alegre, sua cidade natal. 

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Acontece que tamanha repercussão, consequência de seu talento para escrever sobre relacionamentos, das colunas semanais para os jornais O Globo e Zero Hora, e aquecida com o sucesso do filme Divã, adaptado em 2009 de seu livro homônimo, fizeram da escritora, a contragosto dela, um mito para parte de seus leitores: o de mulher totalmente resolvida e feliz 24 horas por dia. Martha, em suas próprias palavras, se transformou em certos momentos em uma “escritora particular”. Sim, são infindos os e-mails que recebe: pedidos de conselhos matrimoniais, de dicas para educar os filhos, pessoas querendo ganhar livros de presente, pois se consideram fãs número 1, e até o convite de um leitor que, no dia do aniversário de sua esposa, queria presenteá-la com um jantar ao lado de Martha. “Aquela que escreve nos textos faz o seu trabalho, dá suas opiniões. Isso não significa que estou com uma placa aqui de ‘vende-se’”, desabafa. Por outro lado, se sente maravilhada com o sucesso do trabalho e de saber que já introduziu muita gente na leitura. “Quantas pessoas já me escreveram dizendo: ‘O primeiro livro que li foi o teu e, a partir daí, comecei a me interessar por outros autores’. Estou com a vida ganha quando ouço isso.”

Com mais de 800 mil livros vendidos, a publicitária de formação – ela trabalhou 14 anos na área –, fez sua estreia literária com Strip-tease (1985), de poesias. A crônica só chegou dez anos depois, com Geração Bivolt, e não a largou mais. No momento, estão programados os relançamentos, com nova roupagem gráfica, dos livros DivãSelma e SinatraTudo que eu queria te dizer e Fora de mim; e em agosto ela lança uma coletânea de crônicas, ainda sem título, ao mesmo tempo que estreará no Rio de Janeiro a adaptação para o teatro do best seller Feliz por nada, dirigido por Ernesto Piccolo. Ela também está envolvida com a The School of Life, do filósofo Alain de Botton. Mas a agitação profissional é falsa. Prestes a completar 52 anos, Martha Medeiros – a mesma que tem alma de roqueira e está encantada com os livros O azarão e Bom de briga, de Markus Zusak – gosta é de ficar com a agenda bem livre, justamente para viver tudo de que gosta, incluindo o mais trivial do dia a dia. É o que nos conta nesta entrevista, na qual também falamos sobre a falta de controle sobre um texto na web, o tempo do homem consumido pela tecnologia e relacionamentos (óbvio!), mas pelo viés da “utopia”, da busca frenética pela felicidade e por um par ideal.

Seus livros estão à venda em todos os lugares possíveis. Como você observa os lados positivo e negativo dessa exposição?
Por um lado, é absolutamente sensacional, por que quem não quer trabalhar em casa, fazer seus horários, ter seus prazos, gerenciar a própria carreira sem nenhuma limitação e atingindo o público? A gente escreve para ser lido, não é? E a parte negativa, a associo mais à internet. Porque, aí sim, tu perde o controle do teu trabalho.

Você diz em relação à quantidade de textos adulterados que circulam pela rede?
Já aconteceram casos inacreditáveis com textos meus; um, por exemplo, é creditado até hoje ao Pablo Neruda e foi publicado em um livro em espanhol como sendo dele. A Fundação Neruda, no Chile, já tem uma resposta padrão de tantas consultas que eles recebem sobre se é meu ou dele. E uma vez, estava em casa num domingo e toca o telefone: era um repórter querendo que eu desse um depoimento sobre o que estava acontecendo na Itália. Eu digo: “O que está acontecendo na Itália?”. E um político importante de lá [o premier Romano Prodi, em janeiro de 2008] tinha renunciado porque havia sido “pressionado” com esse texto meu, mas que foi lido em plenário como se fosse do Neruda. Só faltou posar pelada (risos) para o Corriere della Sera, porque virou assunto de jornal.

