Subindo o rio Amazonas e pensando em O coração das trevas

Ivan Pinheiro Machado

Quando anoitece na Amazônia, o sol despenca sobre a copa das árvores e assume uma cor alaranjada, estranha e selvagem. Durante uma meia hora o céu imenso fica tingido de tons lilases, como se fossem caprichosamente pintados por uma mão imensa. E quando a escuridão toma conta de tudo, a gente olha para o céu e nota que na linha do Equador – conforme ensinava a professora de geografia ­– há menos estrelas que no sul que nós conhecemos. O barco avança rio acima envolvido pelo negror da noite.
Na proa, sob um calor de 32 graus, eu olhava perplexo as silhuetas da imensidão   do rio e fazia considerações filosóficas ao pé de uma cerveja estupidamente gelada (confortos da tecnologia). Éramos um nada em meio aquele mundo de distâncias impressionantes, tamanhos impressionantes, volumes de água impressionantes. Lembrei do “O Coração das trevas” de Joseph Conrad, um dos mais fantásticos livros jamais escritos. Quando passou da meia-noite, a magia amazonense se completou. De repente, no sentido inverso em que o sol mergulhou, espirrou da floresta uma lua  avermelhada que rapidamente se projetou céu adentro salpicando o grande rio com reflexos prateados.


Vindos de Alter do Chão, a prestigiada praia paraense à beira do Tapajós com seu rio de águas quentes quase azuladas, subimos o rio Amazonas até Manaus. Foram três dias navegando dia e noite ininterruptamente para cobrir os quase 700 quilômetros que são vencidos lentamente contra a correnteza. Éramos cinco amigos em um barco grande e potente capaz de fazer esta travessia enorme em segurança.
Foram muitas as aventuras vividas nesta jornada pela selva. Mas o que interessa é que aqueles que não conheciam a região voltaram inoculados pelo vírus da Amazônia. Um maravilhamento meio inexplicável. Eu, que naquela noite, no “coração das trevas”, me senti um nada, compensei esta depressão filosófica com um orgulho amazônico de ser brasileiro. E entendi um pouco a imensa e mortal inveja que os gringos têm dessa mata extraordinária e poderosa e destes rios absurdamente caudalosos.


Abaixo, uma degustação de Joseph Conrad e sua obra prima O Coração das trevas cujo narrador descreve suas sensações enquanto seu barco avançava no meio da selva desconhecida e perigosa. Mas ao contrário do inseguro e temeroso narrador de Conrad, nós possuíamos GPS, sonar, ar-condicionado e um freezer lotado de cervejas…

“Árvores, árvo­res, milhões de árvores, imponentes, imensas, erguendo-se à grande altura.(…) Fazia você se sentir muito peque­no, muito perdido; contudo, no conjunto, não era um sentimento depressivo. Extensões de água abriam-se a nossa frente e fechavam-se atrás, como se a floresta houves­se avançado displicentemente sobre o rio, barrando o caminho de nosso retorno. Penetrávamos cada vez mais fundo no coração das trevas. Fazia um silêncio enorme ali. (…)Não podíamos compreender porque estávamos longe demais, e não lembrávamos por que estávamos viajando na noite das primeiras eras, de épocas que ha­viam desaparecido, mal deixando um sinal – e nenhuma lembrança.”

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