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Qual é o nome do texto?
O nome do texto é Morre lentamente. Publiquei no Zero Hora um dia antes do feriado de Finados. E virou… Não! Chama A morte devagar. Vê como já estou me confundindo? (risos)

Daqui a pouco, você vai admitir que é do Neruda (risos)…
Estou quase admitindo (risos). O texto tem “Morre lentamente quem não sei o quê, não sei o quê. Morre lentamente…” Eram pessoas que iam morrendo em vida. Aquela coisa: não tenho assunto, vou falar sobre isso. E virou uma febre até hoje! Tem agora um francês que entrou em contato pedindo para musicar o texto. Também existem casos de má-fé. Já fizeram propaganda política no meio de um texto meu. Então, a minha falta de controle em relação ao que acontece na rede me perturba, mas não me tira o sono. A maioria das vezes é distração mesmo do pessoal, que vai passando adiante sem saber o que está fazendo. Esses PPS [slide show do PowerPoint], então, que vêm com musiquinhas, Kenny G e aquelas florzinhas (risos), eu tenho vontade de chorar. Tu fez um texto “morado”, meio malandro até, e daí botam um coral gregoriano e aquilo fica de uma cafonice total e ainda botam uma frase, uma moral da história, que nem tinha no texto original. Eu olho para aquilo e digo: “Odiaria ser autora disso aqui”. Mas sou. Digo isso em entrevistas, e sei que é até antipático: preferiria mil vezes ter menos leitores, mas que me lessem só no jornal e nos livros. Não tenho essa vaidade de ter 3 milhões de leitores.

E nem existe mais a utopia de que é possível evitar coisas desse tipo na web.
No caso da bifurcação do texto, é incontrolável. Eu ainda tenho a sorte de ser confundida com Quintana, com Jabor. É só gente quentíssima (risos). E tem esse lance também que todas as crônicas saem no jornal com o meu e-mail. Então, recebo um monte de mensagens, na maioria das vezes pessoas elogiando, algumas criticando, mas tudo com educação. Mas a quantidade de solicitação…

Que tipo de solicitação?
Solicitam primeiro: leia meu blog. Isso daí é 20 por dia. Eu não faria mais nada da vida. Tem gente que me considera uma escritora particular. Tenho pensado muito nisso. Tem muita gente que diz: “Martha, como eu me identifico com o que tu pensa”, “Parece que tu vive aqui dentro de casa”. Isso é recorrente, o tempo inteiro. As pessoas vão achando que elas são donas de ti. Aconteceu essa semana uma coisa superchata. A mulher contou a vida dela, o problema que está tendo com as filhas e ainda me pede: “Por favor, escreva um texto a respeito disso para eu colocar no Facebook das minhas filhas para elas verem. Para tu me apoiar”. Daí explico: “Olha, respeito tua dor, agradeço tua confiança, mas não é essa a minha função. Espero que tu consiga solucionar e tal”.

E ficam bravos com esse tipo de resposta?
Ficam furiosos, porque é como se eu estivesse à venda. “Martha, a minha amiga te adora, ela te ama, ela só te lê. Ela vai fazer 18 anos. Por favor, manda um livro autografado para ela. O endereço dela é tal tal tal”. Eles nem perguntam. Acham que eu vou parar minha vida, vou pegar um livro, vou aos Correios… Eu não tenho staff nenhum. Não tenho assessora, agente, secretária. Uma vez, um cara me disse assim: “Martha, quero te dar de presente de aniversário para a minha mulher. Eu te mando uma passagem, hotel e tu vem jantar com a gente no dia do aniversário dela”. Eles não têm muito noção do que é vida privada, que sou uma mulher como qualquer outra, levo minhas filhas ao colégio, vou ao supermercado, tenho uma vida. Estou tentando me entender por meio do que escrevo. Mas, por alguma razão, os textos criaram essa empatia e as pessoas acabam querendo te sugar mais do que podem. Enfim, não quero reclamar disso. Seria ridículo! Porque é fruto também de um trabalho que deu supercerto.

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E essa identificação, que acaba se tornando invasão de privacidade, não teria a ver com uma “credibilidade” sua ao falar de sentimentos?
Mas isso é uma besteira! As pessoas olham para mim e dizem: “Martha, tu é tão bem resolvida”. E digo: “Gente, é muito fácil ser bem resolvido por escrito, porque eu vou ali, escrevo de novo em outro dia, faço uma faxina no texto, repenso”. Mas eu me atrapalho como todo mundo, faço um monte de besteiras. Mas aí tu vai notando como é que tu cria um mito.

Sim, porque você se torna a mulher perfeita para os seus leitores.
Que é um pé no saco! Acaba sendo uma escravidão. Outro dia, eu falei que tinha vontade de matar uns passarinhos que me acordam às 4h da manhã e todo mundo ficou apavorado: “A santa quer matar passarinho”.

Te elevar a um pedestal como mulher perfeita não está relacionado também ao ideal da busca pela felicidade, que nunca é encontrada?
Porque não existe! Mas aí é que fiquei com mais esse rotulozinho de “a feliz”, porque tenho um livro chamado Feliz por nada. E escolhi esse título [é também o nome de uma das crônicas da publicação] porque é o meu estado de espírito. É a noção de que não existe um motivo para ser feliz. Ter um estado de espírito aberto, e isso eu tenho, para receber balaço e elogio, receber tudo, assimilar, entender que faz parte do processo de viver. Eu não dramatizo as coisas. As encrencas de trabalho e estresse do nosso dia a dia estão dentro do pacote. Isso é o que chamo de felicidade.

Mas em sua opinião, a falta de conhecimento de si próprio influencia nessa busca frenética por algo que se rotule felicidade?
Acho que isso é de cada um. Vamos entrar num papo muito psicanalítico aqui… Tem pessoas que, realmente, têm doenças. Isso é uma questão que tem que se respeitar e tratar. E tem outros casos a ver com criação, com essa sociedade maluca em que tu passa por qualquer revistaria e vê Caras. Uma coisa absolutamente irreal! As mulheres terminam o casamento e duas semanas depois estão namorando outro maravilhoso…

E saem na capa declarando: “Nunca estive tão feliz”.
É tudo maravilhoso. E ficam lindas e magras. Aí, as pessoas consomem isso. Mas também por falta de leitura, de consistência. E, quanto mais inconsistentes, mais assimilam bobagem: a fórmula de felicidade, a fulana que tem coisas que eu não tenho…

E no meio de tudo isso tem a procura pela mulher e homem ideais?
A gente está muito antigo nisso. No passado, era muito mais fácil dar essa segmentação. Ou tu era casada ou solteira. Hoje, o mundo virou um grande supermercado, tem mil maneiras de se relacionar, tu pode ser gay, pode ser solteiro o resto da vida, pode só trabalhar, pode ser pegador. E não precisa ser para sempre. A gente está mais longevo também, então, tem mais chance de mudar durante uma vida. Hoje em dia, digo por mim, acho que ainda tenho estrada, ainda posso realizar muita coisa mesmo com 50 anos, e não preciso ser a mesma que fui com 40, 30 ou 20. E continuo achando muito importante ter um grande amor. Fui casada durante 17 anos, 21 se contar o tempo de namoro. Terminei o casamento e em seguida comecei uma relação que durou seis anos. Agora, eu saí desse relacionamento e, pela primeira vez, estou sozinha mesmo. E estou muito bem, feliz, tocando o meu trabalho, mas sinto realmente como é importante ter um relacionamento, como isso te preenche a vida! Não estou falando de pegação. Estou falando de um relacionamento íntimo. O que acho que está em falta não é homem nem mulher, é intimidade. É uma coisa que tu cria e realmente tem que ter uma dedicação. Tem que estar aberto, disponível, com tempo, e isso acho que as pessoas não têm mais. Está todo mundo querendo solução mágica. Daí, fica todo mundo sozinho.

A tecnologia não teria ajudado a consumir esse tempo? Hoje, é comum todo mundo olhando o celular – e atrapalhando os outros –, até no cinema e no teatro.
Essa coisa da conexão é uma estupidez. As pessoas ficam nervosas quando esquecem o celular em casa. E elas vão jantar fora e põem o celular em cima da mesa, que é uma coisa que não consigo explicar, a não ser que tua mãe esteja passando por uma cirurgia no cérebro naquela noite. Nesse aspecto, eu me sinto completamente fora do mundo, mas até com certo orgulho. Não sou tiranizada pelo trabalho ou pela tecnologia e tenho um tempo ocioso. As pessoas têm a impressão de que sou uma workaholic, porque nego ir a tanta coisa que me convidam e sempre digo que estou com a agenda cheia. Na verdade, não existe essa agenda cheia, porque faço questão de tê-la muito livre para fazer as coisas de que gosto, incluindo deitar no sofá e ler um livro, receber minhas amigas aqui em casa, sair para viajar, ir passar um dia na praia e voltar. Isso é a minha grande matéria-prima para tudo o que escrevo e faço. Sou fã do e-mail. Como facilitou a vida! Óbvio que tenho alguns recursos, mas tudo dentro do meu controle.

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Martha, como você se situa como escritora no meio dos outros escritores? Já sentiu algum tipo de desdém de alguém que, de repente, te rejeite por você ser muito popular?
Nada. Todo mundo me trata superbem. Acho até que deve ter muito nos bastidores e entendo perfeitamente. Estou longe de ser um Cristovão Tezza, um Phillip Roth, Clarice Lispector… Eu mesma, como leitora, vejo essa tremenda diferença. Eu era uma menina que começou a escrever poesia, tive a maior sorte de conseguir ser lançada pela Cantadas Literárias, que é a coleção da Brasiliense que lançou Caio Fernando Abreu, Alice Ruiz, Leminski. Eu era publicitária. E depois passou um tempão, achei que iria ser para sempre a propaganda e a poesia, e então comecei a fazer crônicas. Me chamaram para escrever e, de repente, deu certo. É quase como se eu me sentisse culpada de ter dado certo, mas tenho plena consciência: é um texto fácil, pop, que pegou. Agora, não posso sair pelas ruas dizendo: “Perdão por eu estar vendendo”. O Feliz por nada, agora, chegou a sua 49ª edição. O pessoal suando para chegar à segunda e, de repente, estou na 49ª. E não sei explicar isso. É uma febre, as pessoas adoram. Então, se os caras quiserem malhar, entendo e deixo que malhem. Eu não tenho uma vida literária.

Você não faz questão de participar do círculo de escritores, é isso?
Sim, eu gosto mais de viajar! Agora, estou indo para Londres, vou passar um mês estudando inglês. Vou realizar com 51 anos o sonho que não pude realizar com 18. Isso, para mim, é o que eu mais amo na vida. Vou estudar um idioma que não domino bem e preciso dominar em função de outro projeto que estou me envolvendo.

Pode revelar qual?
Estou envolvida com a The School of Life (A Escola da Vida, que teve filial inaugurada em São Paulo em abril último), do [filósofo] Alain de Botton. Ele veio para o Brasil e a GloboNews fez uma entrevista separadamente comigo e com ele sobre felicidade. E o Alain viu essa entrevista depois, se interessou pelo meu trabalho e fez o convite. Não tem nada formal, não sou contratada, não sou sócia, não tem grana envolvida… É puro idealismo!  Tudo o que existe na vida de prosaico, de rotineiro, como tu pode incrementar isso com uma visão mais filosófica e como isso pode melhorar a tua relação com o mundo e com os outros.

Dentro do universo literário, além dos relançamentos confirmados, tem algum novo livro previsto?
Será lançada em agosto uma nova coletânea de crônicas, que eu faço de dois em dois anos. No Feliz por nada eram crônicas de 2009 a 2011, e agora será de 2011 a 2013. Não sei ainda o nome do livro, mas tenho uma inclinação para Simples, fácil e comum, que é o título de uma crônica e também uma busca minha pela simplificação; viver e pensar de forma mais simples.

Na edição de maio da Revista da Cultura, há uma reportagem sobre escritores, como J.K. Rowling e Nicholas Sparks, que vendem os direitos de seus livros para o cinema e chegam a roteirizar e até dirigir. Você pensa em se infiltrar nessa indústria?
Vou te dizer uma coisa: gosto de uma vida mansa (gargalhadas). Não tem dinheiro que me tire da minha paz. Eu poderia ser milionária. O que recebo de convite para isso, tu não tem ideia. Palestra seriam três, quatro por dia… E não vou a nada mais. Viver na estrada? Isso eu parei. Fiz muito. Já rodei o Rio Grande do Sul, já viajei Brasil inteiro. Agora, escolho só três ou quatro lugares por ano para ir. E essa coisa de roteirizar, é outra questão. Eu não sei fazer, então, deixo para quem sabe.

Você tem prazer de ver suas histórias adaptadas para o cinema ou o teatro?
Tenho uma curiosidade muito grande, porque delego totalmente. Não participo de roteiro, não participo de ensaio, não dou palpite. Eu entrego de uma maneira perigosa até. “Façam o que quiserem”. Daí, a primeira vez que fui ver Fora de mim, não tinha ideia do que iria ver. Não conhecia as atrizes. Mesma coisa foi com o Divã. Quando a Lília [Cabral] me ligou, autorizei e vamos embora. E todos foram assim! Doidas & Santas, com a Cissa Guimarães… É claro que bate um estranhamento. Mas tenho plena consciência de que aquilo não é mais meu. Fui só o ponto de partida para um projeto que passa a ser de equipe. Agora, o Feliz por nada vai virar peça também.

Quando estreia?
Em agosto, no Rio. O Ernesto Piccolo que vai dirigir. E eu relaxo, dou liberdade. Acho que é legal. Isso muda teu público. É manter vivo um livro, manter vivo teu trabalho. E gosto muito de teatro. Me divirto. Conheço pessoas interessantes.

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Passa pela sua cabeça publicar novamente poesia?
Tenho um material e pretendo voltar, mas não estou escrevendo. A crônica me absorveu de uma maneira! Gostaria ainda de continuar fazendo poesia, mas não adianta forçar essa barra. E gostaria de me voltar mais para ficção, que é o que tenho muito mais dificuldade de fazer, mas como leitora é o meu gênero preferido. Adoraria ser uma grande romancista, só que não vou ser nunca. Mas vou morrer tentando. Mas tem a crônica e prazo de entrega. É o meu trabalho mais burocrático.  São duas no domingo, uma para O Globo e outra para o Zero Hora. E uma na quarta-feira, para o Zero Hora também.

Independente do prazer, escrever é um ofício que te cansa em algum momento?
Não o ato de escrever. A exposição me cansa. Adoraria tirar um ano sabático, sair fora. Eu canso de mim, porque me coloco muito em tudo o que escrevo. Mas é normal também, são mais de 25 anos escrevendo.

E escrever para jornal e revista são compromissos que não podem falhar…
Não tem essa de “ficou doente”, nem nada. Se vai viajar, tem que deixar pronto antes. Mas o que me preocupa um pouco é que não tem mais assunto. O mundo não é tão original. Vejo as coisas acontecendo e não tenho vontade de comentar sobre isso mais, pois já foi comentado.

É como o Mick Jagger cantando Satisfaction mais uma vez.
Exatamente. E não tem mais o que fazer. E às vezes digo: “O que interessa o que penso sobre isso, caramba?”. O mundo está saturado de opinião. Eu preferia mil vezes não estar dando opinião e estar caminhando à beira-mar. Mas aí entra o lado profissional. Não é só porque ela é pública, tem um lado artístico, que será menos cansativo do que obturar uma cárie ou projetar um prédio.

Então, depois 28 anos de profissão como escritora, milhares de livros vendidos, adaptações de suas histórias para o teatro, cinema e TV… O que te sacia e move realmente hoje?
É tão difícil fazer isso sem parecer sentimentaloide. Eu não separo trabalho de vida. Não existe a Martha mãe, a Martha mulher, a Martha profissional, tá tudo enrolado. Reclamo que fico cansada, mas é óbvio que tenho muito prazer em escrever. E, provavelmente, se alguém dissesse: “Martha parou de escrever”, eu iria continuar escrevendo para mim mesma. O que me move é tudo. Uma vez, vi o Domingos Oliveira falando uma coisa que acho absolutamente genial. Ele adora sair para dar uma volta no quarteirão, para ver o que a vida oferece. E, cada vez que acordo, é essa a minha volta no quarteirão. Eu tenho um amor pela vida… Viver por viver… É a única coisa que a gente tem e ponto.

 

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